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Capítulo 2. Movimentos sociais

2.2. A redescoberta da Sociedade Civil e o surgimento de novos movimentos

A partir de meados da década de 70, do século XX, tem-se a retomada das discussões que destacavam a importância da sociedade civil na condução da vida social. Para Moreira (2002) “a expressão sociedade civil teve, no curso do pensamento político dos últimos

séculos, vários significados sucessivos.” O autor destaca, ainda, que esse termo foi utilizado

por pensadores como Hobbes, Locke, Rousseau, Hegel, Marx e Gramsci com significados profundamente diferentes e, em alguns sentidos, até opostos.

Nas discussões sobre sociedade civil, a partir do final da década de 70, do século. XX, o pensamento de Gramsci foi o que mais se destacou e esteve mais presente. Para Costa (1994) essa redescoberta da sociedade civil surge vinculada, politicamente, a um conjunto de acontecimentos distintos que se davam no mundo.

De um lado, tem-se a discussão, que surge na Polônia, materializada em movimentos populares como o Sindicato Solidariedade, em meados da década de 1970, que acaba se estendendo por, praticamente, todo mundo dito socialista. Seus seguidores passam a buscar liberdade de imprensa, liberdade de associação, pluralismo político e estado de direito, nos termos das democracias capitalistas. É a busca de uma revolução recuperativa.

Já nas democracias ocidentais, a discussão surge ligada à falência do Estado Keynesiano e à ascensão da idéia de Estado Mínimo. Aqui, dois pontos são marcantes para o reavivamento da discussão sobre a sociedade civil: um, é o risco do ressurgimento do neoconservadorismo, com visões fragmentadas de sociedade, ou até negação da existência da mesma, com a exacerbação do individualismo; outro, é que o recebimento passivo das benesses provindas do Estado teria minado a capacidade de os cidadãos gerirem suas próprias vidas.

Para Costa (1994, p.40/41), a idéia que passa a se sobressair busca evitar “o liberalismo, no qual a integração social se concentra no mercado, e o estatismo, no qual a sociedade civil aparece subsumida no Estado (como nos países socialistas)”. Assim, faz-se necessário a inclusão de uma terceira esfera, além da econômica e do Estado, na dinâmica de condução da sociedade, que é a esfera pública, que é representada pela sociedade civil.

Para Semeraro (1999, p.69), a noção de sociedade civil está relacionada, dialeticamente, com sociedade política (ou Estado), sendo duas esferas distintas e relativamente autônomas,

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indica a direção – enquanto a segunda – estruturada sobre aparelhos públicos – caracteriza-se

mais pelo exercício do domínio”.

O projeto de sociedade civil

apóia-se em seres sociais, organizados em grupos que não sejam voltados para interesses específicos, mas que visem a sociabilidade em si mesma. Tais seres são a um só tempo cidadãos, produtores, consumidores e membros da nação (WALZER apud COSTA 1994, p.41).

Para Semeraro, parte-se de uma posição individual, privada para chegar-se a uma posição coletiva, social, onde, o indivíduo,

sem deixar de ser centro autônomo de decisões, consciência livre e ativa, nunca é entendido como um ser isolado e mônada auto-suficiente em si mesma, mas é sempre visto dentro de uma trama social concreta, como um sujeito interativo com os outros sujeitos igualmente livres, com os quais se defronta e constrói consensualmente a vida em sociedade. (SEMERARO, 1999, p.76).

Na esfera pública, via sociedade civil, os problemas que afetam a sociedade são absorvidos, discutidos e processados e, de forma democrática, devem ser tematizados de forma persuasiva, apresentando possíveis soluções, de maneira que estes possam ser assumidas e transformadas em políticas públicas executáveis. É o local onde se dão os debates de opiniões que irão nortear as ações dos tomadores de decisões. Ali, também, os cidadãos manifestam a sua cultura e os seus valores.

Para tanto, faz-se necessário desenvolver uma sociedade civil criativa e articulada, que permita expressar os anseios e aspirações dos diferentes grupos sociais. Para Semeraro (1999, p.70), com a sociedade civil bem organizada e atuante, as classes subalternas podem

“desenvolver suas convicções e lutar para um novo projeto hegemônico enraizado na gestão democrática e popular do poder.” O autor destaca a necessidade e a importância da

criatividade e da capacidade de iniciativas por parte das classes subalternas, para buscarem formas de sair da submissão e inventar os termos de uma nova sociedade, pois não se pode acreditar nas transformações automáticas das estruturas.

A existência de uma sociedade civil bem estruturada é de suma importância para evitar a utilização da esfera pública por grupos de interesses particularizados, que visem influenciar o sistema político segundo seus interesses individuais, ou impedir que o sistema político aja apenas a serviço de grupos específicos, limitando sua área de abrangência.

Já no final dos anos 70, do século XX, vê-se a ampliação do envolvimento dos cidadãos politicamente ativos em novos grupos de solidariedade, que não os partidos políticos, com destaque para os movimentos sociais. Estes se apresentam como resposta ao avanço da esfera

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econômica, que tende a reduzir os cidadãos a papéis passivos de clientes e consumidores, tirando da sociedade civil o papel ativo na produção de sua história. São núcleos de fortalecimento da esfera pública e agem como instâncias de críticas e controle do poder. Para tanto, devem dar publicidade às suas mensagens e evitar as negociações e acordos duvidosos que colocam em questionamento se suas ações representam a opinião pública ou interesses particularizados.

Rothman (1996) diz que, a partir do final da década de 1970, criou-se um contexto político no Brasil que facilitou a emergência de mobilização popular. Formou-se uma estrutura de oportunidade política que dava condições a grupos, que até então estavam silenciados, de se manifestarem.

A abertura política permitiu acesso progressivo ao sistema político; a fragmentação das elites enfraqueceu a posição dos grupos dominantes; a tendência do uso de repressão para o regime militar mostrou sinais de diminuição; grupos populares, livres da tutela dos partidos populistas, desenvolveram formas mais autônoma de organização; e vários movimentos populares reforçaram-se na fase crescente do ciclo de protesto. A presença de aliados e grupos de apoio é outro elemento importante na estrutura de oportunidade política (ROTHMAN, 1996, p.117).

Diante dessa estrutura, diferentes grupos passaram a se manifestar simultaneamente, num contexto de combate a injustiças e de ampliação de ações de solidariedade, formando o ciclo de protestos, que no Brasil destacou-se no período que vai de 1978 até 1987. Surgem, ou são toleradas novas idéias e visões de mundo, alternativas, críticas e, muitas vezes, até subversivas, que têm como resultado a ampliação da oportunidade política para movimentos populares potenciais (SMITH apud ROTHMAN, 1996).

Nesse período do ciclo de protestos que ocorreu no Brasil, o conceito de sociedade civil, segundo Coutinho (2006), foi utilizado muitas vezes, de forma equivocada.

... “sociedade civil” tornou-se sinônimo de tudo aquilo que se contrapunha

ao Estado ditatorial, o que era facilitado pelo fato de `civil´ significar também, no Brasil, o contrário de `militar`. [...] o par conceitual sociedade civil/Estado, que forma em Gramsci uma unidade na diversidade, assumiu os traços de uma dicotomia radical, marcada ademais por uma ênfase maniqueísta (COUTINHO, 2006, p.1).

Para Decca (1986), a formação e/ou intensificação da participação da sociedade civil no Brasil, via movimentos sociais, vai ser marcada pelo irrompimento, na cena social, das vozes operárias. O autor diz que, com o golpe de 1964, todos os setores ditos derrotados pela ditadura instaurada foram considerados como se formassem uma homogeneidade social. Não se levava em consideração as diferenças existentes entre os mesmos.

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intelectuais, que se diziam representar os interesses de todos os setores que faziam oposição ao golpe militar. Os operários foram emudecidos, tanto pelas fortes perseguições que sofreram, como pela falta de espaços para se manifestarem. O próprio meio acadêmico silenciava as vozes operárias, pois fazia uma leitura de que os mesmos eram atrasados, inorgânicos e difusos. Assim, os intelectuais produziam discursos em nome dos operários. Os operários eram vistos, dentro da objetividade da ciência, como objetos ou abstrações.

Mudanças de entendimento quanto ao papel dos operários em relação à oposição ao regime militar passarão a ser sentidas 15 anos depois do golpe de 1964. Mas, segundo Decca (1986), a abertura ocorrida na produção intelectual em relação ao papel dos operários na oposição ao regime militar se deu mais devido às ações desenvolvidas pelos operários do que como fruto das reflexões dos intelectuais. Isso sem negar a importância do discurso dos intelectuais, mas para chamar a atenção sobre o espaço negado aos operários.

Os operários, por meio de passeatas, greves e outras manifestações, tanto no interior como no exterior das fábricas, passaram a mostrar seu potencial de ação frente à estrutura socioeconômica e política que se formara com o regime militar. Isso forçou os intelectuais a verem, com outros olhos, o papel desses operários na condução dos rumos do país. Vários trabalhos acadêmicos foram voltados ao estudo e à compreensão da atuação histórica do proletariado. Redefiniu-se o discurso, entendendo-se a diferenciação do papel dos intelectuais, bem como dos operários.

Com o entendimento das práxis diferenciadas e a autonomia que intelectuais e classe operária tinham que ter, ocorre a desmontagem do dispositivo ideológico criado a partir de 1964, de homogeneização de todos os setores sociais em apenas um grupo: o de vencidos.

2.3. Algumas matrizes discursivas das organizações populares nas décadas de 1970 e