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PARTE II – O CHÃO

2.5 Os Diamantes

A realização do sonho de conquistar o Paraíso Terreal estava apenas começando para a Côroa Portuguesa. Não havia esmeraldas, mas havia diamantes49.

49 Conforme o Ferreira (1988), o diamante é uma pedra preciosa de grande brilho formada por carbono puro

cristalizado. Por sua beleza e raridade, é a mais apreciada das pedras preciosas; sua dureza permite utilizá-la em certas operações industriais, como no corte do vidro, na perfuração das rochas duras etc. O homem conhece o diamante há milhares de anos. O diamante é utilizado desde os tempos bíblicos como adorno: uma das doze pedras preciosas que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) usava o Choshen (Peitoral) do Efod (veste do Sumo Sacerdote), representando as doze tribos de Israel, era um diamante. “Os diamantes foram descobertos apenas no segundo quartel de Setecentos, na região de Serro do Frio, em 1727 e 1728 respectivamente. Esta região é uma das mais acidentadas e montanhosas da capitania, com montes pedregosos e despenhadeiros profundos e com um clima úmido e frio e ventos fortes, ‘capazes de derrubarem homens e animais nas gargantas da serra e de tonteá-los pela impenetrabilidade de seus nevoeiros de densidade inaudita’.” (LIMA JÚNIOR, 1945, p.16). Nas

palavras de Burton: “O diamante, dizem os velhos autores, une todas as perfeições: limpidez fulgurante, brilho lustroso – resultado de sua dureza – as cores acidentais do arco-íris, reflexos que vêm e vão com a vivacidade do raio, e, finalmente, tem ‘tantos fogos quanto facetas’.” (1977, p. 120). Já Mawe lembra que: “Os diamantes são de tal maneira desejados e tão facilmente ocultáveis, que há quem os procure e os carregue, contravindo às leis existentes..” (1978, p. 175).

Os historiadores narram que os primeiros diamantes foram descobertos por volta do ano de 1714, quando um faiscador chamado Francisco Machado Silva, ao partir blocos de cristal para fazer um fogão, encontrou uma pedrinha dura e clara que guardou como mera curiosidade. Mais tarde ofereceu-a de presente a Luis Botelho de Queiroz, no Serro Frio. Posteriormente ele encontrou outras “pedrinhas” no córrego do Mosquito perto desse local. (ZEMELLA, 1951, p. 36).

Em 1726, D. Lourenço de Almeida, provavelmente já sabendo da existência das “pedrinhas”, nada comunicou à coroa e, ao que tudo indica, parece que até tentou ocultar o fato. Os diamantes eram encontrados no leito dos rios e córregos da região, aparecendo também nas margens e gargantas das montanhas, misturados aos cascalhos e conglomerados ferruginosos.

Somente em 1729, D. Lourenço de Almeida resolveu comunicar o fato à Coroa. Logo que a Corte Portuguesa teve notícia do aparecimento dos diamantes na comarca do Serro Frio, por carta régia de 9 de fevereiro de 1730, ao mesmo tempo que se estranhava a D. Lourenço por ter sido tardio em fazer esta comunicação a El-Rei, foi ele investido de poderes amplos e ilimitados para regular e providenciar sobre este novo e importante ramo de rendimentos que, em breve, ia enriquecer ainda mais a fazenda real. (SANTOS, 1958, p. 61). Ordenou ao governador que expulsasse todas as pessoas que estavam nos terrenos declarados diamantíferos, delimitando o território e demarcando-os como propriedade da coroa.

Por esta Carta Régia de 16 de março de 1731, todos os antigos moradores que mineravam na região tiveram que abandonar as suas lavras, porque os diamantes passaram a ser explorados pela Metrópole, diretamente, ou através do contratador. O Distrito foi, então, demarcado e a Coroa procurou dificultar o acesso às lavras implementando caríssimas taxas de capitação.

Segundo o historiador Joaquim Felício dos Santos em Memórias do Distrito

Diamantino da Comarga do Serro Frio (1958), a descoberta do ouro na região do Serro Frio,

em fins do século XVII, atraiu um número imenso de aventureiros em busca de enriquecimento. Por isso, quando foram encontrados os diamantes, a Coroa Portuguesa logo decidiu restringir o acesso à região das lavras diamantíferas, a partir de 172.

Em meio a Te Deums, procissões e festa foi que os portugueses celebraram este grande acontecimento. Ainda que o primeiro registro da descoberta da pedra preciosa tivesse sido anunciado em 1714 e que, estas pedras tivessem servido anteriormente para marcar os pontos em jogos de cartas, de agora em diante tudo estava mudado na região do Serro Frio.

A notícia correu mundo. Novamente aventureiros e exploradores acorreram em grande número para a região nordeste de Minas. Em 1734, o Arraial do Tijuco tornou-se centro oficial da Demarcação Diamantina porque nele foi criado a Intendência dos

Diamantes, com uma severa legislação, arbitrária e repressiva colocada pela Coroa

Portuguesa. Assim, a área foi isolada do restante da capitania, com a proibição da entrada de forasteiros desautorizados pela Intendência.

Conforme Furtado (2008), com a proibição da exploração dos diamantes, e a criação de uma administração própria para a região, para o Distrito Diamantino, a entrada só podia ser feita pelos registros de Caeté-Mirim, Rabello, Palheiro, Pé do Morro, Inhacica e Paraúna. No ano de 1771, devido às fraudes e contrabandos, a Coroa assumiu a extração e a comercialização dos diamantes, na tentativa de um total e efetivo controle.

Através do Regimento Diamantino, editado em agosto de 1771, que ficou conhecido como O Livro da Capa Verde, a Coroa criou uma administração própria que recebeu o nome de Junta Diamantina, composta por um intendente, um fiscal e três caixas. Esta era subordinada a uma Administração Diamantina sediada em Lisboa.

Com a criação do Distrito Diamantino, em 1733, única área demarcada em que se podia explorar legalmente as jazidas, inicialmente, a exploração era livre, mediante o pagamento do quinto e da capitação sobre o trabalhador escravo, posteriormente, a partir de 1739, a livre extração cedeu lugar ao sistema contratual, que deu origem aos ricos contratadores, como João Fernandes, estreitamente ligado à figura de Chica da Silva50.

Dentro dessa sociedade, predominava a corrupção e havia muitos indivíduos que se aproveitavam de sua posição e influência para acobertar o contrabando e fazer desviar enormes quantidades de diamantes. Por isso houve delação e perseguição, culminando com a Inconfidência. Salvador (1992, p. 125) salienta que depois da criação do Distrito Diamantino, desenvolveu-se ali “um regime draconiano com reflexos na sociedade local, no povoamento e

50 Chica da Silva foi uma ex-escrava casada não oficialmente com o contratador de diamantes João Fernandes de

Oliveira. Filha de um relacionamento extraconjugal de um português com uma escrava, ela nasceu, provavelmente em 1732, no arraial de Milho Verde, e é uma das personagens mais famosas do Brasil colonial. Recebeu a alforria em 1753, por solicitação de seu protetor e tornou-se uma das pessoas mais ricas e poderosas do Arraial do Tijuco. Teve 13 filhos com João Fernandes de Oliveira e 1 filho com o médico Manuel Pires Sardinha que a conheceu quando era ainda escrava. Desfrutando de imenso poder e riqueza passou a ser respeitada e chamada de “Chica que manda”. Ela costumava ir à igreja coberta de diamantes e acompanhada por 12 mulatas muito bem vestidas. O contratador satisfazia aos seus mínimos desejos e Chica vivia de maneira luxuosa. Chica da Silva pode adquirir uma cultura letrada, conforme os contatos de seu marido e a posição que ocupava numa sociedade escravagista, sendo uma ex-escrava. Tudo indica que o relacionamento entre Chica da Silva e João Fernandes só não foi totalmente convencional porque a sociedade hierárquica daquele período impedia a legalização de matrimônio entre pessoas de origens e condições tão desiguais. Embora tenha sido omitida do morgado e dos testamentos do desembargador, Chica sempre esteve presente nos seus pensamentos após o retorno a Portugal, seu zelo se manifestou no cuidado que dispensou aos filhos, os quais procurou encaminhar da melhor forma possível. (FURTADO, 2003, p. 244).

na economia”. Para entrar e sair era preciso pedir licença e as lojas e tabernas deviam ficar a

cinco léguas de distância e em constante vigilância dos militares para impedir o descaminho do ouro e dos diamantes.

Diante das irregularidades e do desvio dos impostos, além do alto valor que alcançavam as pedras na Europa, em 1771, foi decretada a régia extração, que contava com o trabalho de escravos alugados pela Coroa. Com a fixação do monopólio pela Coroa, houve, então, o aparecimento da atividade ilegal dos garimpeiros51.

Posteriormente, com nova liberação da exploração, foi criado o Livro de

Capa Verde, contendo o registro dos exploradores, e o Regimento dos Diamantes, procurando

disciplinar a extração. Contudo, o monopólio estatal sobre os diamantes vigorou até 1832.