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3.2 O TRADUTOR EM FORMAÇÃO

3.2.2 A formação do tradutor brasileiro

Com o intuito de conhecer um pouco mais sobre a formação dos tradutores brasileiros, realizei uma pesquisa em um grupo de Facebook intitulado Tradutores, Intérpretes e Curiosos, com 28.907 integrantes (até a data de 11/09/18). Como o nome diz, nem todos os participantes são tradutores, alguns são aprendizes, aspirantes ou curiosos. O grupo, contudo, conta com tradutores de carreira sólida e renomados, como Danilo Nogueira, Jorge Rodrigues, Denise Bottmann, entre outros.

A ideia era ter uma amostragem suficientemente representativa do grupo. A minha população, ou grupo, consistia de 28.907 pessoas até o momento da pesquisa, dentre tradutores de fato, aprendizes/aspirantes e curiosos sobre a profissão e o fazer tradutório. Para ter uma amostragem representativa, com margem de erro de 5%, eu precisaria entrevistar 110 pessoas, conforme Quadro2 abaixo do SurveyMonkey, plataforma em que foi criada a pesquisa. (SURVEY MONKEY, c2018, documento on-line).

Quadro 2- Cálculo por população versus margem de erro

População Margem de erro Nível de confiança

10% 5% 1% 90% 95% 99% 100 50 80 99 74 80 88 500 81 218 476 176 218 286 1.000 88 278 906 215 278 400 10.000 96 370 4.900 264 370 623 100.000 96 383 8.763 270 383 660 1.000.000+ 97 384 9.513 271 384 664

Fonte: Suvey Monkey (c2018, documento on-line).

CÁLCULO COM BASE EM MARGEM DE ERRO DE 5% PARA MAIS OU PARA MENOS.

28.907--- x 100.000 --- 383 R = 110,7 pessoas

Consegui uma amostragem maior ao obter a adesão de 239 respondentes no grupo. A pesquisa foi dividida em seis perguntas, sendo elas:

Q1: Você possui 3º grau completo?

Q2: Você é formado em Letras ou em uma faculdade na área de Tradução e Interpretação?

Q3: Você traduz na sua área de trabalho? (Exemplo: sou engenheiro e traduzo sobre Engenharia).

Q4: Você possui alguma especialização em Tradução?

Q5: Você já morou no exterior, no país de sua língua de trabalho? Q6: Onde você aprendeu a sua língua de trabalho?

A intenção com essas perguntas era descobrir quem é o tradutor brasileiro e o

caminho que ele percorreu até se tornar tradutor. Que tipo de formação tem e como aprendeu seu principal instrumento de trabalho: o seu segundo idioma. Vejamos, a seguir, as respostas obtidas com o questionário:

Tabela 1 - Tabela com as respostas dos entrevistados no grupo Tradutores, Intérpretes e Curiosos.

TABELA RESPOSTAS

Q1: Você possui 3º grau completo?

Sim. 87,87% 210 Não. 12,13% 29

Total 239 Q2: Você é formado em Letras ou em uma faculdade na área de Tradução e

Interpretação?

Sim, Letras Licenciatura. 19,58% 47 Sim, Letras Bacharelado / Tradução e Inter. 39,17% 94 Não. 41,25% 99

Total 240 Q3: Você traduz na sua área de trabalho?

Sim. 28,33% 68 Não. 71,67% 172

Total 240 Q4: Você possui alguma especialização em Tradução?

Sim, curso de extensão. 12,97% 31 Sim, curso livre. 16,74% 40 Sim, pós-graduação lato sensu. 22,59% 54

Sim, pós-graduação stricto sensu. 8,79% 21 Não. 38,91% 93

Total. 239 Q5: Você já morou no exterior, no país de sua língua de trabalho?

Sim. 39,92% 95 Não. 60,08% 143

Total 238

Q6: Onde você aprendeu a sua língua de trabalho?

Em casa (pais estrangeiros). 1,67% 4 Em um curso de idiomas. 50,42% 121 Morei no exterior. 15,00% 36 Na universidade. 9,17% 22 Sou autodidata. 17,92% 43 Outro (especifique). 5,83% 14 Total 240 Fonte: Elaborada pela autora com base no Survey Monkey (c2018).

*A pesquisa completa está disponível no Anexo A deste trabalho.

Como podemos ver pelas respostas da pesquisa, o perfil do tradutor brasileiro não é homogêneo. A grande maioria possui terceiro grau completo, mas um percentual ainda relevante não tem formação superior. Ainda, de acordo com a pesquisa, mais de 1/3 dos entrevistados (39,17%) têm formação específica na área de Tradução, por meio de Bacharelado em Letras ou faculdade com habilitação em Tradução. Mas um dado interessante é que quase 20% dos tradutores entrevistados são formados em Letras Licenciatura, possivelmente porque não tenham acesso a faculdades de Tradução em sua localidade e/ou porque sua formação primária visa o ensino, mas a tradução surge como uma

segunda fonte de renda. Essa última hipótese é uma realidade que presenciei com frequência na primeira etapa do meu curso de Bacharelado, quando os alunos de Bacharelado e Licenciatura fazem cadeiras juntos. Muitos dos meus colegas de Licenciatura também realizavam traduções.

Além disso, de acordo com dados do Mundo Vestibular (2007), a abrangência dos cursos de Letras Licenciatura é significativamente maior. De acordo com pesquisa do portal, são aproximadamente 650 faculdades de Letras Licenciatura no Brasil. Como mencionado anteriormente, são apenas aproximadamente 25 faculdades de Tradução no Brasil.

Apesar de os cursos de Licenciatura visarem o Ensino de Línguas, eles podem ser uma porta de entrada para o mundo da Tradução e o aluno pode ter a oportunidade de ampliar seus horizontes profissionais, buscando aperfeiçoamento, posteriormente, por meio de especializações na área de Tradução. Ao menos é isso que propõe a professora da PUCRS, Heloísa Delgado, na sua tese de doutorado (DELGADO, 2012) ao desenhar uma disciplina de Tradução de Textos Especializados na formação de ensino de língua inglesa para os cursos de Letras Licenciatura. Como explica Delgado:

A ideia justifica-se pela carência de cursos de graduação em Tradução no país e de disciplinas autônomas de familiarização em tradução nos cursos de Licenciatura em Letras. Propõe-se uma alternativa pedagógica em Tradução para futuros docentes com o objetivo de instrumentalizá-los e familiarizá-los nesta área, de forma qualificada, e incentivá-los a buscar outra habilitação profissional no futuro, caso seja de seu interesse. (DELGADO, 2012, p. 7)

Note-se que o restante dos respondentes (41,25%) afirmou não possuir formação específica na área. Vale salientar que desse grupo existem os que não possuem terceiro grau completo e aqueles que possuem formação em outra área que não Letras Licenciatura, Letras Bacharelado ou Tradução. Já a terceira pergunta do questionário teve por objetivo inferir se os respondentes formados em outra Faculdade traduziriam na área de sua formação, a exemplo de engenheiros que traduzem sobre Engenharia, médicos que traduzem sobre Medicina, e assim por diante. Se considerarmos que 41,25% não têm formação em Tradução ou Letras Licenciatura e que desses 41,25% 12,3% não têm curso superior, chegamos a um total de 28,95% respondentes com curso superior em outra área que não Letras. Dessa forma, de acordo com esta pesquisa específica, aparentemente a quase totalidade das pessoas com outra formação que não Letras traduzem em sua área de formação, uma vez que 28,33% dos respondentes afirmaram “traduzir em sua área de trabalho”, conforme tabela acima.

A quarta pergunta do questionário procurou identificar se os tradutores brasileiros costumam investir em cursos, especialização e pós-graduação na área de Tradução. Mais da metade dos respondentes afirmaram que sim, sendo que dentre os cursos de aprimoramento mais procurados está a pós-graduação lato sensu, que é um curso de pós-graduação com duração menor do que a pós-graduação stricto sensu. Em terceiro e quarto lugar estão os cursos de extensão, cursos que não chegam a ser uma pós-graduação, mas que são oferecidos dentro das universidades, e os cursos livres, aqueles cursos de aprimoramento oferecidos fora das universidades, normalmente ministrados por um ou mais tradutores experientes. A pós-graduação stricto sensu, como mestrado e doutorado, aparece em último lugar, possivelmente pelo número de vagas disponíveis ser menor e a maior dificuldade para se ingressar nesses cursos, que costumam exigir prova, projeto e análise de currículo.

As duas últimas perguntas visaram a identificar de que forma o tradutor brasileiro adquiriu conhecimento sobre a sua língua de trabalho, além do português. Como podemos ver, a maioria dos tradutores nunca morou no exterior, ao menos não em países nos quais se falam a sua língua de trabalho. O percentual de pessoas que moraram no exterior, contudo, é expressivo (39,92%).

Como alguns tradutores me apontaram em comentários no próprio questionário, no grupo de Facebook em que a pesquisa foi realizada e em mensagem privada via Facebook, esta última pergunta gerou dúvida, pois muitos dos respondentes tiveram contato com seu segundo idioma de mais de uma forma. Desse modo, orientei que deveria ser considerado o primeiro contato de aprendizagem com o idioma. A partir desse cenário, podemos observar que um pouco mais da metade dos respondentes teve seu primeiro contato de aprendizagem com sua língua de trabalho por meio de um curso de idiomas, mesmo que depois tenha morado no exterior ou frequentado uma universidade de línguas. Dois dados me chamaram a atenção, um deles foi o baixíssimo percentual de pessoas que aprenderam o idioma em casa, com mais estrangeiros (imigrantes). Apesar de não vivermos em um continente como a Europa, onde a proximidade dos países facilita o intercâmbio cultural e linguístico, tivemos forte imigração, mas o baixo percentual é um indicativo de que os idiomas falados por bisavós ou avós imigrantes acabaram por se perder com o tempo, não passando para as próximas gerações. Além disso, a nossa proximidade com países falantes de espanhol e a migração desses países parece não ser representativa. Outro dado que chama a atenção é o percentual expressivo de autodidatas. Hoje, com os avanços tecnológicos e a Internet disponível a uma grande parte da população brasileira, é possível ter acesso à informação em outros idiomas de maneira muito mais fácil e rápida.

Em resumo, podemos afirmar que o perfil médio do tradutor brasileiro é alguém com terceiro grau completo, mais da metade formada em Letras (seja Bacharelado, Tradução ou Licenciatura), tendo tido seu primeiro contato com o idioma por meio de cursos de idiomas. Além disso, menos da metade dos tradutores já morou no exterior e 1/3 tiveram acesso a cursos de especialização em nível de pós-graduação.

3.2.3 A formação de Tradutor-Intérprete, Letras Bacharelado na UFRGS: um relato