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Capítulo 3. A energia elétrica no Brasil

3.3. A Industrialização por Substituição de Importações (1945 a 1962)

Esse período é caracterizado por fortes discussões sobre a intervenção profunda ou não do Estado no setor produtivo, e envolve os governos de Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

O início do período é marcado, internacionalmente, pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela diminuição das restrições econômicas postas pelo conflito e, nacionalmente, pelo acirramento do debate entre o papel da iniciativa privada, tanto nacional como estrangeira, e o do Estado, na organização e execução das políticas voltadas ao sistema produtivo brasileiro.

Um grupo se manifestava favorável aos princípios do liberalismo econômico, posicionava-se contrário à intervenção do Estado na economia e defendia a livre circulação de capital no país, não importando a nacionalidade de origem. O outro grupo defendia uma industrialização acelerada, com forte intervenção do Estado na economia, que direcionaria investimentos para setores de base onde, dificilmente, a iniciativa privada iria investir.

Esse debate se estendia para o setor elétrico, no qual os que defendiam que o mesmo deveria ser conduzido pela iniciativa privada colocavam a estrutura tarifária, a política cambial e o Código de Águas como elementos que atravancavam os investimentos no setor. Por outro lado, os que defendiam uma forte intervenção do Estado no setor, propunham a construção de hidrelétricas por ele e, quem sabe, até a encampação das empresas privadas existentes. Esse último grupo acusava as empresas privadas de geração e distribuição de energia de não levar em consideração as necessidades colocadas pela sociedade e aproveitarem-se do poder de monopólio para buscar ganhos fáceis, sem fazerem maiores investimentos no setor.

No governo Dutra, os interesses dos grupos liberais predominaram e foi regido por esses pensamentos que, em 1946, lançou-se o primeiro Plano Nacional de Eletrificação que:

[...] privilegiava a criação de setores interligados regionais. [...] O modelo adotado na Inglaterra durante a década de 30 era citado como exemplo. Nesse sentido, para a estruturação de um plano nacional, o país deveria ser dividido em regiões auto-suficientes em recursos energéticos. [...] Ao invés da construção de grandes centrais elétricas, o plano privilegiava a construção de usinas de porte médio e pequeno. E a atuação do Estado deveria se limitar ao remanejamento das leis e do sistema de fiscalização e a função de agente coordenador do programa de racionalização dos serviços. [...] o Estado deveria agir supletivamente a iniciativa privada (CENTRO DE MEMÓRIA DA ELETRICIDADE, apud SILVA, 2001).

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A iniciativa privada, centrada principalmente no capital internacional, continuou comandando o setor elétrico. Porém, segundo Lima (2004), o Estado fez investimentos neste setor por meio do Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). Nele, 16% dos investimentos previstos pelo governo seriam voltados ao setor energético, sendo que, deste total, 52% seriam investidos em eletricidade, 47% com petróleo e o restante com carvão56.

No governo Dutra também se consolidou o projeto de criação da CHESF, que foi

constituída oficialmente em 1948 “como uma sociedade de economia mista, onde o Governo Federal tinha a maioria das ações” (TAFAKGI, 1994, p.43). A CHESF deveria proporcionar a

produção de energia elétrica com custos reduzidos, visando suprir as necessidades do Nordeste. O aproveitamento das quedas da cachoeira de Paulo Afonso foi o primeiro empreendimento de atuação da CHESF.

Os estudos para o aproveitamento hidrelétrico do Rio São Francisco ocorreram na década de 20 do século XX, por um estudioso da região, com financiamento de bancos franceses. Em 1932, a Companhia Agrícola e Pastoril de São Francisco S.A. iniciou uma pequena usina hidrelétrica em Itaparica, que, entretanto, não foi concluída. O Ministério da Agricultura (responsável pelo setor elétrico na época) se interessou pela obra, mas estudos técnicos apontaram para a maior viabilidade econômica dos investimentos se fossem realizados em Paulo Afonso.

O projeto da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso aprovado em 1949, teve metade dele financiado pelo governo federal e a outra metade por ações públicas, e iniciou suas atividades com um capital inicial de 400 milhões (valor em cruzeiros em 1994). Posteriormente, o governo federal injetou mais dinheiro, recorrendo a empréstimos no Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), atual Banco Mundial. Em 1952, já no segundo governo Vargas, o governo federal, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)57 , recorreu a outro empréstimo, agora junto ao Export and Import Bank (EXIMBANK), bem como injetou mais dinheiro dos cofres públicos para expansão e finalização das obras (TAFAKGI, 1994). A Usina Hidrelétrica Paulo Afonso foi inaugurada em 1955, com potência de 180 MW.

No governo Dutra não ocorreram grandes mudanças dentro do que vinha sendo

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O investimento total do Plano Salte seria assim distribuído: 57% para o setor de transporte, 16% para energia, 14% para saúde e 13% para a alimentação.

57 Criado em 1952, como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), no início da década de 80,

influenciado pelas transformações sociais que vinham ocorrendo no país, acrescentou-se ao nome o Social. Deste período até a atualidade passou a ser chamado de Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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discutido e colocado em prática nos últimos tempos, pois ele não havia conseguido remover os obstáculos estruturais que freavam a expansão do capital privado no setor elétrico. Mas, com a volta de Getúlio Vargas ao poder, em 1951, retoma-se a tese do Estado desenvolvimentista, interventor e planificador, de uma economia que teria a industrialização nacional como carro chefe, e as empresas estatais como um dos braços dessa proposta.

Uma maior intervenção do Estado na economia não significava um obstáculo para os investimentos privados no setor econômico, mas, sim, um direcionamento nos investimentos, ficando o Estado com a função de investir nos setores de infraestrutura, como indústrias de base, transporte, comunicação, energia etc., e o setor privado mais voltado para a indústria de bens de consumo como eletro-eletrônicos, (COSTA, 1991).

No segundo governo de Getúlio Vargas, a organização das políticas voltadas à questão energética ficou a cargo da Assessoria Econômica do Gabinete Civil da Presidência da República, formado nos primeiros meses de 1951. Até 1953, esse grupo se ateve na organização dos planos ligados à exploração e utilização de carvão e petróleo e, posteriormente, voltou-se para o planejamento do setor de energia elétrica.

Para a questão da energia elétrica foram elaborados quatro projetos de lei, todos interligados (PINHEIRO, 2006). Um dos projetos, com cunho fiscal, buscava capitalizar o setor elétrico e propunha a criação do Fundo Federal de Energia (FFE), por meio da cobrança do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE), que deveria ser direcionado para a União, estados, Distrito Federal e para os municípios. Um segundo projeto colocaria o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) como gestor do FFE. Um terceiro projeto estava ligado à criação do Plano Nacional de Eletrificação (PNE), que previa estudos, construção e operação das usinas hidrelétricas e colocava diferentes papéis para o Estado e para a iniciativa privada. Nele, a geração era exclusividade do primeiro, podendo o segundo participar da distribuição. O Plano não foi formalmente aprovado, mas a prática que se desenvolveu seguiu seus preceitos. Um quarto projeto estava voltado para a constituição das Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobrás), concebida nos moldes da Petrobrás, como uma empresa pública federal com capital inicial originário da União. Caberia à Eletrobrás a execução dos programas previstos no Plano Nacional de Eletrificação.

Seguindo essa nova política de energia organizada pelo governo federal, vai se formar a Companhia Elétrica de Minas Gerais (CEMIG), em 1952; a Usinas Elétricas de Paranapanema (USELPA) no estado de São Paulo, em 1953; a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (COPEL), em 1954 entre outras.

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Kubitschek58, que, na realização de um plano para o setor organizou a Semana de Debates Sobre Energia Elétrica, em 1956. Segundo Lima (2004), dois pontos que se destacaram nos debates foram a destinação dos recursos do FFE e a criação da Eletrobrás. Nesse debate, prevaleciam as idéias dos liberais, que se mostravam contra a criação da Eletrobrás e defendiam a utilização dos recursos FFE pelas empresas privadas. De forma transversal, o debate sobre o Código das Águas se fez de novo presente.

A política colocada em marcha por Juscelino privilegiou a criação de empresas públicas federais e estaduais59 para organizarem a expansão da geração de energia elétrica, mas deixou espaço para investimentos privados na distribuição da mesma, atenuando as discussões entre os diferentes grupos de interesse que se manifestavam na época.

Boa parte dos investimentos públicos, gerenciados pelo BNDE, foram direcionados para empresas estaduais que atuavam no setor, o que foi um incentivo para a criação das mesmas em estados que ainda não o haviam feito. Foram, também, investidos capitais nas empresas nacionais como a CHESF e, em 1957, o governo federal cria a Central Elétrica Furnas S/A, o segundo empreendimento federal na geração de energia. Furnas deveria abastecer a região de maior dinâmica econômica do país, a região Sudeste, que tinha ampliado consideravelmente sua demanda por energia, principalmente em função da industrialização acelerada. Furnas começou a operar em 1963, ampliando a capacidade de consumo de energia da região Sudeste, aliviando o racionamento que se fazia presente.

Outras ações ligadas ao setor de energia desenvolvidas pelo então governo federal podem ser destacadas como: a criação do Ministério de Minas e Energia, em meados de 1960, com instalação em fevereiro de 1961, que incorporou o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica e a Divisão de Águas, que estavam sob responsabilidade do Ministério da Agricultura e a criação da Eletrobrás60, em abril de 1961, sendo a mesma constituída em junho de 1962. Cabe destacar que a Eletrobrás foi criada após seu projeto ter sido muito debatido e ter sofrido a interferência dos interesses dos grandes capitais da indústria elétrica.

Segundo Silva (2004), a Eletrobrás, criada em forma de holding, foi constituída, sendo apoiada por quatro empresas: CHESF, Furnas, Chevap e Termochar. Nos seus anos iniciais, enfrentou uma grande crise de energia que ocorria na região Sudeste e que foi amenizada

58 Com Juscelino se desencadeia a Industrialização Substitutiva, atraindo empresas estrangeiras para instalarem

subsidiárias no país concedendo subsídios, sendo que muitas vezes com custos menores de 20% do investimento real do seu capital (RIBEIRO, 1995 p. 202).

59 CELESC - Santa Catarina – 1956, CEMAT - Mato Grosso – 1958, CEMAR - Maranhão – 1959, CEAL -

Alagoas – 1960, COELBA - Bahia – 1960, COSERN – Rio Grande do Norte – 1961, ENERGIPE – Sergipe

– 1961, CEPISA – Piauí – 1962.

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Cabe lembrar que o projeto da Eletrobrás ficou tramitando no Congresso Federal por muitos anos, pois foi encaminhado ainda no Governo de Getúlio Vargas, em 1954.

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quando Furnas entrou em operação. Com a criação da Eletrobrás, inicia-se um novo modelo no setor de energia proveniente de hidrelétricas, que perdurará até a década de 90, do século XX.

Até 1962, o domínio da geração de energia elétrica estava concentrado nas mãos do setor privado, pois o Estado detinha apenas 36% da capacidade instalada. Por outra perspectiva, é possível destacar-se a ampliação da participação do Estado neste setor, se levarmos em conta que, dez anos antes (1952), sua participação era de apenas 8% da capacidade instalada (LIMA, 2004).

Neste cenário, as empresas estrangeiras, geradoras e fornecedoras de eletricidade, passaram a diminuir seus investimentos e, devido a ampliação da industrialização e urbanização, durante as décadas de 1940 e 1950, o Brasil passou por momentos de escassez de eletricidade, o que resultou em políticas de racionamento. Porém, segundo Gonçalves Junior (2007, p.213), foi a partir dessa escassez que as empresas privadas de energia se

utilizaram para ampliar seus lucros “independente dos prejuízos que produziam para todos os segmentos sociais”. As empresas buscavam combinar o aumento da oferta com as instalações

operando com elevados fatores de carga, o que, muitas vezes, diminuía a qualidade dos serviços oferecidos, levando a quedas contínuas de tensão, que reduziam o tempo útil de aparelhos e motores ligados na energia, a suspensão do fornecimento de energia que levava à paralisação de fábricas e à suspensão de vários serviços. Além disso, baseando-se no discurso da escassez, elas recebiam autorização para a construção de obras que causariam sérios impactos ambientais, forçavam o governo a avalizar empréstimos para seus investimentos e, ainda, dificultavam o desenvolvimento de outros projetos técnicos nessa área.

Com o movimento geopolítico dos EUA, no sentido de direcionar seus investimentos na América Latina, uma nova realidade começa a se delinear, principalmente a partir da década de 1950. A necessidade de aumento de geração de energia elétrica se fez presente, pois o capital norte-americano vinha ampliando, de forma acelerada, seus investimentos no Brasil, principalmente por meio de indústrias multinacionais, o que elevaria ainda mais o consumo de eletricidade. Financiamentos foram colocados à disposição tanto para o setor público como para o privado para que se ampliasse a oferta de eletricidade; porém, o que predominou foram os investimentos do setor público. O Estado agindo no setor energético, facilitaria o desenvolvimento do setor industrial, já que ele atuava em um setor que exige grandes investimentos no setor fixo e é de demorado retorno; além disso, ele não buscaria o lucro suplementar na sua atividade, podendo ofertar energia a um menor preço e até subsidiada, o que poderia garantir uma maior margem de lucro às indústrias. Caberia ao Estado, também, a

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formação e capacitação de mão-de-obra especializada nesse setor, por meio de “centros de pesquisa; universidades; linhas de financiamento a fundo perdido, entre outras medidas necessárias para criar a força de trabalho capaz de planejar, operar e inovar toda a expansão

do sistema de eletricidade” (GONÇALVES JUNIOR, 2007, p.228).

O papel relevante que o Estado deveria assumir no setor energético, naquele momento, fica claro nas palavras pronunciadas por Miguel Reale, em um fórum realizado em 1961, conforme descreve Abreu (1999):

a) a indústria de energia elétrica é de tão capital importância na infraestrutura econômica de uma nação, que não pode deixar de ser exercida pelo próprio Estado, sob pena de correr risco a sua soberania; b) os benefícios da eletricidade devem ser assegurados indistintamente a

todas as camadas do povo, e isso somente será atingido a um plano oficial, ao mesmo tempo de caráter político, social e econômico, insuscetível de ser confiado a empresas privadas, sempre dominadas por finalidades acanhadas ou imediatas. A necessidade de planificação nacional dos serviços de eletricidade, bem como seu caráter prevalecentemente social, excluem, por conseguinte quaisquer concessões a entidades particulares;

c) tão essencial é a indústria de eletricidade ao desenvolvimento das demais atividades produtivas, que deve ser eliminado o caráter especulativo, inerente ao sistema de administração privada, a fim de possibilitar-se o fornecimento de energia barata, até mesmo abaixo dos custos, como condição primordial da promoção da política nacional: a eliminação do

“escopo de lucro” é uma exigência da natureza social do abastecimento

de energia;

d) somente o Estado pode suprir de energia regiões do país em grande atraso econômico e cultural, para os quais é notório e compreensível o total desinteresse das entidades privadas, não podendo o desenvolvimento daquelas regiões, essencial ao bem da nação, ficar na dependência de cálculos hedonísticos particulares: que só o Poder Público pode romper o trágico círculo vicioso que se opõe ao progresso (falta de energia por serem diminutos os índices demográficos e de produção; falta de povoamento e de produção por inexistir energia), nada justifica que o Estado fique apenas com o ônus das zonas negativas ou gravosas, abandonando aos particulares as de lucro certos e imediatos;

e) só o monopólio resolverá o grave problema criado pela rede de numerosas pequenas usinas hidráulicas, oras existentes, restrita ao âmbito das exigências das respectivas zonas de concessão, onde, as vezes, jazem inaproveitadas fontes de energia preciosas, com nocivo, embora justificado, desinteresse pela construção de grandes centrais hidrelétricas, reclamadas por relevantes motivos de ordem técnica e econômica, e destinadas a abastecer vastas regiões com energia abundante e a preço razoável;

f) na indústria de energia elétrica empregam-se todos os requisitos geralmente exigidos para a transformação racional de uma empresa privada para uma empresa pública: 1) obedece a processos técnicos mais ou menos estandardizados em qualquer de suas fases, produção, transmissão e distribuição; 2) é de fácil medida a fiscalização da energia gerada, o que se harmoniza com a burocratização dos serviços; 3) requer pessoal relativamente reduzido, com especialização técnica que não

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oferece maiores problemas (ABREU, 1999, p.26-27).

Nas palavras de Reale, podemos destacar alguns temas que caracterizam bem a transição do pensamento liberal para o intervencionista estatal que estava se processando na época, como: soberania nacional, planificação nacional, desenvolvimento nacional, desenvolvimento regional, progresso, nacionalização de empresas privadas etc. Porém, a ação do Estado não significava uma oposição ideológica ao capitalismo, mas, sim, uma maneira de garantir maior lucro ao capital privado, tornando-se o Estado também um agente capitalista.

Assim, estava se reforçando, como afirma Gonçalves Junior (2007, p.220), “uma decisão

política de alinhamento ideológico do Estado brasileiro ao modelo `keinesiano` de

desenvolvimento”.

Segundo Peiter (1994), o modelo energético que se estruturou dos anos 1930 até o início dos anos 1960, tinha um cunho regional, com o Estado assumindo, paulatinamente, o controle sobre o mesmo.