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INDICADORES E CONTEÚDOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO 1 Relações federativas entre União e município:

2 O ESTADO FEDERATIVO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

2.2 A GESTÃO GERENCIAL E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

O novo modelo de gestão da administração, também conhecido como gerencialismo, foi importado da iniciativa privada para o setor público como estratégia que amenizaria a crise econômica deflagrada nos anos de 1970 e que confirmava o esgotamento do modelo burocrático fundamentado nos estudos de Weber. Tendo como base o ideário neoliberal, originou-se na Grã-Bretânia, ambiente reconhecido como laboratório de técnicas gerenciais aplicadas ao setor público. Objetiva reduzir e controlar os gastos e aumentar a eficiência governamental (ABRÚCIO, 2003). Para isso, impõe diminuir a burocracia do Estado e incentivar a descentralização administrativa, visando à autonomia das agências e dos departamentos. A partir dessa lógica de gestão, o Estado desenvolveu políticas públicas voltadas para resultados, eficiência, eficácia e produtividade dos serviços.

Com base nesse pressuposto, podemos, então, deduzir que o modelo gerencial é uma tecnologia destinada a modificar as funções e a cultura do setor público. Ao discutir a reforma administrativa do Estado, Bresser-Pereira (1998, p.109) diz que o gerencialismo na administração pública, mesmo tendo inspiração na administração privada, dela se diferencia porque “[...] não visa lucro, mas o interesse público, porque o critério político é nela mais importante do que o critério de eficiência e porque pressupõe procedimentos democráticos que, por definições, não tem espaço no seio de empresas capitalistas”. De acordo com esse autor, percebe-se uma contradição, pois a contenção de gastos públicos com educação demonstra que o Estado obtém lucro nos serviços realizados com poucos investimentos, o que, na realidade, compromete os resultados da aprendizagem dos estudantes.

Sendo assim, a descentralização, o controle de gastos públicos e a responsabilização são diretrizes da reforma gerencial implantada, visando reestruturar as relações do capitalismo por meio de ações do Estado Mínimo (CASASSUS, 2001; GARJADO, 1999). Consideramos, portanto, um sério risco tomar o mercado como referência para o serviço público, visto que essa racionalidade econômica pode distorcer o sentido da qualidade social dos serviços prestados à

população. Segundo Castro (2007b, p.126), esse modelo de gestão tem as seguintes características:

[...] a descentralização/centralização das atividades centrais para as unidades subnacionais; a separação entre os órgãos formuladores e os executores de políticas públicas; o controle gerencial das agências autônomas que passa a ser realizado levando-se em consideração quatro tipos de controle (controle dos resultados, a partir de indicadores de desempenho estabelecidos nos contratos de gestão; controle contábil de custos; controle por quase-mercados ou competição administrada, e controle social); a distinção entre dois tipos de unidades descentralizadas ou desconcentradas (agências que realizam atividades exclusivas do Estado e os serviços sociais e científicos de caráter competitivo); a terceirização dos serviços e o fortalecimento da alta burocracia.

Mantendo essas características, a partir da década de 1990 o gerencialismo atribuiu novas dimensões à administração pública brasileira, transformando a esfera interna do governo pela ênfase nos conceitos de flexibilidade, planejamento estratégico e qualidade, adotando serviços públicos supostamente relacionados aos anseios dos consumidores. O que ocorre é que esse procedimento contradiz os princípios da gestão democrática, que prima pela representatividade e pela participação direta na tomada de decisões, para assegurar o controle social na elaboração e na aplicação das leis. A gestão gerencial enviesa o verdadeiro sentido de democracia, descaracterizando-a como possibilidade de descentralização, participação e autonomia, porém é recontextualizada sob a ótica individualista e mercadológica (BOBBIO, 1989).

O termo “qualidade”, por exemplo, tão utilizado no discurso governamental, é descaracterizado, pois a qualidade é compreendida pela vertente democrática como melhoria na atuação do Estado para reduzir as desigualdades, a dominação e as injustiças sociais. Por outro lado, a perspectiva democrática, segundo o Estado neoliberal, limita-se à qualidade técnica, cuja lógica excludente enfatiza os resultados dos investimentos em políticas sociais, em detrimento dos processos (LIMA, 2004). A efetivação desse novo referencial político, como vimos, impõe a responsabilização dos gestores resultados do uso da estratégia de participação dos cidadãos na cobrança da qualidade dos serviços, o que envolve o conceito de accountability, que tem sido largamente utilizado nos Estados Unidos.

Para Castro (2007a), esse conceito conduz ao entendimento da obrigação de prestar contas à sociedade dos serviços que realiza. O Estado assume também o papel de planejador das políticas sociais e transfere a maior parte de suas tarefas para a iniciativa privada (privatização, terceirização e publicização), estabelecendo uma íntima relação entre a

administração pública e o setor privado. As principais estratégias para viabilizar essa relação são os mecanismos jurídico-administrativos, configurados em “contratos de gestão”, que foram introduzidos pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998 (BRASIL, 1998).

No intuito de alcançar o crescimento econômico, a transformação cultural e de promover a solidariedade nacional em educação, as reformas introduzidas para ajustar os sistemas de ensino objetivavam o aumento da produtividade e da competitividade do mundo globalizado. Conforme Carnoy (1994), as reformas propunham demandas de qualificação em nível nacional e mundial e a melhoria do papel político da educação rumo à mobilidade e à igualdade social, com a promoção de políticas educacionais para grupos minoritários e excluídos da sociedade. Por último, introduzia cortes no orçamento do setor público e a expansão do setor privado na educação. Foram privilegiados os gastos públicos com o ensino básico, a privatização do ensino secundário e do superior e a redução de custos no valor por aluno.

Para construir um consenso acerca das reformas educacionais na América Latina, a Comissão Econômica da América Latina e o Caribe (CEPAL), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), e o Banco Mundial (BM), realizaram conferências internacionais, reuniões e produziram relatórios técnicos, dentre os quais o Projeto Principal de Educação para América Latina e o Caribe10 (PPE). Cabral Neto e Rodriguez (2007), ao discutirem os resultados das reformas educacionais na América Latina, consideram que a avaliação dos quase 20 anos do PPE, realizada no final do século XX, ressaltava a necessidade de os governos latinos fazerem ajustes em consonância com o contexto social e político do século XXI, que se aproximava. Como metas para o novo projeto, apresentava: a universalização da educação básica; a alfabetização funcional e a promoção dos quatro pilares do conhecimento (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver).

Seguindo essa lógica, o Banco Mundial, como um ator das reformas, apresenta-se como financiador dos projetos de educação e na prestação de assessoria técnica para melhorar o acesso, a equidade e a qualidade dos sistemas educacionais. Ao assentar suas bases nas concepções gerenciais, definia os princípios da educação na América Latina, destacando a importância das relações competitivas e da equidade, sendo que a principal motivação era de

10 Esse documento tem como base a Declaração do México, de 1979 e a Recomendação de Quito, aprovada em 1971 pelos representantes dos Estados-membros, os quais vêm orientando às políticas educacionais no continente. O projeto objetivava: assegurar o acesso de todas as crianças em idade escolar à escola antes de 1999; oferecer escolarização mínima de 8 a 10 anos; eliminar o analfabetismo até o final do século XX, ampliando a oferta educativa para jovens e adultos; e melhorar a eficiência dos sistemas educacionais (UNESCO, 2001).

ordem financeira (CABRAL NETO, 2000; CASASSUS, 2001). Tanto o Banco Mundial como os demais organismos internacionais não compreendem a educação como um direito de todos de terem acesso à cultura, valores e saberes historicamente construídos pela humanidade, mas sim como um serviço, ao estabelecerem

[...] uma correlação (mais do que uma analogia) entre sistema educativo e sistema de mercado, entre escola e empresa, entre pais e consumidores de serviços, entre relações pedagógicas e relações de insumo-produto, entre aprendizagem e produto, esquecendo aspectos essenciais próprios da realidade educativa. (CORAGGIO, 1998, p. 102).

Ressaltamos que as estratégias da nova gestão pública da educação têm como ponto de partida as orientações da Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien/Tailândia, 1990), cujo compromisso o governo brasileiro subscreveu junto aos organismos multilaterais: melhorar a educação, realizando algumas reformas, dentre as quais se destacam o Plano Decenal (1993-2003), o Planejamento Político Estratégico (PPE) (1995), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/96 – e o Plano Nacional de Educação (PNE) (2001-2010)11 (BORDIGNON, 2011). A partir de então, esses organismos passaram a orientar, acompanhar e avaliar as políticas educacionais planejadas pelos governos, prestando, assim, em anos seguidos, apoio técnico e financeiro ao governo federal, com foco nos indicadores educacionais pré-estabelecidos nos acordos externos.

De acordo com Coraggio (1998) e Silva Júnior (2002), essas orientações são materializadas na legislação educacional vigente, onde o governo fica compelido a ajustar as diretrizes e normas nacionais para dar conta dos pactos estabelecidos junto aos organismos multilaterais. A essas razões, associa-se a vulgarização das diferenças regionais e sociais, pela despolitização das relações econômicas, e o enfraquecimento das instituições jurídicas, sociais e educacionais. No Brasil, foram redefinidas novas estratégias educacionais, que exigiam garantia de sucesso escolar, priorizando-se, nas propostas, os resultados e os indicadores de desempenho em detrimento dos processos de aprendizagem, sendo defendidos por seus idealizadores como “[...] um fator crucial da modernização da gestão educativa.” (CASTRO, 2007a, p.131).

Quanto à formação e à valorização profissional do professor, ganhou destaque o desempenho para atender às necessidades de aprendizagem dos estudantes, ao mesmo tempo

11 O segundo PNE foi construído pela sociedade civil, em várias conferências estaduais, regionais e nacionais realizadas entre 2010 e 2013. Após três anos de discussões, foi aprovado, em junho de 2014.

em que eles assumiam a responsabilidade pela melhoria da qualidade dos resultados em educação. Mas, tendo em vista os investimentos serem insuficientes para manter um padrão de qualidade, o Estado não assegura a eficácia nem a eficiência dos serviços. Afasta-se de suas obrigações sociais, em relação à gestão e ao controle dos gastos públicos. Essa situação fragiliza a governabilidade do Estado e as suas possibilidades de compartilhar o poder e a autonomia relativa com os entes federados, o que é um atributo do Estado Federativo Cooperativo, prescrito na Constituição Federal de 1988.

2.3 A ORGANIZAÇÃO FEDERATIVA DO ESTADO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS

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