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colaboravam nas manifestações organizadas pelos atingidos das barragens de Itá e Machadinho.

Em 1997, iniciaram-se os estudos de viabilidade do empreendimento. Esta ação levou a uma nova organização por parte dos atingidos, que passaram a desenvolver ações para impedir os levantamentos que vinham sendo feitos. Paravam-se os trabalhos por algum tempo e, depois, recomeçavam novamente180. Para facilitar a realização dos trabalhos, a empresa começou a contratar pessoas do local para ajudarem nos trabalhos, o que gerou um desentendimento entre os próprios atingidos, facilitando a realização das atividades da empresa. Até o ano 2000, além do Estudo de Viabilidade, deu-se a Elaboração do EIA/RIMA, sempre num clima de tensão, o que fez com que famílias e algumas comunidades não fossem incluídas no Levantamento Sócio-Econômico (J.M.B – líder local).

Como os estudos avançavam, sentiu-se necessidade de ter uma maior organização dos atingidos, e algumas pessoas das comunidades passaram a fazer cursos de lideranças em outras regiões junto ao MAB e, posteriormente, alguns cursos foram organizados nas próprias comunidades atingidas. Nestes cursos, predominavam temas como luta de classes, questão energética e organização do movimento. Neste período, segundo P.L.M (liderança local) o MAB Nacional estava se reestruturando, começando a se articular com outras entidades e outros movimentos sociais, deixando de ter uma visão focada nas barragens e começando a se inserir em uma luta mais geral, que discutia um novo projeto para a sociedade, e proporcionava uma maior aproximação com o MST, que por sua vez, cedia vagas para lideranças do Movimento nos cursos que organizava. É neste momento que passa a se formar o MAB enquanto movimento nacional, pois, até então, tinha-se uma Coordenação Nacional que servia de apoio para as organizações de atingidos por barragens ou por grupo de barragens. Estava se colocando a necessidade dos atingidos terem um projeto nacional, e para tanto, tinham que ser, realmente, um movimento nacional. Nesta renovação, que ocorria internamente no MAB, a direção Nacional já apresentava os primeiros sintomas de não mais acreditar nas ações dos atingidos, pelo menos na forma como vinha ocorrendo até o momento, para fazer frente à política energética e, em especial, à construção de barragens181, o que causará vários debates no interior do Movimento.

Apesar da facilidade, num primeiro momento, de aglomerar um número significativo de atingidos, muito ainda reflexo das mobilizações que ocorreram no passado via CRAB, o

180 Segundo J.M.B. (líder local), de 1997 a 2000, os trabalhos foram parados e reiniciados 9 vezes e, na época,

era fácil reunir-se de 300 a 1.000 pessoas, para forçar a paralisação dos trabalhos.

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Este tema será analisado de forma mais específica em outro capítulo, que mostrará a própria mudança de nome das várias Comissões Regionais para MAB.

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MAB não conseguia se organizar para formar muitas lideranças que tivessem um envolvimento maior na estruturação do Movimento, dependendo muito do espontaneísmo dos atingidos. A presença da empresa na região divulgando a obra, contratando pessoas da comunidade para executarem algumas tarefas etc., colocava em xeque o potencial de organização e de enfrentamento dos atingidos. Desta forma, em 2001, o MAB Foz do Chapecó optou por realizar uma grande assembléia com os atingidos dos 13 municípios, na qual o ponto principal da pauta era decidir sobre a linha de atuação do Movimento, ou seja, se seria uma luta contra a construção da barragem ou se eles partiriam para a discussão sobre direitos voltados às indenizações. A assembléia se realizou no município de Alpestre/RS, contou com mais de 1.500 atingidos e foi conduzida por lideranças do MAB Nacional. A decisão tomada foi a de que eles não se oporiam à construção da barragem e iriam se organizar, buscando boas indenizações. A ideia era não deixar que as obras se iniciassem antes que se fechasse um acordo com os atingidos. A decisão da assembléia significou que os atingidos aprovaram a construção da hidrelétrica.

Após avaliarem a assembléia realizada, tornou-se consenso, entre as lideranças locais, que a realização da mesma, com aquela pauta e naquele momento, fora um erro e significara uma perda para os atingidos pela barragem. Estas lideranças assumem sua culpa, destacando a visão limitada que tinham na época sobre a questão e, também, por eles mesmos não terem conduzido a assembléia, já que estavam envolvidos diretamente com a situação. Também fazem uma crítica à forma de condução da mesma pelos representantes da direção nacional do MAB, que facilitou para que o desfecho final fosse a luta por direitos. As lideranças locais afirmam que, na época, muitos atingidos queriam fazer frente à construção da barragem e que, se o Movimento tivesse investido de forma contundente na luta contra a barragem, intensificando a formação de lideranças e proporcionando uma efetiva participação dos atingidos nesta luta, teriam impedido a construção da mesma. Nesta situação, parece surgir uma primeira amostra de uma divergência maior de idéias sobre a linha de atuação entre a direção nacional do Movimento e a organização local dos atingidos, que também será percebida em outros momentos.

Seguindo a decisão tomada pela assembléia, partiu-se para uma negociação com a empresa que havia ganho a licitação do empreendimento, realizando-se reuniões que discutiam o conceito de atingido, as formas e os valores a serem pagos como indenização, entre outros. Nestas reuniões, os avanços eram restritos porque os representantes da empresa tinham um poder limitado de negociação frente os anseios do MAB. Devido aos desacordos entre MAB e empresa, a última passa a criar Comitês Municipais de Negociações,

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envolvendo atingidos, representantes dos poderes políticos instituídos e outras lideranças locais, sendo reservadas duas vagas para o MAB indicar seus representantes, em cada um dos 13 municípios atingidos; o MAB, porém, não se fez presente nas reuniões dos Comitês.

Os Comitês ficaram encarregados de pensar e de discutir com a empresa um Termo de Acordo para o Remanejamento da População e Manutenção das Atividades Econômicas nas áreas diretamente atingidas pela UHE Foz do Chapecó. De setembro de 2002 a dezembro de 2004 ocorreram várias reuniões nas comunidades, que levaram à definição do Termo de Acordo acima referido, que foi registrado nos Cartórios de Títulos e Documentos das Comarcas dos municípios atingidos. No Termo de Acordo ficou definido que tanto proprietários como não proprietários teriam direito à indenização, bem como filhos maiores de 18 anos que dependam do imóvel atingido para a subsistência; foram determinados os valores para definição da força de trabalho onde: pessoas de 15 a 60 anos tem peso 1, cada pessoa com idade entre 05 e 10 anos acrescerá na composição da força de trabalho da unidade familiar 0,25, as com idade entre 11 e 14 anos acrescerão 0,60 cada uma, as que tiverem idade superior a 60 anos acrescerão peso 1,00 e as pessoas portadoras de doenças limitantes ou incapacitantes à execução de atividades agropecuárias serão consideradas como as demais pessoas, sem consideração de eventuais limitações para sua capacidade de trabalho (Tabela 8). Os valores determinados não são diferenciados entre homens e mulheres, tendo o mesmo peso para ambos os sexos.

Tabela 8 - Força de Trabalho por faixa etária

FAIXA FAIXA ETÁRIA SEXO Valor da Força de Trabalho

01 05 a 10 ambos 0,25

02 11 a 14 ambos 0,60

03 15 a 60 ambos 1,00

04 mais de 60 ambos 1,00

Fonte: Termo de Acordo, 2004

Também fazem parte do Termo de Acordo as modalidades de indenizações que poderiam ser pagas, tanto para os atingidos do canteiro de obras como para os atingidos pelas águas do reservatório:

a) Indenização em dinheiro aos proprietários ou posseiros de imóveis e/ou benfeitorias

atingidos pelo empreendimento;

b) Reassentamento Rural Coletivo - áreas parceladas em lotes rurais individuais, com

infraestrutura comunitária;

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seu reassentamento, através da busca e aquisição de um imóvel que obedeça as características mínimas estabelecidas pelo CEFC - Consórcio Energético Foz do Chapecó, com prévia avaliação da capacidade de execução a ser realizada por profissionais habilitados e aprovação do órgão licenciador ou quem ele delegar; d) Reassentamento em Área Remanescente - áreas de imóveis que foram adquiridos na

sua totalidade, mas que não serão inundadas e não farão parte da área de preservação permanente na orla do reservatório.

As famílias que optarem por alguma forma de reassentamento terão direito a uma verba de manutenção até colherem a primeira safra, desde que não ultrapassem um período de nove meses, além de apoio na correção de solo e assistência técnica.

O indivíduo, ou unidade familiar postulante a benefício de indenização, e que tiver negado seu pedido, terá seu caso submetido à análise de uma Comissão Paritária formada por representantes do Consórcio Energético Foz do Chapecó (CEFC), lideranças dos atingidos, representantes do poder público local, membros dos órgãos ambientais dos estados envolvidos e/ou do IBAMA, a fim de que sejam supridas eventuais dúvidas ou lacunas que, uma vez superadas, ensejarão a tomada de decisão final (IBAMA, 2004). O cumprimento deste documento passou a ser uma das condicionantes para a empresa obter a LI.

Os empreendedores, que tinham a responsabilidade de entregar a reserva indígena para a FUNAI até fevereiro de 2002, não o fizeram e, mesmo assim, obtiveram a Licença Prévia em dezembro de 2002, ficando como condicionante o repasse da reserva para obterem a Licença de Instalação. A LI foi liberada em dezembro de 2004 e, depois, renovada em dezembro de 2006; mas, em 2007 ainda havia algumas famílias de agricultores residindo na área. A empresa justifica que realizou todos os trâmites que lhes cabiam, e o atraso se dá

“devido à demora na emissão de Decreto por parte do Governo Federal”.182

Em 21 de setembro de 2004, a empresa obteve a L.I., o que significava que, a qualquer momento, poderiam ser iniciadas as obras. Neste momento, o MAB Foz do Chapecó entendia que não tinha nenhuma definição objetiva de como se daria o processo de indenização. Diante desta situação, organizou-se uma ocupação do local onde estava previsto o canteiro de obras, montando ali um acampamento, durante o período de 23 de maio de 2005 até 14 de dezembro de 2006 (Foto 9). Entre os objetivos do acampamento estavam: evitar que a empresa iniciasse as obras; forçar uma negociação entre o consórcio responsável pela barragem e o MAB; criar

182 Consórcio Energético Foz do Chapecó – ofício encaminhado ao MAB Foz do Chapecó em 22 de julho de

2005, como resposta a documento enviado pelo Movimento, com o propósito de marcar uma audiência com os diretores da empresa, sendo este tema um ponto de pauta.

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um fato político para ampliar a discussão sobre energia com toda a sociedade, questionando também a idéia de que o empreendimento traria desenvolvimento regional. Para garantir a manutenção do acampamento, decidiu-se que, a cada semana, representantes de dois municípios continuar a ser alojados no mesmo, o que facilitou sua manutenção por este longo período.

O MAB buscava a realização de negociação com a empresa, porém a esta se recusou a abrir diálogo com o Movimento, sendo taxativa em sua resposta183 à solicitação de reunião pelo MAB, alegando que estava cumprindo com suas obrigações, seguindo os compromissos assumidos no Termo de Acordo assinado com os Comitês Municipais e que o canal de diálogo da mesma com os atingidos eram os Comitês e que o MAB, mesmo tendo se ausentado das discussões, ainda tinha suas vagas garantidas nas reuniões e lá poderia expor suas demandas. Com a instalação do acampamento na área prevista para o canteiro de obras, o MAB conseguiu forjar um fato político que chamou a atenção da mídia; porém, o Movimento não conseguiu ampliar a discussão sobre a questão energética e desenvolvimento regional dentro do que se propunha. O longo período de acampamento também levou a um desgaste dos atingidos, pois sem a clareza do planejamento do consórcio para a obra tinha-se a impressão de que estavam lutando contra “moinhos de vento”184.

Interessada em iniciar as obras, no momento em que o MAB mantinha o acampamento onde estas seriam realizadas, a empresa entrou com solicitação junto à ANEEL, em 25 de novembro de 2005, pedindo que fosse declarada a área do canteiro de obras como de utilidade pública para fins de desapropriação, levando em conta o Contrato de Concessão que dizia: “A concessionária tentará de forma amigável a liberação da área junto aos moradores e, caso não consiga, poderá solicitar à ANEEL a Declaração de Utilidade Pública dos terrenos e

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Conforme ofício de 22 de junho de 2005, que a empresa enviou ao MAB.

184 Fazendo uma alusão à história de Don Quixote.