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CAPÍTULO III – ASPECTOS GEOGRÁFICOS DA ESTRADA REAL

3.3 Os caminhos do ouro

A descoberta e a exploração do ouro em Minas Gerais provocaram uma rápida transformação dos eixos principais de circulação do Brasil e um reordenamento completo do espaço brasileiro. A grande população das Gerais exigia a necessidade de um mercado abastecedor abrangente com o comércio de gêneros alimentícios, utensílios e escravos. Por isso, despontou a figura do tropeiro e das tropas79.

Freireyss observou que:

Todos os dias passavam 220 a 250 mulas que, em lotes, vinham de Minas Gerais, carregadas com toucinho, algodão, queijos, café e açúcar; outras, vindas do Porto de Estrela, carregavam sal, ferro e mercadorias inglesas de toda a espécie. Sem as mulas este comércio seria impossível, porque os cavalos não resistiriam. A carga de cada animal costuma ser de 250 a 300 libras e é arrumada dos dois lados, sobre uma cangalha formada com capim. Com este peso o animal aguenta uma marcha de 5 a 8 horas. Nos pousos tiram-se-lhe as cangalhas, que são empilhadas nos muitos ranchos abertos que existem à beira da estrada, próximas das casas dos fazendeiros. Estes lucram com isso, porque os tropeiros têm de comprar deles o milho de que precisam. Os animais são soltos em um pasto, se a chegada for cedo, porque à tarde eles voltam por si para comer o milho, que se lhes dá em um saquinho adaptado ao pescoço e no qual mergulham o focinho. Depois desta refeição, em geral às Ave- Marias, tornam a ir para o pasto, onde passam a noite. (1982, p. 20, 24).

Por mais de dois séculos os tropeiros foram o principal meio de comunicação entre as regiões brasileiras, constituindo um grupo de comerciantes ambulantes que percorriam os caminhos entre Minas e o restante do Brasil. Os tropeiros caminhavam pelas trilhas e caminhos do ouro, conduzindo as tropas pelas fazendas e vilas. Carregavam

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As tropas constituíram o principal meio de transporte terrestre de mercadorias do Brasil. Pousando em velhos ranchos de sapé, cada dia em um lugar diferente, iam estabelecendo relações e encurtando as distâncias trazendo novidades de um lugar para o outro. Cada tropa tinha um líder, que era o proprietário dos animais, conjugando a função de tropeiro ou arrieiro com o comércio. O tropeiro gozava de simpatia e era uma figura bem acolhida e esperada nos vilarejos e nas fazendas. Os tropeiros compravam nas vilas e cidades do litoral, gêneros alimentícios variados, fazendas e utensílios de toda a espécie e os levava para o interior, lucrando muito com as vendas. (ZEMELLA, 1990, p. 152). As tropas eram divididas em lotes (porções de cargueiros que variavam conforme a região: 9 mulas em Minas; 11 em Goiás e 7 no Rio de Janeiro) que eram conduzidos por um

“camarada” (tocador ou tangedor). Fazia parte da tropa um cozinheiro e também um cão de guarda. Havia uma

distinção interessante que estabelecia que se a tropa tinha mais de 5 lotes, ela era considerada de primeira categoria, e a madrinha (um animal mais velho que ficava à frente) era enfeitada de prata e cheia de campainhas e sinetes, espelhos, laços coloridos e fitas com peitoral cheio de guizos. (RIBAS, 2003, p. 99 -102). A duração das viagens era conforme a procedência das tropas. Os paulistas viajavam até o meio-dia, ou estendiam, quando muito, até uma hora ou duas da tarde, conforme a temperatura. Já, os baianos caminhavam até 3 horas da tarde. Os mineiros caminhavam enquanto o sol estava posto. Suas roupas, seu feijão-tropeiro, suas frases, seus ditados ficaram marcados na cultura brasileira. Dentre eles: “Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha; boas ideias e burros mancos chegam sempre atrasados; dar com os burros n’água; cor de burro quando foge; picar a mula; é burrice; estar emburrado; desembestar; teimoso como uma mula; é uma bruaca; cagar na retranca; é bom pra burro; de pensar morreu um burro”. (MAIA & MAIA, 1981, p. 40).

toda a mercadoria em tropas de burros. Eles também funcionavam como banco (trocando dinheiro por ouro) e jornal (levavam e traziam notícias).

Figura 08 – Caminhos do Ouro

Fonte: JOFFILY, B. 1998.

A busca pelo enriquecimento fácil atraiu também para os caminhos das Minas bandidos e ladrões que ficavam à espreita da passagem dos comerciantes ricos e das tropas que transportavam mercadorias para o abastecimento das vilas e também ouro e pedras preciosas para os portos escoadouros da Colônia. Souza (2004, p. 277) inclui que “nos

difíceis e perigosos caminhos daqueles tempos era muito comum morrer gente assassinada por bandidos ou pelos companheiros de viagem por causa recusa em dividir o ouro conquistado.” Araújo (2000, p. 72) recorda que, em 1728, Dom João V ordenou que se

prendessem “as pessoas facinorosas”. Isto fez com que muitos se refugiassem nos matos. As

“pessoas facinorosas” eram identificadas como ladrões de gado e “formigueiros”, ou seja, ladrões de coisas de pouco valor.

Nas regiões mais densamente povoadas dos caminhos do ouro atuavam as quadrilhas de assaltantes que roubavam e assassinavam as suas vítimas. Havia também

garimpeiros clandestinos que, em bandos, enfrentavam violentamente as tropas oficiais, tal como a quadrilha de salteadores liderada por Montanha ou o bando de Mão de Luva80.

Os oficiais da Coroa descobriram a quadrilha em 1783 e essa foi perseguida por uma força militar que incluía o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Então, as autoridades tomaram conhecimento que os assassinados eram contrabandistas de ouro e de diamantes que viajavam disfarçados de mascates e caixeiros-viajantes respeitados em suas comunidades. Campos (2007, p. 21) destaca que há muitas controvérsias históricas ligando essa lenda a um garimpeiro português de nome Manoel Henriques, que teria fugido da região aurífera de Minas Gerais e atravessado o rio Paraíba do Sul a fim de procurar ouro na região do atual município de Cantagalo em 1780.

O cobiçado sertão mineiro aos poucos foi sendo devassado e a afluência de tanta gente, juntamente com a eclosão do comércio e a necessidade de transporte fizeram surgir caminhos e estradas que se tornaram importantíssimas para o estabelecimento de contatos e o escoamento das riquezas. Dentre esses caminhos destacamos os itinerários direcionados para a Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Na passagem de seiscentos para setecentos, a região das minas já estava intensamente ligada a Salvador, sede do governo colonial até 1763. Vários caminhos ligavam o Recôncavo Baiano à área produtora das riquezas minerais, funcionando como elo para o escoamento da riqueza advinda das Gerais e para o abastecimento de escravos, gados e variados mantimentos, oriundos ou comercializados a partir do litoral. A ligação entre a Bahia81 e as regiões auríferas foi muito

anterior à descoberta do ouro. Tal ligação foi realizada de sul para norte, pelas bandeiras paulistas do século XVII.

A estrada do sertão do rio de São Francisco, chamada por Antonil e por muitos outros autores de Caminho da Bahia, apresentava grande vantagem para os viajantes

80 O lendário Mão de Luva foi um excelente exemplo dos homens que exploravam ilegalmente ouro nos sertões

proibidos. O viajante von Tschudi (1980, p. 83) em seu relato assim o descreve: “era um audacioso mulato que perdera uma das mãos em luta com um pelotão de soldados que o tinha surpreendido em sua atividade. Em lugar da mão perdida, usava uma luva cheia de algodão”. Daí a alcunha de “Mão de Luva” No dizer de

Anastasia (2000, p. 118), “os boatos, e o medo cresciam”. A quadrilha de assaltantes comandada pelo Mão de Luva nos sertões da Mantiqueira assustava a todos pelos caminhos a extraviar o ouro. Mão de Luva viera das

Minas para a Cachoeira do Macacu, na Capitania do Rio de Janeiro com dois irmãos e um sobrinho. Ele era alto e ficava à entrada do descoberto, lugar rodeado de “impenetrável serraria” com uma pistola debaixo do braço e uma espada na mão que lhe sobrara. Os seus homens eram repartidos em companhias para os roubos e, no final de semana, tudo era repartido. (ANASTASIA, 2005, p. 97).

81 A importância dessa via de ligação entre Salvador e Minas foi por sido a principal via de abastecimento de

mantimentos e, principalmente, de animais para o interior mineiro. Foi também essa estrada da Bahia que se revelou como via de acesso para o contrabando e a ilegalidade, graças à abertura frequente de trechos não autorizados pela Coroa, maior facilidade de trânsito e menor vigilância por parte dos agentes oficiais. (ZEMELLA, 1990, p. 134).

que dela dependiam para alcançar a região mineradora. Este assim descreveu o roteiro do caminho da Bahia para as Minas Gerais:

Partindo da cidade da Bahia, a primeira pousada é na Cachoeira; da Cachoeira vão à aldeia de Santo Antônio de João Amaro e daí à Tranqueira. Aqui divide-se o caminho, e tomando-o à mão direita, vão aos currais do Filgueira, logo à nascença do rio das Rãs. Daí passam ao curral do coronel Antônio Vieira Lima, e deste curral vão ao arraial de Matias Cardoso. Mas, se quiserem seguir o caminho à mão esquerda, chegando à Tranqueira, metem-se logo no caminho novo e mais breve, que fez João Gonçalves do Prado, e vão adiante até à nascença do rio Verde. Da dita nascença vão ao campo da Garça, e daí, subindo pelo rio acima vão ao arraial do Borba, donde brevemente chegam às minas gerais do rio das Velhas. Os que seguiram o caminho da Tranqueíra, à mão direita, chegando ao arraial de Matias Cardoso, vão longo do rio de São Francisco acima, até darem na Barra do rio das Velhas, e daí, como está dito, logo chegam às minas do mesmo rio. Mas, porque nesta jornada da Bahia uns caminham até o meio-dia, outros até as três da tarde, e outros de sol a sol, porei a distância certa por léguas destes dous caminhos da Bahia para as minas do rio das Velhas, que é a seguinte: Da cidade da Bahia até a Cachoeira, doze léguas. Da Cachoeira até a aldeia de João Amaro, vinte e cinco léguas. Da aldeia de João Amaro até a Tranqueira, quarenta e três léguas. Da Tranqueira caminhando à mão direita até o arraial de Matias Cardoso, cinquenta e duas léguas. Do arraial de Matias Cardoso até a barra do rio das Velhas, cinquenta e quatro léguas. Da barra do rio das Velhas até o arraial do Borba, aonde estão as minas, cinquenta e uma léguas. E são por todas duzentas e trinta e sete léguas. Tomando o caminho da Tranqueira à mão esquerda, que da Bahia até aí consta de oitenta léguas, são da Tranqueira até a nascença do rio Guararutiba trinta e três léguas. Da dita nascença até o último curral do rio das Velhas, quarenta e seis léguas. Deste curral até o Borba, vinte e sete léguas. E são, por todas, cento e oitenta e seis léguas. Este caminho da Bahia para as minas é muito melhor que o do Rio de Janeiro e o da vila de São Paulo, porque posto que mais comprido, é menos dificultoso, por ser mais aberto para as boiadas, mais abundante para o sustento e mais acomodado para as cavalgaduras e para as cargas. (1982, P. 186-187).

A respeito dessa rota Antonil teceu a seguinte comparação:

O Caminho da Bahia para as minas é muito melhor que o do Rio de Janeiro e o da Vila de São Paulo, porque posto que mais comprido, é menos dificultoso por ser mais aberto para as boiadas, mais abundante para o sustento, e mais acomodado para as cavalgaduras e para as cargas. (1982, p. 298).

Os descaminhos, marcantes e contínuos, levaram a Coroa Portuguesa a decretar, nos anos de 1701 e 1711, o fechamento do Caminho da Bahia e a controlar efetivamente o contingente de negros que eram enviados para as minas, sendo ainda necessário passaporte para todos os que quisessem ir a elas. No entanto, tais passaportes só seriam outorgados a pessoas idôneas e de posse. Essas medidas não chegaram a ocorrer de fato, pois tal caminho já havia consolidado sua importância no contexto das ligações até às Gerais, e o seu controle até as áreas de produção do metal precioso mostrava-se muito fluído e propício à abertura de picadas, fator esse que proporcionava a ilegalidade.

Em se tratando dos caminhos de São Paulo para o interior, o grande avanço na ocupação do território da colônia brasileira foi por causa dos paulistas direcionados para a busca de riquezas a todo e qualquer custo. Decididos ao aprisionamento do gentio e à busca do ouro, “foram eles os principais responsáveis pelo traçado continental do Brasil.”

(SIMONSEN, 1969). A influência paulista teve uma função modificadora na constituição da unidade nacional, graças ao papel decisivo dos piratininganos na expansão geográfica e na conquista do sertão.

O sertão, espaço mais simbólico do que o geográfico, situava-se então nas margens do “mundo conhecido”. A busca pelo sertão foi um empreendimento iniciado por Fernão Dias Paes, no decurso de uma longa caminhada de quase sete anos, Manuel Borba Gato e Antônio Rodrigues de Arzão, entre outros. Foram eles os primeiros a explorar as terras do interior entre São Paulo e Minas, em busca do ouro e das pedras preciosas, e a desbravar os caminhos. Muitos desses caminhos foram representados através de mapas rabiscados, chamados de “borrões de bandeirante”.

Figura 09 – Caminho dos Paulistas até as Minas

Os caminhos eram árduos e penosos para serem percorridos porque, além da intensa vegetação e dos acidentes, as dificuldades na alimentação e o dilatado tempo percorrido de São Paulo até as áreas das minas, mais especificamente até a Serra do Itatiaia82, dificultavam ainda mais a penetração no interior do Brasil.

O maior problema enfrentado pelos bandeirantes relacionava-se à complexidade apresentada pelas barreiras geográficas presentes no percurso. Antonil salientou que:

Até o pé da serra afamada de Amantiqueira, pelas cinco serras muito altas que parecem os primeiros muros que o ouro tem no caminho para que não cheguem lá os mineiros, gastam-se três dias até o jantar (...). Daqui começam a passar o ribeiro que chamam Passavinte por que vinte vezes se passa, e se sobe às sobreditas; para passar as quais se descarregam as cavalgaduras pelo grande risco dos despenhadeiros que se encontram, e assim gastam dois dias em passar com grande dificuldade estas serras. (1982, P. 281).

A Serra da Mantiqueira era habitada por diversos grupos indígenas que lá se encontravam: os Coroados, Carapós e, principalmente, os muito temidos Botocudos. Vencê- los ou domesticá-los, com as condições que a mata apresentava, era tarefa para poucos. Essas características causaram, como consequência, nos primeiros anos da ocupação desse sertão, o desinteresse dos comerciantes em implantar ao longo do seu traçado roças ou vendas para o comércio de frutas, verduras e outros mantimentos, assim como lugares para pouso e descanso. Porém, os poucos que se arriscaram a tal empreitada, tendiam a praticar preços extremamente abusivos devido à escassa oferta e à elevada procura. Antonil denunciou tal prática:

[...] em algumas delas hoje acha-se criação de porcos domésticos, galinhas e frangos que vendem por altos preços aos passageiros, levantando-o tanto mais quanto é maior a necessidade dos que passam. E daí vem o dizer que todo o que passou a Serra da Amantiqueira, ai deixou pendurada ou sepultada a consciência. (1982, p. 281).

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O Parque Nacional do Itatiaia está situado ao sul do Estado do Rio de Janeiro, abrangendo uma porção do 4º distrito do Município de Aiuruoca, Liberdade e Itamonte. As superfícies do Parque, nos dois Estados, são equivalentes entre si. O Itatiaia é uma seção da Serra da Mantiqueira, da qual se destaca aproximando-se, com suas encostas escarpadas, do vale do rio Paraíba, entre Resende e Queluz, nas cercanias a oeste do rio do Salto e a leste do rio das Pedras. O ponto culminante da Mantiqueira e do Brasil em geral é o Itatiaioçu, palavra altamente pitoresca, que pode ser interpretada como “pedra grande resplandecente”, pela forma semelhante a labaredas de seus três picos mais altos. O principal fica a 22º 38’ 45” de lat. Sul e 1º 30’ de long. Oeste do Rio de Janeiro. A Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro adota a altitude média de 3.140 m ou 10.300 pés. O Dr. Franklin da Silva Massena reduz o cálculo para 2.994 m e o padre Germain, do Seminário Episcopal de São Paulo, que o visitou em maio de 1868, aumenta-o para 2.995 m. (BURTON, 1983, p. 130).

Figura 10 – O Registro da Mantiqueira, na Passagem de Minas para São Paulo pela Garganta do Embaú – Mappa de toda a Extenção da Campanha: mostra os arraiais e freguesias que integravam o vasto termo da vila, com destaque para a povoação – sede, fundada em 1937 pelo ouvidor da comarca do rio das Mortes descrevendo o rio Grande e os limites da capitania de Minas, de 1799.

Entretanto, as penetrações paulistas em terras além da Mantiqueira precederam de muito a descoberta do ouro e remontam ao século XVII, quando estes paulistas estabeleceram a ligação entre os seus vilarejos e os sertões do São Francisco. O caminho que saía de Pinheiros e passava à leste de Jundiaí, enveredava na direção do rio Grande, dessa forma saltando esse rio, procurava-se a serra das Vertentes até o rio São Francisco. Esse trecho ficou conhecido pelo nome de Caminho Geral do Sertão.

A descrição desse caminho pode ser encontrada no Itinerário de Grimmer (Roteiro do Padre Faria) que o denomina como Estrada Real do Sertão.

Roteiro das minas de ouro, que descobriu o Padre Vigário João de Faria e seus parentes, e do mais que têm em si os Campos Defronte da Villa de Taubaté três ou quatro dias (...) de viagem, se achou o rio Sapucahy, e descendo de Taubaté para a Villa de Guaratinguetá tomando a Estrada Real do sertão, dez dias de jornada com cargas para a parte do norte sobre o monte de Amantiqueira, quadrilheyra do mesmo rio Sapucahy, achou o Padre Vigário João de Faria seu cunhado o Capitão Antonio Gonçalves Vianna, o Capitão Manoel de Borba e Pedro de Avos vários ribeiros com pinta muito boa, e geral de ouro de lavagem, de que trouxe amostra delle, a esta cidade, e das campinhas de Amantiqueira cinco dias de jornada, correndo para o Norte, e estrada também geral do sertão fica o Serro da Boa Vista, donde começa os Campos Geraes, té confinar com o da Bahia; advertindo que da dita Boa Vista até o rio Grande vão quinze dias de jornada pouco menos com cargas ao rio Grande, cuja as cabeceiras nascem dos morros, e Serros de Juruoca, de fronte dos quaes serros e Serros de Juruoca, de fronte dos quaes serros té o rio dos Gunhanhans, e um monte chamado de Ebitipoca tem dez léguas pouco mais ou menos de circuito, toda esta planície com cascalho formado de safiras e de frente do mesmo serro de Juruoca para a parte da estrada, caminho de Oeste pouco mais ou menos, estão umas serras escalvadas, na qual achou o dito padre Vigário safiras nativas em viveiros de pedros cavacadas: entre esta distância estão muitos montes escalvados pelos campos e muitos rios, e em um setes montes que se chama o Baependi se suspeita haver metal (...) e adiante passando o rio Igaray [Ingaí] se acha uma campina dilatada de mina (...) são os ditos campos fertilíssimos de toda a casta de caça, fructas agrestes (...) e de Ressaca dos Catagoás e Serro de Juruoca (...) do confina uma cousa com outro há de vir sair dos campos geraes o caminho para o Rio de Janeiro. (COSTA, 2005, p. 149).

A preponderância política do Rio de Janeiro tornou necessária uma ligação com São Paulo e com as minas recém-descobertas. A cidade carioca, até meados do século XVII, não dispunha de um caminho terrestre ou mesmo de uma picada que estabelecesse ligação direta com esses territórios, que se encontravam, já nessa fase, sob sua jurisdição. Alguns viajantes partiam do Rio de Janeiro rumo a Santos e de lá, utilizando o Caminho do Mar, iam até à vila de São Paulo, pegando aí o Caminho Geral dos Sertões. Daí dirigiam-se até as minas, tornando a empreitada demasiado duradoura e onerosa. Somente na segunda metade do século XVII, os viajantes passaram a utilizar um caminho misto (terrestre e marítimo) indo até Paraty e depois alcançando a vila paulistana. Essa via ficou conhecida como Caminho Velho.

Figura 11 - Roteiro do Caminho Velho Rio de Janeiro, São Paulo e Minas, 1707

Fonte: Sítio Histórico e Ecológico do Caminho do Ouro Paraty-RJ

A constituição desse caminho deu-se com o aproveitamento da trilha utilizada pelos índios Goianases que habitavam a região do vale do Paraíba. Partindo de território paulista, mais especificamente da cidade de Taubaté, essa trilha passava por Guaratinguetá, pelos Campos de Cunha, descia a Serra do Mar e chegava até Paraty, daí atingia a região de Sepetiba através do mar, completando o percurso até ao Rio de Janeiro por via terrestre. Em sentido contrário a estrada era a mesma até Guaratinguetá, sendo preciso tomar o caminho da direita até o Embaú, na Serra da Mantiqueira, para subir o Caminho

Geral dos Sertões até as minas, demorando três meses para completar o percurso. A primeira