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PARTE I A INEVITABILIDADE DA PALAVRA

3. Ensino de uma língua de sinais (Abbé de l‟Épée)

3.6 Da leitura e da articulação verbal

Constatava l‟Épée que antes da aprendizagem da leitura, qualquer ouvinte já dominava a pronunciação de inúmeras palavras. No caso dos surdos, o ensino da articulação deveria ser bem estruturado, conforme o quadro supra e na fase seguinte, o grau de dificuldade seria manifesto no modo de pronunciar as sílabas que se escreviam de diferentes formas, dado que a linguagem escrita não correspondia à linguagem falada. Seguia-se o ensino da pronunciação das sílabas que se escreviam de maneira diferente, fazendo entender que aquelas se pronunciavam da mesma forma. Para as sìlabas compostas de duas consoantes e de duas “vogais sìlabas”, cuja terminação fosse em “n”, “al, el, ou il”, consequente dos três artigos precedentes, ou para as sìlabas que terminavam em duas consoantes como, “com, cons e trans”, fazia os alunos abrir a boca, guiando-a nas posições correctas para a saída do ar e ensinando-os a soltar a língua; em alguns casos proceder-se-ia ao exercício sensorial das consoantes nasais, conduzindo a

mão do aluno sobre o nariz do mestre. Referia ainda, que o ensino deveria ter continuidade no domicílio, com um carácter de obrigatoriedade no que concerne à repetição dos exercícios de articulação. O Autor informava que este método de articulação já fora exposto publicamente, tendo apresentado alunos surdos que tinham lido em voz alta textos em Latim, de cinco páginas e meia. Esses mesmos alunos tinham sustentado uma disputa norteada sobre a definição filosófica, na forma escolástica e na presença de M. François-Elisabeth Jean Didier, tendo alguns alunos surdos recitado, de viva voz, vinte e oito capítulos do Evangelho, segundo S. Mateus, e descrito todos os ofícios relativos à missa da primeira Dominical.

l‟Épée reflectia acerca do enorme desgaste do professor neste modo de ensino, porquanto mesmo que trabalhasse individualmente na pronúncia e na leitura, com cada aluno, pelo tempo de 10 minutos seriam necessárias 10 horas diárias para levar a cabo a sua missão, sendo humanamente impossível cumprir com eficácia o ensino pelo método de articulação a 60 alunos. O método da articulação demandava o modo individual de ensino e um tempo moroso que permitisse aos alunos adquirir a linguagem falada. Para tal, o Autor propunha que este modo de ensino coubesse aos professores das municipalidades não sendo, em sua opinião, o motivo principal da sua selecção pelo mérito ou talento, dado que era um método de ensino que mais exigia a boa vontade e o zelo, bastando apenas que praticassem fielmente todos os procedimentos expressos no manual para o desenvolvimento da oralidade (l‟Épée, 1784, pp. 191-215). A este propósito, afirmava:

Il n‟est pas nécessaire de choisir pour cet emploi dès hommes à talents, il suffit d‟en trouver qui aient de la bonne volonté et du zèle, et qui pratiquent fidèlement ce que nous avons expliqué. Pour cette œuvre purement mécanique, dès Gens d‟esprit sont plus à craindre qu‟à désirer, parce qu‟ils s‟en lasseront bientôt. En se rabattant au niveau des maîtres d‟école ordinaires, on en trouvera qui s‟y appliqueront assidûment et persévéramment, pourvu que cette occupation forme pour eux un état dont ils soient certains jusqu‟à la fin de leur vie, c‟est seul moyen d‟y réussir. (p. 204)

Neste tempo final da apresentação do método da articulação, l‟Épée demarcava claramente a diferença entre os dois métodos, o oral e o dos sinais, no que concerne a competência dos mestres, intentando cotejar a ciência da articulação, enquanto uma obra puramente mecânica, aquilatada num grau de inferioridade à ciência dos sinais metódicos e à construção de uma gramática própria, emergindo uma necessidade de afirmação intelectual com intento de valorizar a sua arte educativa. É igualmente visível

um certo conservadorismo no que ao seu estrato eclesiástico e à ideia de excelência da formação dos mestres religiosos concernia, em relação aos professores das municipalidades que, uma vez dedicados ao ensino da articulação, tomariam as funções que mais se adequavam às suas competências; o método da articulação exigia uma precocidade educativa, dado que “Dès l‟age de quatre ou cinq ans ils mettrons souvent devant eux, ou même prendront entre leurs jambes le jeune Sourd & Mute; ils lui lèverons la tête pour l‟engager à les regarder, en lui proposant quelque récompense (l‟Épée, 1784, p. 205).

No que concerne ao método da articulação e da fala, l‟Épée tinha uma visão de vanguarda no que à educação pueril dizia respeito, aconselhando as famílias, professores e professoras das escolas municipais a exercerem este tipo de ensino, por volta dos 4, 5 anos. Assim deveriam adoptar uma atitude e uma atenção especial com estas crianças, posicionando-as de fronte do adulto ou mesmo, fixando-lhes o corpo entre as suas pernas, elevando ligeiramente a sua cabeça, de forma que fixassem o olhar do adulto. Logo que a atenção da criança estivesse captada no rosto do adulto, teria lugar a primeira recompensa, seleccionada de acordo com o conhecimento que o adulto tinha da criança e do que ela mais gostasse. Numa segunda fase e já num quadro de aceitação total da criança ao posicionamento e atenção pretendidos pelo adulto, aquele articularia firmemente, mas com muita tranquilidade, as sìlabas “pá, e pé”.

O Autor salvaguardava que o adulto nunca deveria gritar à criança e gradualmente, introduziria as restantes sílabas, de acordo com o previsto no seu método de ensino pela articulação, devendo aqueles seguir de forma meticulosa e rigorosa o expresso no seu manual. Igualmente do que aqui foi estudado é perceptível a génese de uma pedagogia que se baseava entre o “estìmulo” e a “resposta”, socorrendo-se de um reforço positivo, em caso de modificação e de regularização do comportamento da criança que o adulto queria alcançar com o maior sucesso. E ainda, a atenção que deveria ser dada ao ensino oral nas primeiras idades, prevenindo no futuro a maior atrofia nos órgãos do aparelho fonador do jovem/adulto.