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PARTE II – O CHÃO

2.4 O ouro e o batismo de uma região

2.4.4 A Guerra dos Emboabas

Um provérbio antigo dizia que: “Os conflitos sempre se originavam por causa de uma das três barras: barra de córrego, barra de ouro ou barra de saia.” Foi por

causa da “barra de ouro” que a Guerra dos Emboabas aconteceu. Sabemos que foram os paulistas, naturalmente, depois dos aborígenes, os primeiros habitantes das Minas. Por parte

47 Trabalhavam-se nas faisqueiras catando-se, primeiramente à mão, o ouro que se apresentava em pepitas

maiores. Depois, era necessário empregar meios mais trabalhosos para a separação do ouro do cascalho e da areia. Isso era feito com o desvio do curso das águas dos rios e córregos, construindo cercas de madeira para as catas. Nessa parte do leito do rio se fazia uma cata à mão e depois se utilizava a bateia. O método mais utilizado, nessa segunda fase era o da lavagem do ouro, como descreveu Pitta: “Hoje já se não usa muito de catas, e se tira oiro por mui diferente modo, porque mettem aguas em cima dos montes cheios de oiro que há n’aquelles paizes, e cavando, ou desmontando (como lá se diz) a terra dentro da mesma agua, a leva de sorte, que fica sómente o cascalho em que está o oiro, e este o lavam com a mesma agua em fórma de canoas que fazem pissarra, e mechendo o cascalho com o almocafre onde a agua o leva, deixando o oiro.” (1880, p. 147).

O ouro era também procurado nos tabuleiros e nas grupiaras das montanhas e elevações. Antonil (1982, p. 187 descreve com muita clareza “o modo de tirar o ouro das minas do Brasil”: 1 – Ouro de aluvião: recebeu essa

denominação porque se misturava a outras substâncias como argila, areia; acumuladas pela erosão; 2 –

Faisqueiras: eram depósitos de ouro nos cursos de água, ou em suas margens e eram chamadas assim porque o

ouro se apresentava em grãos e folhetas tão grandes que faiscavam ao sol; 3 – Tabuleiros: eram terrenos secos às margens dos rios, de onde se podia extrair ouro em concentrações de cascalho; 4 – Catas: poços ou elevações feitas no curso da extração do ouro em cascalho; 5 – Bateia: instrumento de madeira, em forma de gamela usado na mineração para separar ouro de areia: funcionava como uma espécie de centrífuga manual; 6 – Grupiaras: fendas na encosta dos morros ou montanhas onde se explorava ouro.

deles gerou-se, a partir do início da exploração do ouro, um movimento de proteção às minas que, por direito, deveriam pertencer aos seus descobridores. Uma Carta Régia, de 7 de Fevereiro de 1701, ordenava ao Governador Artur de Sá e Menezes que não permitisse a entrada de mais gente nas minas – sinal evidente que muitas pessoas, para além dos descobridores, acorriam às fontes auríferas.

No entanto, em 1705, o monarca sabendo que a região das Gerais produzia quantidades substanciais de ouro, revogou as ordens proibitivas e franqueou os caminhos para as minas, causando grave descontentamento “aos descobridores” – os Paulistas.

Estes julgavam-se “donos” das regiões mineradoras, já que tiveram precedência em sua ocupação. Os que vieram depois deles eram sempre alvo de preconceitos e hostilidades. Eram chamados de “emboabas”48, palavra que, conforme alguns historiadores,

significava “forasteiro”, e para outros significava “aves de pés cobertos”, numa referência irônica às botas usadas pelos portugueses, em contraste com os pés descalços dos mamelucos paulistas.

A descrição histórica dos eventos que estreitaram a oposição entre ambos os grupos é um tanto confusa. Leite (1942, p. 36) lembra que “os paulistas não se podiam convencer, e nem ver sem uma profunda indignação, que viessem estranhos estabelecer-se nas ricas terras descobertas por eles e por eles exploradas com fadigas e trabalhos descomunais”. Ao que parece, a rivalidade originou-se devido ao fato de que alguns

forasteiros passaram a auferir um montante enorme de lucros advindos do comércio para o abastecimento das Minas.

Em decorrência disso, eles cresceram em prestígio e influência na região. Conforme Vergueiro (1982, p. 22), uma série de incidentes relacionados ao domínio da região tornaram o confronto inevitável. Manuel de Borba Gato tornou-se o líder dos paulistas e Manuel Nunes Viana, o líder dos emboabas. Em 1707, dois chefes paulistas foram linchados pelos emboabas no Arraial Novo. Dentro desta animosidade, os emboabas limitaram os paulistas na região do Rio das Mortes e seu líder foi proclamado governador em 1708. O emboabas, com a finalidade de desalojar os paulistas desse último reduto, convidaram-nos a deporem as suas armas sob garantia de vida; mas não cumprindo o prometido, os emboabas massacraram os prisioneiros no local que passou a ser chamado “Capão da Traição”.

48 O termo “emboaba” surgiu escrito pela primeira vez por Antonil (1λ82, p. 165). Quando ele descreveu a

ligação do Caminho Novo do Rio de Janeiro com o Caminho de São Paulo: “ali está um fortim com trincheiras e fosso, que fizeram os Emboabas.” (BARREIROS, 1979). O vocábulo tem o significado de amô-aba, o homem

de lá, o estranho, o estrangeiro. (LEITE, 1942). Nisso concorda Pitta (1976), quando diz que os paulistas chamavam de emboabas a todos os que não saíram de sua região.

A situação dos paulistas piorou ainda mais quando estes foram atacados em Sabará. Após seu sucesso no ataque contra os paulistas, Nunes Viana foi tido como Governador Interino das Minas Gerais em 1708. Mas este, por ordem do governador do Rio de Janeiro, teve que se retirar para o rio São Francisco. Descontentes com o tratamento que haviam recebido pelo grupo liderado por Nunes Viana, os paulistas, desta vez sob a liderança de Amador Bueno da Veiga, formaram um exército que tinha como finalidade a vingança do massacre de Capão da Traição.

Após o confronto que durou uma semana foi, então, criada a nova capitania

de São Paulo e Minas do Ouro, e, com sua criação, adveio a paz entre os opositores. Foi por

intermédio do governador do Rio de Janeiro, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, em 1709, que sem os privilégios desejados e sem forças para guerrear, os paulistas tiveram que decretar a retirada da região. Essa retirada dos paulistas proporcionou a descoberta de novas jazidas de ouro, nos atuais Estados do Mato Grosso e Goiás. Como consequência da Guerra dos Emboabas os historiadores destacam a regulamentação da distribuição de lavras entre emboabas e paulistas e, também, a regulamentação da cobrança do quinto; a organização das Capitanias de São Paulo e das Minas de Ouro que passaram, desde então, a ser ligadas diretamente à Coroa e não mais ao Governador do Rio de Janeiro.