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final se dava de forma individual, acrescentando-se 4% do valor total para cobrir as despesas legais de aquisição das novas áreas, podendo o proprietário ficar na propriedade até 6 meses antes do enchimento do reservatório. A alternativa “terra por terra” significava a formação de uma Bolsa Imobiliária – listagem com ofertas de terras e seus valores - por parte da Eletrosul, onde os interessados poderiam fazer averiguações e, se compatível com sua indenização, adquiri-las. Esse modelo de negociação foi pouco utilizado.

Os reassentamentos rurais coletivos, considerados como a maior conquista da CRAB, tinham o objetivo central de atender os grupos que não tinham documento de propriedade de terra; porém, neles poderiam ser incluídos, também, os proprietários que tivessem até 75 ha e optassem por esse modelo de indenização. Para sua concretização, foram estipulados alguns critérios básicos, como forma de ordenar as atividades a serem desenvolvidas nos quais se considerava:

a) Unidade Familiar: duas ou mais pessoas pertencentes a uma mesma

família, constituída legalmente ou devidamente reconhecida como tal pela comunidade, que exercesse atividade agropecuária na área atingida. b) Tamanho do lote: a área do lote seria relacionada à força de trabalho

existente na unidade familiar e deveria variar de 17 a 59 ha, com tamanho médio de 23 ha.

c) Força de trabalho: peso dado a cada trabalhador rural para a execução de

tarefas vinculadas às atividades agropecuárias. Foi baseada em parâmetro de idade, sexo e faixa etária. O somatório da força de trabalho de cada unidade familiar deveria ser no mínimo igual a 1,8 para que a mesma tivesse direito ao reassentamento139.

d) Infra-estrutura: o projeto de reassentamento deveria produzir, no mínimo

as condições de infra-estrutura anteriormente existentes e necessárias para a viabilização das propriedades, no que diz respeito a abastecimento de água, estradas, energia elétrica, instalações para comunicação, educação, saúde, armazenamento, serviços religiosos e participação sócio-cultural. Os equipamentos comunitários que integram os reassentamentos são: escola, salão comunitário, armazém comunitário, igreja, cancha de bocha e cancha de futebol. A infra-estrutura interna de cada lote inclui: ponto de luz, ponto de água, casa de madeira, galpão contendo paiol, estrebaria, chiqueiro e uma área para abrigo de ferramentas e outros utensílios agrícolas.

e) Verba de manutenção: instrumento de apoio pecuniário mensal

concedido à família reassentada até a comercialização da primeira safra agrícola, por um período de até nove meses140 e com valor determinado pela cesta básica.

f) Assistência Técnica e Apoio à Produção: além da assistência técnica,

oficial ou não, aos reassentados foram garantidos recursos para a primeira safra.

g) Forma de Pagamento: os beneficiários deveriam assumir a dívida pela

139 Nesse item, observa-se uma desvalorização da mulher, que teve sua força de trabalho menos valorizada em

todas as faixas de idade, pois, naquela em que o homem tinha peso 1,0, o valor atribuído para a mulher era 0,8.

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terra e benfeitorias. Esta dívida deveria ser amortizada em um prazo máximo de 20 anos, com 3 de carência e com parcelas de amortização proporcionais (variando de 20% a 45%) à renda monetária líquida da unidade familiar. Caso a família fosse proprietária do imóvel atingido, o valor dessa seria deduzido do montante da dívida.

h) Transferência da Terra aos reassentados: a transferência da terra seria

feita através de uma escritura pública de compra e venda com pacto adjeto de hipoteca; isto é, até o pagamento integral da dívida a empresa teria a hipoteca sobre os lotes e benfeitorias como direito de garantia real.

i) Localização dos Projetos: os reassentamentos deveriam localizar-se

preferencialmente, pela ordem, no próprio município de origem dos reassentados, na própria região ou em um dos três estados do sul, nas micro-regiões do Alto Uruguai, Planalto, Missões, Oeste e Extremo- Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná. As terras deveriam ter características não inferiores às da área do reservatório e a infra-estrutura da região deveria ser igual ou superior à da área atingida (VIANA, 2003 p. 119-121).

Foram oito os reassentamentos coletivos implantados com atingidos pela barragem de Itá, nos quais foram reassentadas 444 famílias: 10) Marmeleiro/PR (32 famílias); 20) Campo Erê/SC (50 famílias); 30) Manguerinha/PR (82 famílias); 40) Chopinzinho/PR (74 famílias); 50) Honório Cerpa/PR (38 famílias); 60) Chiapetta/RS (66 famílias); 70) Campos Novos/SC (28 famílias) e; 80) Catuípe/RS (74 familias).

O processo de construção dos reassentamentos foi diferenciado de um local para outro; houve, assim, locais que ficaram sob responsabilidade maior da empresa, como no caso do reassentamento de Marmeleiro, onde os atingidos se responsabilizaram pela construção do galpão integrado141, enquanto que em Mangueirinha as edificações residenciais e galpões foram construídos pelos próprios assentados, com os recursos repassados pela empresa, coordenados pela CRAB. Nesta localidade, a CRAB assumiu, também, a responsabilidade pela coordenação da assistência técnica.

Enquanto o remanejamento populacional já ocorria, criou-se uma nova forma de indenização (1995), a Carta de Crédito, também conhecida por Auto-Reassentamento. Ela consistia na concessão de uma carta de crédito com valor estipulado que dava direito de ser utilizada pelo atingido na compra de um imóvel rural ou urbano, na região de atuação da empresa, sujeita à avaliação e aprovação por parte de técnicos da empresa. Essa modalidade de indenização servia aos atingidos que não possuíam propriedade da terra, facilitando, assim, a permanência das famílias na região e barateando os custos da empresa. Quem optasse por essa modalidade tinha o direito de apoio na preparação da primeira lavoura, a verba de

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Era uma área de 150 metros, coberta, onde se localizavam o chiqueiro, a estrebaria, o paiol e uma garagem para máquinas, implementos agrícolas etc.

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manutenção mensal por nove meses e o prazo de máximo de 20 anos para o pagamento, com 3 anos de carência.

Para os atingidos que se encaixavam no que se consideravam “casos especiais”, - pessoas idosas, sozinhas, portadoras de “deficiências físicas ou mentais” e unidades com força de trabalho inferior a 1,8 -, bem como proprietários que não tinham toda área da propriedade atingida e quisessem permutar a que seria perdida, ou alguns proprietários que não queriam mudar, foi colocada a possibilidade de ocupação de áreas remanescentes.

O reservatório da barragem de Itá colocaria submersa a própria cidade de Itá, o que exigia a reconstrução de uma cidade toda. Porém, no embate entre CRAB e Eletrosul, os moradores da cidade de Itá, em grande maioria, não fizeram frente à construção da barragem, muitas vezes tomando posição em defesa do empreendimento, seguindo orientações do prefeito e vereadores da época, que haviam sido cooptados pelos responsáveis pela construção da barragem, como explicita Fogaça (2004):

Os discursos dos representantes políticos locais eleitos com o voto de confiança desse povo eram muito representativos para que tomassem a decisão de aceitar o que estava acontecendo. Exatamente essa estratégia foi articulada pelos representantes técnicos dos empreendedores, ou seja, negociar com esses representantes e alguns moradores, convencendo-os de que eles seriam os representantes mais próximos do povo de Itá, pois também eram moradores e também seriam atingidos. Isso os credibilizava em suas falas e não haveria a necessidade de os técnicos se exporem tanto. Apenas as explicações mais específicas ficavam sob a responsabilidade dos técnicos e, no caso de qualquer embate maior, a mediação era feita pelos representantes da população de Itá, junto à comissão de realocação e negociação (FOGAÇA, 2004, p. 53).

Pelo fato da CRAB não ter este motivo, não será feita uma análise da mudança da cidade de Itá142.

Destaca-se, também, a existência de casos pendentes, caracterizados por famílias que reclamavam algum tipo de indenização na questão de infraestrutura (água, luz, acessos, estradas), o ressarcimento dos 100 metros de preservação ambiental do reservatório, e comerciantes que buscam indenização pelas perdas em seus estabelecimentos etc.

O fechamento das primeiras comportas, ocorrido em dezembro de 1999, e a formação do reservatório da barragem de Itá, marcava um novo momento para os atingidos, agora já

indenizados e “tocando” a vida, dentro dos padrões estabelecidos pelos locais em que foram

reassentados. Viana (2003), ao entrevistar os indenizados, nas diversas modalidades ocorridas, chama a atenção para a noção de direito e conquista que é dada pelos mesmos, bem

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como da percepção, de modo geral, de terem conseguido melhoras econômicas, destacando, porém, as perdas sociais e culturais. A exceção encontra-se entre quem se manteve na área, indicando tanto uma perda material - infraestrutura devido a fechamento de comércio, escola etc. -, bem como imaterial - com maior distanciamento entre vizinhos, impossibilidade de estruturar eventos comunitários, como jogos de futebol e bailes devido ao número pequeno de pessoas que ficaram residindo nas comunidades. Isso demonstra que as pessoas que saíram da região, levando consigo as benesses da luta árdua travada frente à visão economicista e simplória da responsável pelo empreendimento, agregando à mesma elementos das dimensões social e cultural, encontram-se em um grau de satisfação maior do que as que permaneceram na área de influência da barragem. “A promessa de desenvolvimento da região continua uma

promessa” (VIANA, 2003, p.156), enquanto a empresa vem, ano após ano, vangloriando-se

dos lucros obtidos com o empreendimento, que não são poucos, como demonstra Fogaça (2004):

A obra da usina [Itá], orçada em R$ 2 bilhões, possuía uma estimativa de lucro de R$ 470 milhões anualmente, portanto estaria paga em menos de 4 anos, gerando um ganho de R$ 11 bilhões e 750 milhões para as empresas construtoras, durante 25 anos. Segundo informações resultantes das entrevistas de campo, esses resultados já são reais, ou seja, a usina já se pagou e já está obtendo lucro antes do tempo previsto (FOGAÇA, 2004, p.61. Grifo nosso).

Dessa experiência vivenciada pelos atingidos da Barragem de Itá, outros elementos podem ser destacados, relacionados com a ação do Movimento. Segundo RUSZCZYK (1997), o MAB - Sul143 passou a gerenciar um orçamento anual superior a algumas prefeituras do Alto Uruguai; assumiu como parceira da Eletrosul, por meio da criação da Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (ADAI)144, e passou a exercer uma função de prestação de serviços, semelhante a uma ONG, não mais possuindo traços de mobilização, de formuladora de quadros e de formuladora de demandas políticas para o Estado, o que reduziu seus laços com instituições internacionais de financiamento. O papel de parceria com a Eletrosul trazia condições financeiras para a CRAB se manter, porém, consumia-a em tempo integral. O relacionamento dos atingidos, nesse momento, passava a se dar em um novo espaço – o reassentamento - e em uma nova condição social - proprietários de terra145 -, bem

143 No final dos anos de 1990, as organizações regionais dos atingidos passam a assumir o nome de Movimento

dos Atingidos por Barragens, ocorrendo a alteração do nome CRAB para MAB-Sul, acrescentando-se os atingidos localizados no estado do Paraná a esta regional. Localmente chamava-se apenas de MAB.

144 A ADAI torna-se o elemento jurídico pelo qual a CRAB passa a acessar e controlar a verba dos

reassentamentos.

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O índice de proprietários de terras que optaram por reassentamentos rurais coletivos foi baixo, sendo que no reassentamento Manguerinha, o mais expressivo desse grupo, eram 12,5% do total.

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como em uma nova condição cultural – pessoas de comunidades diferenciadas que foram morar num mesmo reassentamento.

Uma ação diferenciada que o MAB-Sul tentou viabilizar nos reassentamentos foi a produção agroecológica. Apesar das discussões, essa produção não avançou o esperado, e os atingidos voltaram a produzir de forma tradicional, como faziam em seus locais de origem. Posteriormente, muitos se adaptaram ao modelo de produção moderna, utilizando-se de máquinas e equipamentos agrícolas e produtos agroquímicos146. Serão estranhados também os laços comerciais na nova localidade, pois já não se tinha mais uma relação de confiança entre os atingidos e os donos de comércios, fato que criava certa tranquilidade no momento de comercialização da produção. Ruszczyk (1997) destaca que foram muitos os que se disseram

“tapeados” nos negócios, nos primeiros momentos nos reassentamentos.

Se, na formação e organização da CRAB, os proprietários de terra foram os principais agentes de enfrentamento da Eletrosul, muitos deles reclamaram no momento das indenizações, dizendo que a CRAB priorizava os sem-terra. No processo de indenização, a CRAB atuava junto aos proprietários, acompanhando as pesquisas de preços e o pagamento das indenizações, enquanto que, para os reassentados (grande maioria sem-terra), a ação da CRAB acontecia desde a organização dos mesmos em seus locais de origem, na definição e construção dos reassentamentos, bem como acompanhamento inicial do processo produtivo. A atenção aos reassentados foi realmente maior e, como destacamos anteriormente, foi até uma forma de sustentação econômica da CRAB.

Com as indenizações e os reassentamentos, muitas das lideranças passaram a conduzir suas vidas em outros espaços, e não mais sob uma ameaça de expulsão, dedicando-se ao cotidiano de sua propriedade, o que levou à perda de militantes, tanto no MAB como em outras instituições, como sindicatos e partidos políticos. Para estes, a identidade de atingido passa a entrar em crise.

4.3.2. Aproveitamento Hidrelétrico de Barra Grande

O Aproveitamento Hidrelétrico de Barra Grande está situada no Rio Pelotas147, entre os municípios de Pinhal da Serra, no Rio Grande dôo Sul e Anita Garibaldi, em Santa Catarina,

146 Um reassentado destacou que a terra já estava infestada com ervas daninhas e que apenas “capinando” não

davam conta de deixar a roça limpa, pois a erva brotava muito rápido e, antes mesmo de limparem metade da lavoura, já estava na hora voltar para trás e capinar de novo.

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O rio Pelotas faz seu curso no sentido leste/oeste e separa os estados do RS e SC, até o momento em que se encontra com o rio Canoas, que se localiza no estado de SC, e, juntos, formam o rio Uruguai.

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com potência instalada de 690 MW (Foto 3). O reservatório ocupou uma área de 77, 3 km2 e atingiu os municípios de Anita Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo, Capão Alto e Lages, no estado de SC, e de Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus, no RS. A obra é de propriedade do Consórcio BAESA – Energética Barra Grande S.A., que é formado por: Barra Grande S.A., Alcoa Alumínio, DME Energética Ltda, Camargo Corrêa Cimentos S.A. e CBA (do grupo Votorantins).

Os estudos de EIA/RIMA se realizaram nos anos de 1997/1998, sendo a Licença Provisória (LP) concedida em 1999, e a Licença de Instalação (LI) em 2001. Em 2003, com a barragem praticamente pronta, quando a empresa pediu autorização para supressão da vegetação, percebeu-se que haviam sido omitidos do EIA/RIMA 5.636 ha de florestas primárias e 2.686 ha com vegetação secundária. Depois de assinar um termo de Compromisso junto com IBAMA, Advocacia Geral da União, Ministério Público Federal, MMA e MME, o empreendedor obteve a Licença de Operação, em 2005 (PAIM e ORTIZ, 2006).

Segundo dados do EIA/RIMA, o empreendimento atingiria 823 famílias e 709 propriedades, mas o impacto ambiental seria pequeno, porque o lago não sairia da caixa do rio (EIA/RIMA, 1998).

4.3.2.1. Os atingidos e sua organização

Na área de abrangência do empreendimento, destaca-se a presença significativa de caboclos - descendentes de escravos -, em relação aos imigrantes alemães e italianos, se comparada com a situação encontrada nas barragens de Itá e Machadinho, o que eleva a

Foto 3 - Barragem da Usina Hidrelétrica de Barra Grande antes