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Capítulo 3. A energia elétrica no Brasil

3.1. A formação do setor elétrico no Brasil (1880 a 1930)

A instalação do primeiro aproveitamento hidrelétrico de que se têm notícias no Brasil ocorreu em 1883, e foi construído no Vale do Jequitinhonha, no município de Diamantina, no estado de Minas Gerais. Era um empreendimento particular51, que serviria para melhorar a exploração de diamantes.

Outros empreendimentos semelhantes entraram em operação ainda na mesma década, nos municípios de Nova Lima (em 1887) e Juiz de Fora (em 1889), ambos no estado de Minas Gerais, ligados a ações voltadas, principalmente, ao setor primário e de iluminação pública.

No fim do século XIX e início do século XX, a utilização de energia elétrica vai se ampliar consideravelmente no Brasil, sob domínio, principalmente, do capital internacional. Entra em cena uma empresa subsidiária da Canadense Light, que, no Brasil, assumiu o nome de São Paulo Railway, Light and Power Company Limited. Segundo Pinheiro, os objetivos dessa empresa

[...] iam além da produção, utilização e venda de eletricidade gerada por qualquer tipo de fonte (hidráulica, mecânica, gás, vapor, pneumática), abrangendo também o estabelecimento de linhas férreas, telegráficas e telefônicas. A empresa pretendia controlar ainda bens móveis e imóveis, incluindo terras, lagos, açudes, rios, quedas e correntes d´água, necessários às suas atividades (PINHEIRO, 2006, p.9-10).

As ações da Light no Brasil se iniciaram na cidade de São Paulo, que estava se

expandindo rapidamente e se mostrava com um bom potencial para ser “explorado” pelo

capital estrangeiro. Posteriormente, a empresa ampliou sua área de atuação, passando a abranger a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país na época. A empresa se instala na capital federal com o nome de Rio de Janeiro Tramway, Light and Power e recebe, em 1905, a autorização para explorar o Ribeirão das Lages e o rio Paraíba do Sul. Essa nova subsidiária busca atuar, também, em vários setores da economia.

Com o objetivo de atender a algumas regiões do interior paulista, foi autorizada a se instalar no Brasil, em 1911, a terceira subsidiária da Light, que adquiriu a Empresa de Eletricidade de Sorocaba. Denominada de São Paulo Electric Company Limited, ela recebeu a concessão para construir a Usina Hidrelétrica de Itupararanga, inaugurada em 1914.

A Light foi se expandindo no Brasil, assumindo o espaço de pequenos empreendimentos

51 “Segundo a primeira constituição republicana, o proprietário da terra detinha igualmente a propriedade das

riquezas do subsolo, não importando de que forma seriam aproveitados, para fins energéticos, industriais ou utilidade pública. As quedas d´águas, da mesma forma, eram consideradas acessórios da propriedade e

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e criando novos empreendimentos ligados à energia elétrica, tendo como eixo de ação São Paulo e Rio de Janeiro. No início da segunda década do século XX (1911-1920), as três subsidiárias da Light no Brasil foram reunidas numa Holding denominada Brazilian Traction,

Light and Power Co. Ltda.

Nesse mesmo período, vários empreendimentos voltados à questão de energia, com atuação mais local, tanto de caráter público como privado, iam sendo instalados de forma dispersa pelo país. Segundo Pinheiro (2006), na primeira década do século XX, entraram em operação 77 pequenas centrais elétricas e, conforme o recenseamento, em 1920 estavam em atuação 343 usinas hidrelétricas.

Já na década de 20 do mesmo século, a tendência foi a construção de centrais geradoras maiores, com abrangência regional e, também, a incorporação de pequenas centrais por grupos maiores, como exemplifica Silva (2001):

[...]a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), originária de incorporações de empresas, tais como a Empresa de Força e Luz, de Botucatu, a Empresa de Força e Luz, de São Manuel, e a Companhia Elétrica do Oeste de São Paulo, além da Empresa de Força e Luz Agudos- Pederneiras e a Empresa de Eletricidade de Bauru (SILVA, 2001, p.39). Nessa mesma perspectiva é que vai atuar no Brasil a American & Foreign Power

Company (AMFORP), empresa norte-americana criada pela Bond & Share Corporation que,

em 1905, foi incorporada pela General Electric. A AMFORP se instalou no Brasil nos anos 20 do século XX constituindo a Empresas Elétricas Brasileiras, que se transformou, posteriormente, em Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras (CAEEB). Essa empresa direcionou seus investimentos, principalmente, para as capitais de alguns estados brasileiros não controladas pela Light, como Recife, Natal, Maceió, Curitiba, Vitória e Belo Horizonte, bem como para o interior paulista, quando passou a controlar a Companhia Brasileira de Força e Luz (1927), a Companhia Campineira de Tração, Força e Luz (1929), a Companhia Central de Eletricidade de Icem (1928), e a Companhia Força e Luz de Brotas (1929) entre outras. Esse grande número de pequenos empreendimentos isolados voltados para a produção e geração de energia elétrica no interior paulista apresentava-se como um grande potencial de lucros sem ter que dispensar investimentos em geração e distribuição, caso fossem adquiridos e interconectados. Por tanto, o interesse e investimento na sua aquisição por parte da AMFORP.

Com a criação da AMFORP se buscava mais que a geração e distribuição de energia elétrica, era uma forma de difundir os produtos de eletricidade da General Electric. É a demonstração da formação dos cartéis, envolvendo empresas européias e americanas, que

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ficou evidente pelas distintas frequências de eletricidade de cada cartel. As empresas americanas, como General Electric e Westinghouse, tinham seus produtos adaptados para uma freqüência de 60 Hz, enquanto as européias como, a Siemens, Philips, ASEA-Brown

Boveri, tinham produtos com 50 Hz. “Pela frequência da eletricidade fornecida, as empresas

asseguravam a venda de seus equipamentos em seus territórios” (GONÇALVES JUNIOR, 2007, p. 197).

Nesse processo de incorporação, concentração e centralização das empresas concessionárias de energia elétrica ocorreu uma quase desnacionalização do setor elétrico na década de 20, do século XX, sendo pouco expressivo o que restou fora desse controle do capital estrangeiro. Gonçalves Junior (2007) destaca um considerável aumento da geração de energia por hidrelétricas, se comparada com a térmica. A grande vantagem que se colocava ao capital internacional nesse caso era que o preço pago pela energia estava sendo calculado pelo custo da energia mais cara, que era o das termoelétricas, o que garantia um lucro suplementar aos investimentos feitos na hidroeletricidade.

Servinski (2003) salienta a ausência/impotência do Estado brasileiro na regulamentação e controle do setor elétrico nesse período, o que dava poderes praticamente ilimitados aos monopólios que aí se formaram, chegando a destacar a possibilidade de acordos entre a Light e a AMFORP na busca de maiores lucros. O autor coloca que o Estado vinha tentando, sem sucesso, regulamentar o setor por meio do Código das Águas desde 1907.

A expansão do capital internacional na economia brasileira se dava também em outras atividades, principalmente no setor industrial, sendo que, aos poucos, as indústrias nacionais iam sendo absorvidas por grupos estrangeiros. Surge, então, um conflito de interesses, o que vai ocasionar uma contra-ofensiva das forças econômicas nacionais e instaurar um novo debate, marcado por dois grupos distintos, que, no setor elétrico, eram caracterizados,

segundo Servinski (2003, p.25) “pelos que defendiam uma forte intervenção do Estado e o

fim das tarifas aplicadas via cláusula ouro52, e por outro, os defensores da liberdade absoluta ao capital estrangeiro”.

Com a crise mundial de 1929, e a vitória dos intervencionistas na “revolução”

nacionalista de 1930, liderada por Getúlio Vargas, inicia-se no Brasil o processo de intervenção estatal na economia e, consequentemente, no setor elétrico, implantando-se, de forma incisiva o Estado Capitalista.

52 “A Clausula Ouro era um dispositivo constitucional que permitia que as empresas recebessem em ouro parte

de suas receitas auferidas por atividades no setor elétrico brasileiro, de modo a excluir ou limitar, em seus

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