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PARTE I A INEVITABILIDADE DA PALAVRA

3. Ensino de uma língua de sinais (Abbé de l‟Épée)

3.2 Demonstração do método de sinais

O ensino do verbo incluía a acção coadjuvada de sinais, repartida pelos passos seguintes. 1.º Passo: disposto o grupo de alunos em torno da mesa, o professor seleccionava um deles, dando primazia ao aluno recém-chegado à classe, que logo se posicionava do seu lado direito. 2.º Passo: com o dedo indicador da sua mão esquerda, o mestre apontava para a palavra “eu”, inscrita num cartão, e, em simultâneo, apontava com o dedo indicador direito para si mesmo, batendo suavemente e por diversas vezes no peito. 3.º Passo: servia-se de idêntico procedimento e introduzia a palavra “porte”. 4.º Passo: o mestre pegava um livro pesado e colocava-o sobre os braços ou nos bolsos laterais do seu fato, sobre as costas, em cima da cabeça. 5.º Passo: deslocando-se pela sala e com o auxílio da mímica, o professor simulava ser um homem fatigado e nesse momento, introduzia a palavra “porter” (carregar; suportar); nenhum pormenor da demonstração poderia escapar à atenção dos alunos surdos. 6.º Passo: o mestre retornava à mesa e iniciava a instrução da 2.ª pessoa, do singular, com idêntico procedimento do pronome “eu”, ao apontar para a palavra “tu”. Em simultâneo, apontava para o peito do aluno e captava a sua atenção ao afixar nele o olhar, devendo o discípulo fixar atentamente o olhar no mestre. 7.º Passo: logo após ser dado o sinal de início da acção pelo mestre, o aluno repetia a acção anterior, relativa ao verbo.

Referia o Autor que os alunos regozijavam bastante com as lições, logo que se lhes fizesse o sinal para executarem a tarefa. Todos estes procedimentos eram metodicamente executados. De forma gradual, o professor ampliava a complexidade das lições, introduzindo não só as diferenças entre os pronomes pessoais, mas também o plural, tornando-se num ensino activo, participado e vivenciado por toda a classe, sem excepção. Como exemplo, informava que todos os ensinamentos ministrados previamente teriam de ser sempre executados pelos alunos, sem a intervenção directa do professor.

Após ministrados os pronomes, o mestre faria uma divisão no quadro negro, escrevendo e separando os pronomes, quer no modo do singular, quer no plural. Salvaguardava a confusão que os pronomes pessoais poderiam causar, sobretudo os do modo do singular, no que respeitava aos nomes próprios. Para clarificar as ideias, desde o primeiro dia, o mestre socorria-se da acção directa dos discípulos na estruturação frásica, onde o sujeito era ligado ao verbo e o verbo ao nome, sempre coadjuvado pela mímica (Abbé de l‟Épée, 1784, pp. 13-15).

Tomando como referência o corpo humano, os ossos e as respectivas articulações, o mestre captava a atenção dos alunos para as diversas articulações existentes nos dedos, nos cotovelos, no pulso, entre outras partes. Introduzia também o conceito de artigo, enquanto “articulações”, registando através da escrita que aos artigos “o, a, os, as” juntavam-se-lhes os nomes; simultaneamente, eram executados os sinais a que correspondiam os artigos. Para tal fim, estendia e retirava o seu indicador direito, sendo aquele agitado, por diversas vezes, enquanto um signo “razoável” para ser acoplado aos artigos. O sinal convencionado relativo ao artigo, no género masculino, consistia em levar a mão ao chapéu, e, no género feminino, a mão à orelha, no “local onde terminava a touca das senhoras ou o seu penteado”. O artigo masculino, no plural, era sinalizado pelo movimento repetido dos quatro dedos, de ambas as mãos, que se posicionavam em forma de gancho. O apóstrofo era desenhado no ar, com o indicador direito, juntando o sinal de masculino ou feminino, de acordo com o género dos respectivos nomes substantivos.

Para os artigos classificados no segundo caso, “de”, “da”, “dos” “das”, bastava associar ao signo do artigo o sinal de segundo e, logo de seguida, executar o sinal no masculino ou feminino, de acordo com o respectivo género. O Autor fazia observar aos alunos que estes artigos se encontravam no caso ablativo; deste modo, não se tratava apenas de artigos, mas de preposições que tinham um signo próprio, na proporção do seu uso e da forma do seu emprego. Decorrente do carácter informal da exemplificação a que o Autor recorria e da espécie de associação de ideias que bosquejava para aprendizagem dos artigos, aquele solicitava o indulto dos Gramáticos da língua francesa, pois entendia não ser o modo mais convencional no ensino daquela nobre ciência.

Aferia ainda da necessidade do recurso à dactilologia para aquisição dos nomes dos casos, nas declinações do nominativo, genitivo e dativo, entre outros, sendo necessário disporem de gestos convencionados para os 1.º ao 6.º grau, que equivalia ao ablativo, e para todos aqueles que derivassem do primeiro caso (Abbé de l‟Épée, 1784, pp. 15-19). Estes sinais seriam mais inteligíveis do que aqueles que se aplicassem aos diferentes nomes. Para o sinal da palavra “caso”, os alunos teriam de fazer rolar os dedos indicadores, entre si, sendo este movimento executado num sentido descendente, desde a primeira à sexta declinação. Para designar o “singular” e o sinal que lhe

correspondia, o mesmo era efectuado com o polegar direito virado para cima e o “plural”, agitando vários dedos.

Com a finalidade de ensinar as diferenças sensíveis dos nomes (substantivos) e dos adjectivos, era necessário que o professor providenciasse novos cartões. Neles escreveria a palavra “Pierre” (Pedro), passando-o, de seguida, para a mão esquerda; no passo seguinte, outros registos com o adjectivo das palavras, “grand” (grande), “petit” (pequeno), “riche” (rico), “pauvre” (pobre), “fort” (forte), “faible” (franco), “savant” (sábio) e “ignorant” (ignorante), serviriam como elementos de referência à sua mão direita. Seguidamente, o mestre apresentava o cartão com a palavra “Pierre” e exibia um dos oito cartões. A tìtulo de exemplo, a palavra “grande” para logo a sobrepor ao cartão com o nome de “Pedro”. No conjunto dos dois cartões, “Pedro” e “grande”, era possìvel inferir a frase “Pedro é um homem grande”. E, partindo desta forma de apresentação, as frases desdobravam-se, como “il est venu en carrosse” & “il est richement habillé” (ele veio num coche e ele está ricamente vestido), mostrando, em simultâneo, o cartão onde se encontrava registada a palavra “riche” (rico), na construção e num encadeamento de novas frases surgidas de ideias sucintas. Enquanto nome (substantivo), a palavra “Pedro” era associada às quatro qualidades das palavras expressas nos cartões (os adjectivos); cada aluno construiria uma frase consoante a sua imaginação.

A fim de auxiliar as lições com os gestos ou sinais convencionados, a mão esquerda representava o sinal do nome (substantivo), sendo esta posicionada num nível ligeiramente abaixo, e logo colocava a mão direita sobre a mão esquerda, dando então lugar à representação do signo dos adjectivos. De forma meticulosa, o mestre introduzia o ensino dos adjectivos quanto ao género e ao número, respeitando, quanto à forma, os substantivos que lhe estavam acoplados. Como um ritual, os alunos deveriam reproduzir sempre todos os sinais indicados pelo professor. O grau de complexidade aumentava com a introdução dos adjectivos, que derivavam dos verbos, utilizando as palavras que lhes estavam associadas, tais como o verbo “adorer” (adorar) e, dele derivado, o adjectivo “adoré” (adorado) e o nome adjectivado “adorable” (adorável), ligado necessariamente à ideia de Deus, enquanto sujeito da frase.

Relativamente aos graus dos adjectivos, o mestre partia daqueles que já se encontravam registados nos cartões. Com o auxílio do signo do adjectivo, o professor elevava a mão direita de acordo com o respectivo grau, introduzindo inicialmente duas pausas, que significavam o estado positivo ou comparativo; quanto maior fosse o grau,

maior seria a elevação da mão. Tal-qualmente, as expressões mímicas acompanhariam o uso dos superlativos até ao grau absoluto. Para executar o adjectivo no último grau, primeiramente era necessário executar o signo do adjectivo e, ao mesmo tempo, elevar a mão direita até ao nível do grau do adjectivo antecedente, para logo gestualizar as duas pausas com o rosto a tomar a centralidade, mimando uma expressão de “impaciência” e, simultaneamente, elevar a mão direita até uma altura maior que a antecedente. Os adjectivos substantivados eram sinalizados enquanto nomes que pudessem receber uma qualidade abstracta: de “bon” (bom) a “la bonté” (bondade); de “grand” (grande) a “la grandeur” (grandioso); de “savant” (sábio) e “la sagesse” (sabedoria), por exemplo. Para a feitura dos sinais que lhes convinham, o mestre exemplificava com a palavra “la grandeur” (grandeza), fazendo o sinal do artigo, no feminino “la” (a), logo seguido do sinal do nome adjectivo “grand” (grande); ao mesmo tempo, o mestre ajuntava o sinal de substantivo, o qual anunciaria que este adjectivo era substantivado e que o mesmo poderia receber outros qualificativos (Abbé de l‟Épée, 1784, pp. 23-24).

No que dizia respeito aos números e aos respectivos signos, o mestre começaria por fazer a separação entre cardinais e ordinais. A cada número atribuía um sinal. Tomando como referência o número “três”, recorria ao uso de três dedos que se elevavam na perpendicular; mas para se referir ao seu ordinal, “o terceiro”, escondia os três dedos e fazia-se anunciar ao grupo, enquanto elemento integrante de uma “procissão ou batalha”, posicionando-se na ordem terceira a que lhe competia no lugar junto dos alunos, avançando então com a mão em linha horizontal e direita, para tomar o seu lugar, com correcção.

Já no final do compêndio, num aditamento feito à página 29, o Autor retomava o ensino dos algarismos, informando os leitores que elevava perpendicularmente os dedos, tantos quantos fossem necessários, até chegar ao número nove. Para simbolizar as dezenas, juntava às unidades o sinal “zero”, tendo aquele o mesmo valor simbólico da letra do alfabeto “O”. Relativamente ao número “100” este era simbolizado com número romano “C”, a que correspondia igual letra no alfabeto manual, e o mesmo para “1000” (“M”), dando deste modo “uma ideia distinta dos números”. Para efectuar o cálculo mental servia-se das contas de um rosário, onde, em contagens sucintas, atingiam as dezenas, as centenas e os milhares.

Na lição dos pronomes, o sinal consistia num círculo, desenhado a lápis num cartão ou papel. O mestre colocava uma pequena caixa de rapé dentro dele para logo a

retirar, substituindo-a por outro objecto, com a finalidade de que os alunos compreendessem que o pronome era uma palavra que se colocava em lugar de um nome, indicando nesse tempo o sinal de pronome e de todas as acções que então se faziam. Cada pronome teria um sinal particular relativo ao seu significado, sendo o caso dos pronomes pessoais e possessivos; para assinalar o pronome pessoal “eu”, o aluno, com a sua mão direita, desenhava no ar um semicírculo e, prontamente, aproximava-a do seu peito. No caso possessivo, o sinal para “meu” simbolizaria um aluno na missa que, ao encontrar-se diante do pároco, batia suavemente com a mão nele próprio, por mais de uma vez. O mesmo procedimento teria lugar para os restantes pronomes, sendo eles distinguidos através da direcção do olhar de um discípulo para o outro, ou orientando-o para os outros, enquanto, com ajuda da sua mão direita, executava o sinal respectivo; simultaneamente, com o dedo indicador da mão esquerda apontava para o pronome escrito no cartão. No caso de se tratar do pronome “tu” o sinal mantinha-se, mas o olhar fixar-se-ia num dos pares que, no momento, também executasse o sinal, conservando os restantes procedimentos. A dificuldade graduar-se-ia no caso dos pronomes pessoais, acrescentando ao primeiro sinal os signos indicadores do conjuntivo ou do possessivo, a saber: no caso de o pronome ser do conjuntivo, o sinal concretizava- se ao transferir o dedo indicador da mão direita para e sobre o dedo indicador da mão esquerda. No caso de as frases serem mais complexas, tal como “eu conheço-o”, era executado um primeiro sinal que indicaria a pessoa de quem se falava e um segundo signo, que anunciaria a conjugação e o verbo (Abbé de l‟Épée, 1784, pp. 36-38). No que concerne aos pronomes demonstrativos, o sinal era executado com a ponta do dedo indicador a uma distância relativa do objecto, apontando para ele (id., p. 38). Iniciava-se este domínio pelo género masculino, no singular, passando logo de seguida ao plural. No que dizia respeito aos pronomes demonstrativos, “aquele”, “aquela”, “aqueles” e “aquelas” nunca se deveriam juntar ao nome substantivo e ao qual se referissem, mas somente enquanto elementos de distinção, entre dois ou mais objectos (id., pp. 39-42).

Nos pronomes interrogativos e relativos, cada um teria um sinal próprio para o identificar: no caso de se tratar dos pronomes interrogativos, o mestre doletraria a letra “D”, do alfabeto manual, a que correspondia a palavra “demande”, logo seguida de um ponto de interrogação; se adaptássemos ao caso português, utilizaríamos a letra “P”, ou seja a inicial da palavra “pedir”. Embora a palavra “qui” (que) pudesse significar qualquer pessoa, no sentido de se proceder à mímica convencionada, o mestre

contemplava atentamente todos os alunos presentes na sala de aula e, fazendo o gesto interrogativo, que executaria da forma mais natural, mimaria as seguintes perguntas: “quelle est celle?” (présent ou absente) (quem é esta ou aquela? – presente ou ausente), “celui qui a fait ou dit” (este ou aquele que fez ou que disse – qui) (Abbé de l‟Épée, 1784, p. 40). O mesmo propósito deveria ser tomado em relação aos objectos que rodeassem os discìpulos, onde o pronome “que” assumiria o valor de “qualquer coisa” (id., p. 40). Para sinalizar estes pronomes, no plural, os alunos deveriam exprimir-se de forma idêntica: com o sinal de artigo a preceder a intenção mímica, fixavam dois ou mais objectos ou mesmo entre eles, devendo, com o olhar, deter-se apenas no objecto que o mestre escolhesse. Já no que se referia aos pronomes relativos, aqueles seriam escritos num cartão, colocando-se o dedo indicador direito sobre o pronome.

O pronome “que” merecia uma atenção particular na lìngua francesa. Para que não fosse confundido com o sinal a que lhe correspondia noutras circunstâncias, deveria haver sempre o cuidado de sinalizá-lo correctamente, na proporção do que lhe equivalia. Referia o mestre que, no primeiro caso, o “que” poderia ser interrogativo e conjuntivo, tal como no exemplo da frase: “que demandez vous”? (que pedis/ quereis vós?); e no segundo caso, o “que” era relativo e conjuntivo, como na frase: “le Dieu que j‟adore” (o Deus que eu adoro). Nos dois exemplos o “que” era conjuntivo porque estava acoplado ao verbo, num regime directo. Igualmente, seria tido em consideração o regime indirecto, na seguinte frase: “c‟est à vous que je donne” (é a vós que eu dou), que o mesmo seria dizer “à qui je donne” (a quem eu dou). E ainda o “que”, enquanto uma conjugação simples, tal como na frase: “je veux que vous appreniez” (eu quero que vós aprendais); e também o valor do “que” na forma comparativa de igualdade desde que estivesse acoplado à palavra “também/ tão”. Identicamente, o “que” poderia assumir o valor de superioridade ou de inferioridade, tal como nas frases: “il est plus grand que moi” / “il est aussi sage que vous” (ele é maior do que eu/ ele é tão inteligente como vós); na forma de exclusão “je ne veux que du pain” (eu não quero mais nada do que pão); e finalmente enquanto forma de admiração, como na frase: “que Dieu est grand!” (Deus é grande/ que Deus seja louvado!).

Assim, o Autor aferia a necessidade de se criarem diferentes sinais para o pronome “que”, contemplando as diferenças e as respectivas qualidades que lhe eram inerentes, no que respeitasse o gesto convencionado. Para os casos de uma conjugação simples, em que o “que” se encontrasse entre dois verbos, o mesmo era representado

pelo posicionamento dos dois indicadores, o direito e o esquerdo, em forma de colchete ou gancho. Para proceder a um exercício de ditado, o mestre deveria, antecipadamente, fazer observar da regência da conjunção, conquanto o “que” fosse indicativo ou conjuntivo, e consequentemente facilitaria os meios aos alunos para escolher qual dos modos deveriam empregar, guiando-os através dos respectivos gestos (Abbé de l‟Épée, 1784, p. 44). A título de exemplo, na frase “Pierre dit que vous apprenez votre leçon” (o Pedro disse que vós aprendestes a lição), aquela tinha o mesmo valor de “l‟action de Pierre, qui me dit que vous apprenez” (o Pedro informou o mestre que os alunos sabiam a lição); contudo, ambas as frases em nada influenciavam a constatação de que os alunos já sabiam a lição. Num segundo exemplo, tal como na frase “eu (mestre) quero que vós saibais a lição”, era visìvel que a vontade do professor influenciaria a acção dos alunos ao ficarem sabedores da sua ordem, impelindo-os a apreender a lição.

No caso de se tratar do “que” comparativo de igualdade, o gesto representava-se com os quatro dedos, de ambas as mãos, dobrando-os e simultaneamente, aproximando- os por duas ou três vezes. E numa combinação sucessiva de sinais próprios, o professor introduzia os gestos que corporalizavam os adjectivos nos diferentes graus, tais como na frase: “Pierre est plus grand que moi” (o Pedro é maior do que eu), onde o mestre começava por apontar para o Pedro e logo, com a sua mão direita, executava o sinal de grande. De seguida, fazia uma pausa, quedando-a num espaço imaginário, neutro ou denominado positivo, para imediatamente elevá-la a um nível espacial superior. No que se referia à palavra “que” propriamente dita, colocava a sua mão esquerda num nìvel espacial abaixo e mostrava-se, ele próprio ao grupo, enquanto a sua mão direita se posicionava num nível mais elevado, apontando nesse tempo para o Pedro. Contrariamente, na frase “Pierre est plus petit que moi” (o Pedro é mais pequeno do que eu), o professor apontava para o Pedro e, com a sua mão direita, executava o sinal do adjectivo “pequeno”, colocando-a num nível espacial mais baixo, o que significaria mais pequeno; para o sinal da conjunção “que”, colocava a sua mão esquerda num nível espacial mais alto, mostrando, na mesma ocasião, a sua mão direita num nível espacial mais baixo, e apontava para Pedro. E de seguida, introduzia novos exercícios na classe que seriam executados por todos os alunos; uma vez posicionados em torno da mesa, o mestre escolheria um discípulo, que logo se afastaria do restante grupo.

Nesse tempo, o professor efectuava o sinal relativo à separação do aluno em relação aos restantes pares da classe. O sinal relativo ao aluno que se encontrava

apartado do grupo simbolizava as palavras “só” ou “sozinho”, sendo o sinal que exprimia o “nome adjectivo”. Simultaneamente, o mestre compunha um novo gesto, colocando a mão ao seu lado, como se se tratasse de um advérbio, posicionado ao lado de um verbo, modificando o seu conceito, através da acção e da anexação de um outro sinal, que resultava na palavra “somente”. Prosseguia o ensino, aplicando frases com o mesmo sentido, tais como “Je ne veux que du pain, ou je veux seulement du pain” (eu não quero mais nada do que pão; ou eu quero somente pão), devendo as palavras “não” e “que” ser compreendidas apenas por um único sinal; contudo, ao fazer um exercìcio de ditado era necessário que o mestre tivesse o cuidado de aplicar a cada uma delas o seu valor. Gradualmente, seguia-se o ensino da palavra “que” enquanto expressão de admiração, com o respectivo sinal de pontuação (!), enquanto valor de “si” (se) e de dúvida, onde se efectuaria o respectivo sinal (Abbé de l‟Épée, 1784, p. 48).

Posteriormente, tinham lugar as lições cuja temática fossem os pronomes impróprios, pronomes indefinidos, justificando que na língua francesa se encontravam frequentemente estas palavras, nas lições e nos ditados. O professor munia-se de um conjunto de gestos que lhes eram inerentes, tais como nas palavras “algum, qualquer”, “vários, muitos” e “todos”. Para operacionalizar estes conceitos, numa primeira fase, o mestre posicionava-se diante de várias peças de um jogo de damas e retirava-as de forma sucessiva, fazendo a sua contagem crescente “uma, duas, três, quatro, oito, dez ou doze”, chegando deste modo ao conceito de “qualquer” e “algumas”. O mestre repetia a acção, alterando-a ao retirar um punhado de peças, tantas quantas coubessem na sua mão, mas, desta feita, sem proceder à sua contagem, atingindo desta forma, o conceito de “várias” ou “muitas”. Numa terceira fase, remeteria todas as peças do jogo para dentro de um chapéu ou mesmo de uma bolsa ou do próprio tabuleiro, alcançando a noção de “todas”, podendo ser igualmente associado o conceito de “nada”, “algumas”, “nenhuma”, “cada” entre outros, conforme a acção o indicasse (Abbé de l‟Épée, 1784, p. 49).

O conceito de “nada” era mimado, colocando os dedos na extremidade dos dois dentes da frente, para logo de seguida os retirar rapidamente, informando o leitor que a maioria dos surdos-mudos era conhecedor destes sinais, mesmo anterior à sua entrada para a classe. Para a palavra “nenhum” o gesto convencionado respeitava o anterior “nada”, associando-lhe o sinal do adjectivo no género masculino, e o mesmo para “nenhuma”, no género feminino. Nesta fase, o mestre enfatizava que os cinquenta

alunos da classe deveriam, um por um, sem excepção, repetir a lição, servindo simultaneamente para que se apercebessem do sinal e do conceito da palavra “cada”. O Autor chamava a atenção dos leitores para a forma rudimentar dos exemplos ministrados aos surdos-mudos, mas assegurava a sua grande eficácia na aprendizagem (Abbé de l‟Épée, 1784, p. 51).

Relativamente ao ensino dos verbos, Abbé de l‟Épée informava que embora aparentasse serem lições muito difíceis de ministrar, após aplicação do exercício tornar-