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CAPÍTULO 2 Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o papel

2.3. Metodologia

2.3.1. Coleta e tratamento dos dados

Neste capítulo, pretende-se categorizar as cidades de acordo com três características principais: hierarquia, papel de gateway e funcionalidade. Entende-se que os papéis das cidades derivam principalmente da capacidade destas de interagir com outros locais e da forma como essa interação é realizada. Isso implica que a metodologia aplicada deve possibilitar a análise dessa dimensão relacional. Por isso, será aplicada a metodologia de redes, que visa essencialmente analisar dados relacionais. Essa metodologia já foi aplicada a análises sobre a interação de cidades, como a desenvolvida em Alderson e Beckfield (2004), Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009), Martinus e Tonts (2015) e Martinus e Sigler (2017). Na sequência, para separar as cidades em grupos, aplicamos uma análise de clusters, usando o algoritmo k-means. “[…] A análise de cluster [...] permite agrupar observações de acordo

com a proximidade entre as variáveis das quais os clusters são derivados” (CAPELLO E LENZI, 2013: 128).

Para analisar as três dimensões propostas, foram adotadas algumas medidas como proxies. Elas foram calculadas com base na rede desenhada a partir dos projetos de IDE e F&A, reunidos nas bases de dados FDI Markets e Zephyr. A base FDI Markets compreende dados sobre IDE greenfield, ou seja, somente os fluxos internacionais estão presentes nesta base. Já a base de dados Zephyr, inclui dados sobre F&A, isto é, investimentos brownfield. Nesta base de dados, tanto os fluxos intra como os internacionais estão presentes, já que o seu foco não é estritamente no IDE, como na base FDI Markets.

Para coletar os dados em ambas as bases, foi estabelecido o período de 2007 a 2016, e os fluxos foram interpretados como conexões permanentes entre os locais, conforme feito em Graf (2010). Para estabelecer as conexões, primeiramente, foram selecionados os projetos de investimento relacionados à indústria de petróleo e gás. Em seguida, usou-se a cidade de origem e a cidade de destino, especificadas em cada projeto de investimento em ambos os bancos de dados.

Nem todos os projetos tinham a especificação sobre a cidade de origem e destino dos investimentos. Assim, a amostra utilizada compreende cerca de 60% de todos os projetos de investimento em petróleo e gás na região ao longo de nove anos, o que significa 367 projetos. Os dados coletados envolveram todas as etapas de produção da rede de petróleo e gás, ou seja, exploração e produção (fase upstream) de campos de petróleo e gás; transporte e refino (fase midstream); distribuição e varejo (fase downstream) (BRIDGE, 2008).

Após a coleta de dados, a análise quantitativa foi realizada. As cidades foram enquadradas em uma matriz de adjacência, para representar a rede. Nessa rede, as cidades são os nós e o número de projetos são os fluxos (arcos) existentes entre os nós. A partir dessa matriz, a primeira medida calculada foi o grau de centralidade de cada cidade. Levando em conta o fato de que o papel das cidades é baseado, entre outros, em sua capacidade de conectividade (CRESCENZI E IAMMARINO, 2017; COE E YEUNG, 2015) e tomando trabalhos anteriores já desenvolvidos nesta área (KRATKE, 2014; MARTINUS E TONTS, 2015), usou-se o grau de centralidade como proxy para o aspecto da hierarquia.

A seguir, foi calculada a proxy para a função de gateway das cidades. Embora a análise de rede tenha sido amplamente aplicada em estudos de cidades, e as medidas de rede mais tradicionais, como centralidade, densidade, betweenness e prestígio, sejam capazes de capturar as relações entre todo o sistema, essas medidas não são capazes de capturar as relações existentes entre dois sistemas diferentes (regional e global). Assim, para calcular essa

função intermediária, foi empregado um índice desenvolvido por Graf (2010) para medir a gatekeeperness.

Este índice é baseado no conceito de gatekeeper da análise de redes sociais. Os gatekeepers são nós que intermediam a relação entre dois conjuntos diferentes de nós (GRAF, 2010). Como as cidades gateway funcionam como pontes entre o sistema local e o global, isto é, entre dois conjuntos de nós, pode-se concluir que elas atuam de forma semelhante aos gatekeepers discutidos por Graf (2010). O índice a ser calculado aqui é um índice de intensidade, que é baseado na multiplicação do número de interações, aqui entendidas como projetos de investimento, que uma cidade tem com outras cidades de dentro e de fora da sua respectiva região supranacional.

A fim de calcular tal índice, a matriz de adjacência foi utilizada para contar o número de interações que cada cidade estava fazendo, por meio de projetos de investimento, com cidades da América do Sul e com cidades de fora da região, tanto como origem quanto como destino. Esses dados resultaram em uma tabela, na qual cada cidade teve um número de interações com outras cidades da mesma região e de fora da região. Essas interações capturam a capacidade de acoplamento de uma cidade tanto de dentro para fora quanto de fora para dentro.

A próxima etapa foi identificar as funções desempenhadas por cada cidade, para medir a proxy de funcionalidade. Para tanto, foi analisada a descrição fornecida pelas bases de dados sobre os projetos de IDE e F&A. Na sequência, estes foram enquadramos nas categorias destacadas por Scholvin et al (2017): logística, manufatura, controle corporativo, serviços e geração de conhecimento. Para identificar as funções, foram analisados apenas os investimentos recebidos pelas cidades e não os que elas realizaram. Isso é explicado pelo fato de que, segundo Meyer et al (2011), os investimentos que um local recebe refletem os recursos que estão disponíveis naquele local, embutidos em empresas locais e disponíveis no mercado local. Além disso, em um contexto redes globais de produção, os investimentos que são destinados a um lugar refletem o papel que este lugar ocupa em uma estratégia transnacional.

Após a identificação das diferentes funções, foram atribuídos pesos a essas funções, pois, segundo Revilla Diez et al (2018) e Scholvin et al (2017), as diferentes funções possuem diferentes graus de sofisticação e valor agregado. Desta forma, foi atribuído peso 3 à geração de conhecimento; 2 ao controle e serviços corporativos; e 1 para manufatura e logística. As variáveis e proxies empregadas na análise estão resumidas na tabela 4.

Tabela 4 – Variáveis empregadas na análise e suas respectivas proxies Variável Proxy Hierarquia Grau de centralidade Papel de gateway Índice de gatekeeper Funcionalidade Número de projetos por area x peso Fonte: elaboração própria

Após o cálculo das três proxies, foram cortadas as cidades que apresentam um índice de gateway de 0, porque isso significa que a cidade não tem uma função de gateway. Em seguida, verificou-se que os valores do índice de gateway eram muito maiores que os relacionados à hierarquia e funcionalidade. Portanto, para evitar que o índice de gateway tivesse um peso maior no particionamento do cluster do que as outras variáveis, todas as medidas foram normalizadas. Finalmente, foi utilizado o algoritmo k-means para categorizar as cidades. Esse algoritmo permite definir o número de clusters gerados. Optou-se por separar as cidades em 3 grupos, a fim de classificar as cidades como principais, cidades intermediárias e de pouca importância.

“O algoritmo implementado pela análise de cluster k-means atribui um caso ao cluster para o qual sua distância da média é a menor. Uma vez que o número ‘k’ de clusters esperados tenha sido especificado, o algoritmo começa com um conjunto inicial de médias e classifica os casos com base em suas distâncias das médias. Em seguida, ele calcula as médias do cluster novamente, usando os casos atribuídos, e reclassifica todos os casos de acordo com o novo conjunto de médias. Essa etapa é repetida até que a média do cluster não mude muito entre as etapas sucessivas. Finalmente, as médias dos clusters são calculadas novamente, e os casos são atribuídos a seus clusters permanentes ”(CAPELLO E LENZI, 2013: 140).