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CAPÍTULO 1 Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo

1.4. A constituição da rede de petróleo e gás no Brasil

1.4.3. Pré-sal e o período recente

O reservatório de pré-sal, descoberto em 2007, marcou uma nova fase para o setor de petróleo no Brasil. O desenvolvimento dos recursos dessa camada implicou em altos custos e grandes obstáculos tecnológicos, uma vez que as operações estão a 3000 metros no mar (OLIVEIRA, 2016). Então, fez-se necessário o desenvolvimento de novos materiais e equipamentos, bem como novas unidades de produção, como plataformas adaptadas, tubos mais resistentes e flexíveis e tecnologias de perfuração de camada de sal (VIEIRA FILHO E FISHLOW, 2017).

Para atender aos desafios impostos pelo pré-sal, a reativação do PROCAP foi fundamental. O objetivo para o PROCAP 3000 era possibilitar a exploração de campos potenciais em águas ultra profundas de até 3.000m, com foco na redução dos custos das plataformas e no melhoramento da produtividade. Também como no PROCAP 2000, o foco dessa etapa era a geração de inovações. Assim como nos programas anteriores, o PROCAP 3000 também contou com parcerias nas atividades de P&D entre a Petrobras e importantes empresas estrangeiras do setor (SILVESTRE, 2015).

Outro movimento para atender aos desafios tecnológicos impostos pelo pré-sal foi a criação do Programa Tecnológico para o Desenvolvimento da Produção dos Reservatórios do Pré-sal (PROSAL), que estava orientado à resolução de questões relacionadas aos altos custos de perfuração dos poços e ao calcário microbial, rocha predominante no pré-sal e ainda pouco estudada no âmbito da exploração de petróleo (MORAIS, 2013).

Com a continuidade do desenvolvimento de pesquisas em associação com empresas estrangeiras, a trajetória de melhoramento de valor teve novo ânimo com a

descoberta do pré-sal, com a demanda por trabalho altamente qualificado na execução das pesquisas e pela expansão dessa atividade de alto valor agregado internamente.

Esse período também foi marcado pelo grande número de investimentos da Petrobras fora do Brasil, levando a um intenso processo de internacionalização. O principal destino dos investimentos foi a América do Sul, mas também foram realizadas operações na América do Norte e África. Posteriormente, alguns desses investimentos se mostraram inviáveis, o que, somado a problemas financeiros, implicou em um plano de desinvestimento por parte da empresa (PETROBRAS, 2015).

Além das pesquisas, outro traço marcante envolvendo o pré-sal é a política de conteúdo local. Embora ela já constasse na “Lei do Petróleo” de 1997 como critério para a concessão, ela ganhou força em 2003. Com a instituição dessa política, o Estado brasileiro, que havia mudado a sua forma de atuação pós-liberalização, volta a assumir um papel forte na regulação do setor.

Vale ressaltar que a adoção de políticas de conteúdo local na indústria de petróleo e gás não é uma novidade. Esse tipo de política foi adotado inicialmente na década de 1970, pela Noruega, na exploração de campos no Mar do Norte, e, além do Brasil, também há políticas de cunho semelhante em outros países produtores, como Angola, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, entre outros (TORDO et al, 2013).

A política de conteúdo local no Brasil teve como principais objetivos o aumento da participação da indústria nacional, o incentivo ao desenvolvimento de tecnologias relacionadas à cadeia de petróleo e gás nacionalmente, o aumento das capacitações internas e a criação de empregos. Os requerimentos de conteúdo nacional impostos pela ANP a partir de 2003 estão presentes em uma cláusula contratual, que define que “seja dada preferência à contratação de fornecedores brasileiros sempre que suas ofertas apresentarem condições de preço, prazo e qualidade equivalentes às de outros fornecedores convidados a apresentar propostas” (site Promimp).

Contudo, com a definição dessa regra, muitas empresas estrangeiras instalaram-se no Brasil, a fim de atender ao quesito “empresas brasileiras”, já que, de acordo com a legislação, uma empresa é considerada brasileira se está instalada no Brasil. Essa motivação foi confirmada por uma empresa multinacional do ramo naval em uma entrevista4. Assim, a definição da lei de conteúdo local contribuiu para uma nova rodada de entrada de empresas estrangeiras no país, alavancando, novamente, a geração de valor nesse segmento.

4 Entrevista realizada por Moritz Breul, no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities

Para a definição do conteúdo local foram considerados vários aspectos, como a localização do campo explorado (onshore ou offshore), a etapa do processo (exploração ou desenvolvimento), implicando em um mínimo sendo estabelecido para cada item da cadeia. A política também foi pensada com certa flexibilidade, pois empresas que superassem o conteúdo nacional requerido na fase de exploração poderiam repassar o excedente para a fase seguinte, mediante autorização da ANP. Em caso de não cumprimento da meta definida, multas eram aplicadas (TORDO et al, 2013). Com essa ação, o Estado volta a assumir uma posição forte de regulador e, como a Petrobras é a principal operadora do setor, o papel de comprador também volta, embora em menor grau, considerando a relativa flexibilidade da lei.

Com essa regulação, o Estado tentou alavancar a geração e captura de valor em ramos nos quais a Petrobras não atua, e voltar a adensar a cadeia produtiva de petróleo nacional, que perdeu elos após a liberalização do mercado, como discutido na seção anterior.

A fim de dar suporte à estrutura interna que se pretendia criar, a Petrobras, juntamente com o governo federal, elaborou uma série de programas e incentivos para o desenvolvimento de fornecedores locais nos diferentes segmentos da cadeia. Entre os programas criados, destaca-se o Promimp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás), criado em 2003, com o objetivo de estabelecer um diálogo entre diferentes atores da cadeia, a fim de identificar gargalos, desafios e possíveis soluções para aumentar a capacitação e a competitividade da indústria local (OLIVEIRA, 2016).

Além dos incentivos, o Promimp também contribuiu para a formalização da política de conteúdo nacional, estabelecendo em 2004 uma Cartilha, que definia de forma explícita a metodologia de cálculo do Conteúdo Local, consolidando-o no Índice de Conteúdo Local. Na sequência, a fim de garantir a fiscalização e a medição desse índice, foi instituído em 2007 o Sistema de Certificação de Conteúdo Local, que estabelecia os critérios para a certificação e as regras para o credenciamento de entidades certificadoras junto à ANP. Essas entidades tinham como função medir e informar à ANP o conteúdo local contratado pelas empresas operadoras dos campos de petróleo, a partir das definições da Cartilha (site Promimp). Uma das principais certificadoras é a ONIP (Organização Nacional da Indústria do Petróleo).

Além de contribuir para a estruturação da política de conteúdo local em si, o Promimp também atuava na cadeia de petróleo e gás fornecendo insumos para a formação de fornecedores competitivos, atuando em três áreas prioritárias: qualificação, políticas industriais e desempenho industrial. De acordo com dados divulgados pelo próprio Programa, de 2006 a 2015 foram qualificados 99 mil profissionais, com investimento de

aproximadamente 304 milhões de reais (site Promimp). O programa envolveu diversas instituições de ensino, compreendeu quase mil cursos e abrangeu 17 estados (TORDO et al, 2013). Essa iniciativa poderia contribuir para o melhoramento do valor, formando mão de obra qualificada para desempenhar funções mais sofisticadas internamente.

Ainda no âmbito do Promimp, a Petrobras estabeleceu uma parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), em 2004, a fim de incluir pequenas e médias empresas na cadeia, através do mapeamento de oportunidades de negócios e treinamentos. Em 2008 e 2011 o projeto foi renovado. Quanto ao desempenho, o Promimp realizou um estudo diagnóstico, a fim de antecipar demandas das concessionárias, identificando gargalos na cadeia e traçando planos para o ataque dessas deficiências (TORDO et al, 2013).

O Promimp também incentivou a realização de atividades de P&D internamente, instituindo benefícios fiscais a projetos de P&D, além de benefícios de financiamento. Adicionalmente, uma legislação de 2005 impôs o investimento de 1% da produção bruta de poços altamente produtivos em P&D, sendo obrigatoriamente uma parte destinada a pesquisas realizadas em instituições sem fins lucrativos, como universidades (OLIVEIRA, 2016; TORDO et al, 2013).

No âmbito das ações de conteúdo local, a indústria naval foi um dos segmentos da cadeia de petróleo e gás com maior destaque. O segmento, que é crucial para a exploração offshore em águas profundas, viveu um significativo salto, ocorrido a partir dos investimentos realizados pelo governo. De acordo com dados apresentados por Oliveira (2016), com os incentivos fornecidos e a entrada de diversos grandes grupos nacionais, como Queiroz Galvão, Camargo Correa e Odebrecht no setor, em menos de uma década a posição do Brasil no ranking mundial de produtores da indústria naval subiu de 18, em 2004, para 4, em 2013. Entretanto o mesmo salto não foi visto na produtividade da indústria, que permaneceu muito aquém dos principais concorrentes asiáticos, sendo, em média, metade da chinesa e oito vezes menor que a coreana (SILVA, 2014 apud OLIVEIRA, 2016). Isso implicou em diversos problemas quanto ao cumprimento de prazos de entrega.

Mais recentemente, a percepção de que a política de conteúdo local no setor de petróleo e gás estava impondo limites à exploração e desencorajando investimentos tem levado a uma mudança nos requerimentos, especialmente no que tange a exploração da camada pré-sal, fazendo-os menores e menos rígidos (SCHOLVIN et al, 2017b).

CAPÍTULO 2 - Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o