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A formação de Tradutor-Intérprete, Letras Bacharelado na UFRGS: um relato

3.2 O TRADUTOR EM FORMAÇÃO

3.2.3 A formação de Tradutor-Intérprete, Letras Bacharelado na UFRGS: um relato

Em minha formação como tradutora no curso de Letras Bacharelado, ênfase Inglês- Português, da UFRGS, a prática, ainda que de certa forma limitada por questões de tempo e logística, se sobrepunha à teoria. Além disso, o currículo antigo, quando me formei tradutora em 2007, era mais próximo dos cursos de Licenciatura, e grande parte das cadeiras era voltada à Literatura em língua portuguesa e em língua estrangeira, ao aprendizado do segundo idioma e à prática tradutória.

As cadeiras de Tradução e Versão costumavam ser mais práticas que teóricas e utilizar um método de “tentativa e erro”, no qual os alunos tinham a tarefa de traduzir e verter diferentes textos, de diferentes temáticas, sem muita preocupação com embasamentos teóricos a respeito da Tradução. A preocupação era maior com o idioma e com a precisão terminológica – apesar de as cadeiras de Terminologia serem oferecidas somente depois das de Tradução e Versão, quase no final do curso – do que com a teorização sobre o fazer tradutório. Em razão disso, tive contato com teorias de Tradução pela primeira vez somente no Mestrado em Tradução, Terminologia e Lexicografia. Saliento que este é um relato pessoal de minha experiência na formação como tradutora de inglês na UFRGS. Outros alunos, da mesma época, podem ter tido experiências diferentes por fazerem parte de ênfases em línguas diferentes ou pelo fato de os professores da UFRGS terem liberdade para trabalharem o conteúdo de formas distintas.

Conforme aponta Fabiano Gonçalves em sua tese de doutorado, o currículo do curso de Letras-Bacharelado foi remodelado em 2013 (GONÇALVES, 2015, p. 60-61) para estar em maior sintonia com as necessidades do tradutor de hoje. Como explica Gonçalves:

[...] o planejamento desse currículo foi justamente inspirado pelo trabalho de Hurtado Albir (2001; 2005) [...] foram colhidas impressões e recomendações de egressos atuantes no mercado de tradução (literária e técnica, incluindo o mercado de revisão de texto), empresas do ramo de tradução, editoras ou empresas de prestação de serviço em assessoria de linguagem. O trabalho dessa reestruturação esteve a cargo de uma comissão de professores especialmente constituída e foi objeto de discussões, com toda a comunidade universitária envolvida, submetido a

votações e ajustes sucessivos até a implementação dessas mudanças. (GONÇALVES, 2012, p. 60)

Pela experiência que tive com os alunos da graduação durante nosso projeto de pesquisa sobre CT, ST e AT na Tradução pela SEAD-UFRGS, pude perceber que o aluno hoje do curso de Letras Bacharelado da UFRGS tem um conhecimento sobre as Teorias de Tradução muito mais amplo do que em minha época de aluna de tradução. No trabalho final das cadeiras de Tradução I e III, do qual fiz parte como revisora da parte de Tradução Simplificada, os alunos citaram a Teoria Funcionalista de Nord (1996), as Competências Tradutórias apresentadas por Hurtado Albir (2001), entre outros fundamentos teóricos. Os aprendizes também apresentam conhecimento sobre Teorias de Terminologia, uma vez que as cadeiras de Terminologia, que antes eram somente oferecidas quase no final do curso, hoje passaram a ser ofertadas já no 3º semestre de sua formação.

Segundo Pym (2014), os professores têm a tendência a acreditar que seus alunos serão melhores tradutores se estudarem Teorias da Tradução. Mas, segundo o autor, não existiriam evidências empíricas que confirmem essa ideia e que, muito pelo contrário, existem boas razões para duvidar dessa validade (2014, p. 23). Como diz Pym, de fato não existem dados que corroborem a ideia de que estudar Teorias da Tradução prepararia o tradutor melhor. Desse modo, eu, como aluna de Tradução e tradutora, posso falar somente com base em minha experiência pessoal. Não sei se o que estudei sobre Teorias da Tradução durante o Mestrado foi suficiente para influenciar extraordinariamente a minha prática tradutória. Contudo, vejo que após esses estudos, tornei-me uma tradutora mais consciente das minhas escolhas tradutórias. Antes, eu tomava decisões com base na experiência, ou seja, nos meus mais de 20 anos de pesquisa, de prática, acertando e errando, e procurando aprender com esses erros e acertos. Acredito que hoje, contudo, consigo embasar melhor as minhas decisões sobre como e por que traduzir desta ou daquela forma, pois consigo relacionar a prática com as Teorias com as quais me identifico.

Hoje, por exemplo, após ter sido apresentada à Teoria Funcionalista da Tradução e aos fundamentos da Acessibilidade Textual, conhecer o meu público leitor, sempre que possível, tornou-se fundamental. Antes disso, eu costumava traduzir o texto levando em consideração as diferenças culturais entre os dois idiomas ou entre o país fonte e o país alvo, mas o público leitor não era, conscientemente, um fator prioritário em minha prática, tampouco outras análises, como, por exemplo, até que ponto eu teria a liberdade de alterar o texto original em nome da função a qual o texto se propunha.

Por esta razão, defendo que a Teoria fornece ao tradutor-aprendiz fundamentos que o auxiliarão posteriormente em uma prática tradutória mais consciente. Além disso, acredito que quando precisamos chegar a determinadas conclusões, que outros já chegaram – por meio de anos de pesquisa – sozinhos, o trabalho torna-se muito mais árduo e solitário. Por que não compartilhar com nossos aprendizes aquilo que já foi teorizado por outras pessoas antes deles? Penso ainda que a fórmula do sucesso está no equilíbrio entre teoria e prática. A tradução é, sem dúvida, uma atividade prática, e praticá-la é essencial para que seus fundamentos possam ser aprimorados. No entanto, a prática continuará sendo aperfeiçoada durantes os anos de mercado e profissão, pois dificilmente a duração de um curso de graduação será suficiente para dar conta de toda a prática necessária a um tradutor.

Neste cenário de teoria e prática, defendo que ainda temos espaço para ampliar os conhecimentos teóricos e práticos ofertados aos alunos dos cursos de Tradução. A Tradução Intralinguística ainda é pouco explorada no Brasil e, como veremos mais adiante nesta dissertação, a Complexidade Textual (CT), a Simplificação Textual (ST) e a Acessibilidade Textual (AT) estão diretamente ligadas a esse tipo de tradução apresentada por Jakobson há mais de meio século. Em resumo, é importante que os alunos de Tradução sejam apresentados a uma combinação de teoria e prática, por meio de uma abordagem holística, com vistas a prepará-los para as demandas do mercado de tradução que virão a enfrentar durante ou após a conclusão do curso.