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Segundo Hurtado Albir (2001), os tradutores e intérpretes precisam ter algumas competências específicas para que sejam capazes de realizar seu trabalho com excelência. Albir chama esse conjunto de competências, ou subcompetências, de competência tradutória. De acordo com o modelo criado pelo grupo PACTE, ao qual Hurtado Albir faz parte, em 2002, a competência tradutória (CTr) seria o sistema subjacente de conhecimentos necessários para traduzir, que inclui conhecimentos declarativos e operacionais, sendo os conhecimentos operacionais predominantes. A CTr ainda consiste na habilidade para percorrer o processo de transferência, da compreensão do texto-fonte à re-expressão no texto-alvo, tendo em conta a finalidade da tradução e as características do público leitor do texto-alvo. A CTr é composta de cinco subcompetências: bilíngue, extralinguística, de conhecimentos sobre tradução, instrumental e estratégica, e ativa um conjunto de mecanismos psicofisiológicos (PACTE, 2002).

Em outras palavras, não basta o tradutor dominar mais de duas línguas. Se assim o fosse, qualquer falante bilíngue poderia ser tradutor. Além de conhecimentos linguísticos, é preciso também que se tenha conhecimentos extralinguísticos, ou seja, conhecimento da cultura de partida e de chegada da tradução. É preciso também que se possua a habilidade da transferência, e a capacidade de compreensão e de produção de textos, bem como se saiba fazer a troca de um código linguístico para outro sem interferências. Ter conhecimento instrumental, por meio do uso de ferramentas, como dicionários, corpora, softwares de

tradução, entre outros auxílios que ajudem no ato de traduzir, também é primordial. Mas saber fazer uso de estratégias tradutórias para compensar deficiências de conhecimento linguístico e/ou especializado, ou qualquer outra deficiência ou desafio que possa aparecer durante o processo tradutório, e não prejudicar a mensagem, conseguindo fazer a transferência da mensagem de um idioma a outro, mesmo que para isso precise reformular ou utilizar alguma outra estratégia pertinente, talvez seja o grande diferencial dos tradutores bem-sucedidos na profissão.

Figura 14: Modelo de competência tradutória elaborado pelo PACTE (2002)

Fonte: Universitat Autònoma de Barcelona (2016, documento on-line).

Conforme já citado, o modelo de competências proposto por Hurtado Albir e o PACTE (2002) foi desenhado para a tradução interlingúistica, ou, como definiria Jakobson (1975), a tradução propriamente dita, entre idiomas diferentes. Quando tratamos, porém, do objeto de nossa pesquisa, a Tradução Especializada Acessível (TEA), temos duas situações distintas. Em um primeiro momento, trabalhamos a tradução interlinguística, que, em nosso projeto de pesquisa, foi do inglês para o português. Em um segundo momento, quando o texto traduzido é simplificado em português, existe um processo de reformulação do texto no mesmo idioma ou, como definiu Jakobson (1975, p. 64-65), temos a tradução intralinguística.

Além disso, nossa pesquisa em Tradução com os alunos do Bacharelado da UFRGS, ênfase Inglês-Português, traz um terceiro ponto a ser observado. Além das traduções interlinguística e intralinguística, os textos escolhidos para serem trabalhados em sala de aula foram textos técnico-científicos. Como enfatiza Hurtado Albir (2017, p. 61), o tradutor especializado tem nas competências temática (subcompetência extralinguística) e documental (subcompetência instrumental) duas competências fundamentais. Desse modo, podemos afirmar que o tradutor de textos especializados simplificados precisa trabalhar com competências em três âmbitos distintos: as competências da tradução interlinguística (bilíngue), da tradução intralinguística (reformulação no mesmo idioma) e da tradução especializada (temática).

O principal objetivo nessa etapa da nossa pesquisa foi determinar se o processo de tradução intralinguística ativaria ou exigiria as mesmas competências da tradução interlinguística. Sendo assim, a partir dessa revisão teórica sobre a competência tradutória, parti para o meu próprio desenho das competências necessárias ao tradutor que traduz textos especializados e os simplifica, potencialmente tornando-os acessíveis a um determinado público leitor. Vale salientar que o modelo de subcompetências do PACTE, utilizado como base para o desenho de subcompetências proposto no esquema apresentado na Figura 15, foi criado para tradutores profissionais e que nossa pesquisa foi realizada com tradutores em formação. Devemos considerar, portanto, que as competências apontadas no esquema são competências ideais a serem adquiridas, desenvolvidas e aprimoradas pelo tradutor-aprendiz. Como se pode ver no esquema da Figura 15, as subcompetências tradutórias desenhadas pelo PACTE são a base para as subcompetências do tradutor TEA. Contudo, existem alguns pontos a serem acrescentados. A subcompetência bilingue é a mesma, pois em ambos os casos o tradutor precisa se bilíngue, pois também trabalhará com a tradução intralinguística em um primeiro momento. Já que no que tange à subcompetência extralinguística, além dos conhecimentos de mundo, culturais e especializado, conhecimentos estes necessários ao tradutor de textos especializados “não acessíveis”, temos outros conhecimentos extralinguísticos como o conhecimento do público leitor, de seu grau de escolaridade, etc. Como já mencionamos anteriormente neste trabalho, para o tradutor TEA é fundamental que ele busque compreender para quem está traduzindo.

A subcompetência estratégica, por sua vez, envolve uma miríade de estratégias não previstas na tradução interlinguística, pois o tradutor TEA precisará planejar sua tradução intralinguística por meio da simplificação textual, levando em consideração a função e os objetivos dessa tradução. A subcompetência instrumental envolverá as mesmas demandas

apontadas pelo PACTE, apenas com diferentes fontes de pesquisa, que sejam mais adequadas ao encargo em questão. Conforme mencionado anteriormente, a grande diferença do processo de tradução a que estamos acostumados para a TEA é que neste caso o tradutor precisará ter conhecimentos de tradução intralinguística e não somente de tradução interlinguística; portanto, a subcompetência de conhecimentos de Tradução precisa ser ampliada. Mas são nos componentes psicológicos que vejo o grande diferencial de um bom tradutor TEA.

O tradutor TEA se destacará em seu encargo somente se tiver empatia suficiente para se colocar no lugar do leitor para quem ele estará traduzindo. Quando traduzimos para leitores de escolaridade limitada, pode ser difícil compreender quais são as limitações desse leitor. A grande maioria dos tradutores, como vimos na seção sobre a Formação do Tradutor nesta dissertação, possui terceiro grau completo, muitos possuem especializações e estão acostumados a lidar com as palavras. É primordial, portando, que o tradutor TEA entenda que o seu leitor não terá o mesmo grau de letramento que ele. E precisará fazer um esforço para se colocar no lugar desse leitor de modo a perceber a melhor forma de se comunicar com ele de maneira efetiva.

Figura 15: Esquema de subcompetências da Tradução Especializada Acessível (TEA)

5 A LINGUAGEM ACESSÍVEL (LA)

Neste capítulo caracterizo, mais a fundo, o já brevemente citado Plain Language. Esse é um movimento que surgiu em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, até chegar ao Brasil com estudos precursores em prol da Acessibilidade da Linguagem e do Texto conforme já referido. Este capítulo também aborda o principal elemento norteador da LA: o leitor e o que o torna mais ou menos apto a compreender um dado texto, a partir de seus níveis de letramento em diferentes áreas de conhecimento. Ao final deste capítulo, apresento uma revisão das críticas feitas a esses movimentos e de que forma elas podem contribuir para os estudos em LA.