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PARTE I A INEVITABILIDADE DA PALAVRA

3. Ensino de uma língua de sinais (Abbé de l‟Épée)

3.1 A formação dos mestres no ensino dos surdos-mudos

O modo de ensino dos surdos-mudos deveria ser semelhante ao do mundo do ouvinte. Empiricamente, o Autor constatava que a aprendizagem de uma língua não se constrói somente pela pronúncia de palavras, porque os nomes dos objectos que nos rodeiam e o entendimento do seu significado não resultam somente de ouvi-los centenas de vezes, mas através da sua demonstração. Deste modo, utilizando os sinais da mão ou dos olhos, os mesmos consistiam num meio de aprendizagem, pelo qual se associaria a ideia ao objecto, coadjuvado pelos sons que captamos através dos ouvidos. Tal- qualmente à pessoa que ouve o som das palavras a que correspondem os objectos e as

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Como clarificado em Méthode d'Articulation et de Lecture sur les Lèvres, à l'usage des Institutions de

Sourds-Muets, “La Phonodactylologie, par une méthode raisonnée, formait le Sourd-Parlant à la lecture

sur les lèvres en même temps qu'elle traçait à ses yeux la composition orthographique des syllabes. Cette ingénieuse combinaison de la parole et de la dactylologie fut pendant plusieurs années le seul mode officiel de communication entre les Maîtres et les élèves. Vivement combattu par les grands Instituteurs français de l‟époque, ce système qui, dans le fond, n'était autre chose que l'application de la Méthode orale, reconnue aujourd'hui supérieure aux autres, tomba peu à peu en désuétude: nous avions cédé à des conseils que nous estimions désintéressés, non moins qu‟à la crainte de faire fausse route au grand détriment des Sourds-Muets. Depuis lors, le langage mimique avait repris droit de cité dans nos Institutions, et il allait de pair avec l‟enseignement de la parole” (F. M. B., 1885, p. II).

memoriza, também as ideias se apresentavam ao espírito dos surdos-mudos, porque recordavam os gestos e os sinais que lhes correspondiam.

A partir desta premissa, Abbé de l‟Épée expunha a sua tese, que se baseava na afirmação de que as crianças surdas-mudas aprendiam do mesmo modo que as crianças que ouviam. De forma análoga aos que apresentassem acuidade auditiva, aquelas não apreenderiam o universo dos objectos que os rodeavam se os adultos não indicassem os respectivos sinais ou gestos representativos para que os associassem ao som do vocábulo. Todos os esforços do adulto seriam em vão para alcançar uma aprendizagem eficaz se apenas se limitassem a pronunciar as palavras, sem serem coadjuvados pelos objectos correspondentes e os sinais a que lhes correspondiam, tais como e entre outros: mostrar o objecto e apontar ou socorrer-se da expressão facial.

Tomando como referência os gestos ou sinais que eram utilizados pelos alunos nos Colégios para comunicarem entre si, de uma a outra extremidade da sala de aula (Abbé de l‟Épée, 1784, p. 3) o mestre iniciava a instrução dos alunos no Alfabeto manual. Referia o Autor que os surdos-mudos não confundiam os diferentes gestos, enquanto componente metafórica, activa e representativa, a que correspondiam as respectivas letras “que batiam fortemente diante do seu olhar”, tal como numa pessoa que discriminava os variados sons através do órgão da audição. Coadjuvado por uma segunda pessoa, o professor escrevia duas palavras com o giz branco, a grosso, no quadro, tomando a centralidade no ensino. O mestre escrevia, por exemplo, as palavras “porte” (porta) e “fenêtre” (janela) e logo apontava para os objectos a que lhes correspondiam. Nesse momento, os alunos reproduziam-nas através do alfabeto manual, durante cinco ou seis vezes, soletrando com os dedos as letras que compunham as palavras. Deste modo, os alunos imprimiam na memória o número e a disposição das letras na palavra, reproduzindo-as através da escrita, a lápis. Nesta fase, com os caracteres melhor ou pior desenhados, pouco importaria a correcção ou a perfeição do registo escrito, executando os exercícios tantas vezes quantas o professor indicasse (id., p. 5). Os mesmos procedimentos teriam continuidade em todas as palavras ou matérias que o mestre apresentasse aos alunos. Estes, por sua vez, escreveriam na mesa em caracteres grossos e em letra vulgar, reunindo tantos cartões com diferentes registos de objectos quantos lhes fossem ministrados. Cumpriam-se ainda vários jogos entre os pares: os alunos procediam ao reconhecimento de variados cartões, despontando o

espírito crítico entre os mais sagazes que chegavam a troçar uns dos outros, quando algum se enganava nas palavras inscritas.

A dinâmica das lições era também apoiada por outros jogos de identificação. A título de exemplo, o professor partiria da reunião de uma série de cartões, com diversas palavras escritas e já anteriormente trabalhadas, misturados ao acaso; era então retirado um cartão e, de imediato, o aluno procederia à sua leitura. Estes jogos serviam igualmente como um meio de avaliação do estado de apropriação das lições anteriormente ministradas aos alunos. Citava o Autor que a “longa experiência” reunida neste modo de ensino, lhe concedera a propriedade para afirmar que em menos de três dias qualquer surdo-mudo que manifestasse “actividade de espìrito”, apreenderia cerca de vinte e quatro palavras.

Contudo, as lições não se encontravam confinadas a jogos básicos e lúdicos; elas seriam graduadas na dificuldade, adicionando outras temáticas, como a do corpo humano e as suas diferentes partes, e tudo o que representasse os objectos que os rodeassem. Simultaneamente, desde os primeiros dias, era introduzido o exercício da escrita de palavras, com grande orientação na mão dos alunos, bem como os verbos, no tempo do presente do indicativo, com a escrita de caracteres semelhantes e com a respectiva explicação, por meio de sinais. Para o caso francês, a partir da palavra “porte” (porta) ministrava-se igualmente o verbo “porter” (carregar) ou seja, os substantivos/ nomes que, ao mesmo tempo, fossem semelhantes a um verbo que o mestre queria introduzir (Abbé de l‟Épée, 1784, p. 7).

A relação pedagógica entre o professor e os alunos consolidar-se-ia legitimando a acção e a sua centralidade na atenção da classe, estando reunidas as condições para aumentar a dificuldade e a complexidade dos conteúdos gramaticais.

Tornar-se-ia conveniente tal continuidade na relação entre mestre e aluno. Após ter imprimido no espírito dos alunos a ideia de um conjunto razoável de nomes e substantivos, as três espécies de declinações (nominativo, genitivo e dativo) e de os ter obrigado, por variadas vezes, a serem eles próprios os protagonistas do objecto da aprendizagem, o mestre introduziria as lições das declinações dos nomes, fazendo observar aos alunos as diferenças entre os artigos, os casos, os nomes e o género. Ao mesmo tempo, inseriria o ensino dos sinais que distinguem cada uma das propriedades que convinham aos nomes.