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6 REPERCUSSÃO DO PAR NA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MOSSORÓ/RN

6.1 AS NECESSIDADES FORMATIVAS DOS PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO E O PAR

A formação de professores consiste em um processo permanente de desenvolvimento profissional integrado pela formação inicial e a continuada, como momentos inter-relacionados, e que se prolonga por toda a carreira docente. Conforme Castanheira (2014), as condições do trabalho docente – formação, plano de carreira e salário justo – são inerentes à qualidade da educação e caminham juntas com a organização e gestão do trabalho com garantias de dignidade na profissão. Devem integrar-se como direitos dos professores, e não como processos que punem ou recompensam, como as propostas de cunho gerencial.

Precisa, dessa maneira, ser planejada considerando-se as necessidades formativas, que se vinculam aos interesses relacionados aos conhecimentos teóricos e práticos de cada professor, individualmente, e aos interesses inerentes ao grupo, ou categoria, ao qual pertencem (NUÑEZ, 2004). Os estudos de Hewton (1988) mencionaram algumas necessidades formativas sugeridas por professores – relativas aos estudantes (problemas de aprendizagem, motivação,

disciplina, heterogeneidade, avaliação), ao currículo (novos planos curriculares), dos próprios professores (ligadas à pessoa e à profissão), e da escola, as quais se impõem a seu trabalho.

Reconhecendo essa classificação, os sistemas de ensino devem extrair dela as demandas formativas relacionadas à quantidade de professores que precisam de formação, em atendimento a suas reais necessidades. Estas podem guiar as decisões sobre a formação, ajustando-a as mudanças, que requerem cada vez mais criatividade nos processos de formação de professores em termos de profissionalidade e profissionalização (RAMALHO; NUÑEZ, 2001). Com esse entendimento e com o que mostram outros estudos sobre a política nesse campo da educação, analisamos os dados empíricos desta pesquisa. Neste núcleo de significação – as necessidades formativas dos professores da rede municipal de ensino e o PAR –, tomamos como indicador: a formulação do PAR, as necessidades e demandas formativas dos professores do núcleo de significação.

6.1.1 A formulação do PAR, as necessidades e demandas formativas dos professores

O PAR de 2007 requereu, no momento de sua formulação, o levantamento situacional do município em todas as dimensões. Quanto à formação de professores, as questões pontuais abordadas no diagnóstico evidenciaram ações que o município de Mossoró-RN estava desenvolvendo, com ou sem a parceria do MEC, relacionadas a diferentes etapas e modalidades de ensino. Esse aspecto se repetia quanto à atribuição da pontuação aos indicadores, direcionada tanto para a demanda de ações quanto para quantitativo daqueles que tinham ou não formação inicial e/ou continuada correspondente às etapas e modalidades de ensino.

Alguns sujeitos pesquisados informaram que os dados levantados sobre a formação docente por ocasião do diagnóstico não correspondiam às necessidades formativas, mas à demanda de cursos que era apresentada. Jacinto (2015) relatou que “[...] cada segmento tinha representantes, e aí eles faziam o levantamento baseado nos dados que a própria Secretaria pegava, então a Secretaria não ia na escola fazer essas consultas pra gente”. Hortência (2015) complementou, dizendo: “[...] o PAR deveria ser mais democrático, né? Porque, na realidade, a gente encaminhava aquelas demandas para as escolas, mas não tinha aquela democracia de formar aquele comitê gestor pra fazer um estudo de caso”.

Percebemos, assim, que não houve uma estratégia de mobilização para levantar as reais necessidades formativas, na formulação do PAR. A Secretaria Municipal de Educação (SME), mediante informações fornecidas pelos gestores escolares, fez apenas um levantamento dos cursos em desenvolvimento na rede e dos que ainda deveriam ser realizados, mas sem nenhuma

discussão coletiva, conforme expressou Hortência (2015). O levantamento ocorreu com base em indicadores e resultados que cada escola expunha nos processos de avaliação. Os aspectos negativos foram considerados problemas que poderiam ser resolvidos pela formação. Helena Costa Lopes Freitas (2012) apontou que a formulação e a implementação de políticas de formação pautadas unicamente por resultados de avaliações de rendimento dos estudantes ressaltam o caráter instrucional do ensino e a concepção meritocrática, hierárquica, subordinada e tutorial do trabalho docente.

O que a Secretaria realizava como levantamento da demanda de cursos, atendendo a determinados indicadores, não correspondia às necessidades de formação (fragilidades da aprendizagem e da prática docente) nem a demandas formativas (ações que visam atender às necessidades de formação). Estas, segundo Nuñez e Ramalho (2007), devem ser categorias estruturantes dos programas formativos, por isso devem ser consideradas pelos planejadores. Muitas vezes, elas são negligenciadas, em razão de nem sempre os professores terem consciência das necessidades inerentes às exigências do mundo do trabalho.

O levantamento das demandas e necessidades formativas dos professores poderia ser realizado em fóruns de discussão da prática docente com a participação de todos os profissionais de educação. Em espaços como estes, professores devem ter oportunidade de expressar o que realmente necessitam aprender para melhor desenvolver o trabalho pedagógico. A Secretaria Municipal de Educação poderia desenvolver nos fóruns estratégias de reflexão sobre as condições de trabalho, o novo perfil do profissional e os processos individuais de aprendizagem dos docentes e dos estudantes.

Questionando a própria prática a partir de concepções políticas e teóricas, os professores poderão reconhecer suas novas necessidades formativas que demandam cursos voltados para melhoria do seu trabalho. Insistimos, pois, em que os objetivos dos cursos de formação devem responder às necessidades identificadas pelos professores, e não simplesmente a um levantamento superficial da Secretaria de Educação com base em indicadores obtidos em avaliações externas às escolas.

Os indicadores do PAR nem sempre representavam na íntegra a realidade. Esse aspecto é assim esclarecido por Margarida: “[...] no PAR, às vezes tinha algumas coisas que não se adequava muito a nossa realidade, mas que a gente focava naquela mais próxima, e foi uma coisa que veio fortalecer, porque foi uma forma de validar mais a formação.” (MARGARIDA, 2015). A entrevistada enfatiza ainda que “[...] o PAR se constituiu um complemento das ações que fortaleciam a formação, visto que muitas já estavam em desenvolvimento no município”.

Mesmo ressaltando o fortalecimento, principalmente o financeiro, por parte do MEC, em alguns cursos, a entrevistada reconhece as fragilidades do planejamento desse programa no tocante à seleção da pontuação dos indicadores, que foi realizada por aproximação à situação em avaliação. Com essa lógica, verificamos que os mecanismos legais da política de formação de professores do município, inclusive o PAR, consideram as demandas de formação provenientes de dados técnicos, em detrimento das necessidades formativas. Margarida (2015), então coordenadora do PAR, reafirma esse entendimento ao enfatizar que:

Nós tínhamos indicadores que apontavam quais as necessidades maiores na formação continuada. Eu não vou garantir que houve um acompanhamento tão detalhado junto às escolas, mas pelos números que nós tínhamos e pela realidade das escolas, da demanda de professores que tínhamos, a formação foi detalhada com um olhar bem específico e bem dentro da realidade.

A fala revela que a ênfase do planejamento não recai sobre as necessidades formativas de natureza pedagógica do trabalho docente, dos processos de ensino e de aprendizagem. Para Formosinho (2009), a formação voltada para o desenvolvimento profissional deve articular-se ao desenvolvimento curricular e organizacional da escola, pois são processos indissociáveis. Isso implica promover uma política de formação que envolva os professores nos processos curriculares, nos programas de melhoria de aprendizagem, contemplando metodologias de ensino e aprendizagem.

Dentre os entrevistados, somente dois demonstraram compreender que as necessidades de formação emanam tanto dos professores quanto das instituições nas quais eles atuam e que, no processo de formulação do PAR, esse aspecto não foi considerado como deveria. Hortência (2015) declarou que “[...] Ele é que tem que dizer o que realmente precisa. Então, naquela época a gente não fez assim: reuniões por áreas de conhecimento – só com professor de Português, só com professor de Matemática –, entende?”. Jacinto (2015) reforça esse posicionamento ao criticar a formulação dos cursos promovidos pela SME enfatizando que: “A rede municipal oferece algumas capacitações – ‘oferece’, entre aspas. Existem algumas parcerias – universidade e tal –, mas a rede convoca capacitações não que sejam elaboradas, que sejam pensadas pela rede; são coisas que tem muitos cursos on-line que se faz”.

Esse depoimento também denuncia que não só a Secretaria Municipal de Educação de Mossoró desconsidera as necessidades formativas dos professores, mas também o próprio MEC, que promove cursos em parceria com as universidades. Neles, prevalece o caráter tecnocrático da política de formação de professores instituída no Brasil. Entendemos, com base em Nuñez (2004), que as demandas dos cursos deveriam originar-se da reflexão sobre as

necessidades formativas, porque a formação é um processo permanente, sistematizado, planejado e fundamentado nos desafios e nos atributos da profissão. Requer que os sistemas de ensino executem programas de formação que considerem os níveis de desenvolvimento profissional dos professores, suas experiências, necessidades individuais e coletivas emanadas da prática. Devem, pois, orientar-se por referenciais teóricos que permitam questionar a ação e aperfeiçoar o trabalho docente.

Para isso, é necessário considerar a escola como lócus gestacional de formação docente, por ser ela o espaço institucional e profissional que pode articular-se com instituições formadoras e de pesquisa, como as universidades (PIMENTA, 2008). Esses centros, ao considerarem a realidade das escolas, podem contribuir para a atualização dos currículos e promover cursos de formação inicial e continuada que correspondam às necessidades formativas, as quais repercutirão na qualidade do trabalho docente e na aprendizagem dos estudantes. De acordo com Macêdo (2012), no Brasil tem prevalecido a ausência de articulação entre as escolas de ensino básico e as universidades, que atuam prevalecendo à forma hierárquica, com destaque para as universidades. As escolas são vistas somente como campo empírico de pesquisa pelas universidades, e sequer os resultados são divulgados, com retorno das análises atinentes às informações colhidas.

É, portanto, premente a construção de novos processos formativos, que se articulem às exigências e às necessidades do mundo atual, para atender à qualificação profissional docente correspondente às relações sociais e aos embates no plano estrutural e conjuntural (FRIGOTTO, 1996). Sabemos que o ambiente externo influencia diretamente o trabalho pedagógico e a apropriação pelo professor de novas aprendizagens para melhor lidar com os problemas do cotidiano. Esses aspectos, que deveriam fazer parte do planejamento e da implementação da política de formação de professores, não foram priorizados na formulação do PAR em Mossoró- RN. Tem-se, assim, um plano técnico e sem referência direta com a realidade dos docentes, mas que se limita a executar orientações do MEC. Concordamos com Freitas (2002) ao associar a política de formação aos

[...] processos de avaliação de desempenho e de competências vinculados ao saber fazer e ao como fazem em vez de processos que tomam o campo da educação em sua totalidade, com seu status epistemológico próprio, retirando a formação de professores do campo da educação para o campo exclusivo da prática. (FREITAS, 2002, p.161).

A associação das necessidades formativas dos professores aos indicadores quantitativos obtidos no monitoramento dos mapas escolares confirma, no município de Mossoró-RN, uma política de formação de professores que tem na certificação de competência e na avaliação e o controle dos resultados sua centralidade. É necessário um reconhecimento por parte da rede de ensino de que a formação de professores, antes de impactar os resultados, precisa impactar os processos de aprendizagem dos professores e, consequentemente, o contexto de suas práticas.

Com esse entendimento, a política verticalizada do MEC assegura o direito social à formação inicial, mas, contraditoriamente, a formação continuada segue padrões fixos de conteúdos que nem sempre se ajustam a realidade local. As redes de ensino ficam impossibilitadas de processar as devidas adaptações para assegurar o atendimento das necessidades de formação dos professores.

6.2 REPERCUSSÃO DAS AÇÕES DO PAR DE MOSSORÓ-RN NA FORMAÇÃO DE

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