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PARTE II – O CHÃO

2.3 Paulistas e Bandeirantes

As primeiras entradas para o interior partiram de vários locais junto à costa e seguiram os cursos dos rios em busca de ouro e das pedras preciosas. O apresamento de índios, necessários para o trabalho escravo, era prática corrente nos sertões, pelo menos desde as primeiras Entradas de Brás Cubas e Luís Martins em 1560. O viajante Tschudi (1953, p. 208) afirma que os paulistas eram “cruéis caçadores de índios no século XVII e no século

XVIII, cavadores de ouro, no seguinte, pacatos agricultores e criadores”, mostrando a

capacidade de adaptação desse grupo. “Os mineiros, descendentes em parte dos velhos

paulistas, os excedem em força, capacidade de trabalho, espírito justiceiro e amor à liberdade.”

As diligências de Cubas e Martins deixaram a baixada santista e adentraram o sertão pela trilha indígena (peaburus) que conduzia a São Paulo do Piratininga. Ambicionavam chegar até o Sabarabuçu. Ambos atravessaram a serra do Mar e a serra da Mantiqueira, parando nas proximidades da atual divisa de Minas com Bahia, em meio a uma situação de cansaço e doença. Retornaram com embornais cheios de amostras de minério, mas não de ouro. Todavia, em 1561, Martins encontrou ouro na serra do Jaraguá e anunciou que ele havia descoberto sozinho as minas, apresentando isso à Câmara de Santos. Brás Cubas não gostou e escreveu ao rei protestando, dizendo que fora com o seu patrocínio que as jornadas de Martins se efetuaram. Assim, até hoje não sabemos quem, de fato, foi o primeiro a encontrar ouro no Brasil.

Aliás, foi o próprio Brás Cubas30 a anunciar o achamento de algum metal no sertão de São Paulo, trazendo igualmente notícias da existência de esmeraldas. Assim, pode- se dizer que o primeiro ouro brasileiro foi encontrado na Capitania de São Vicente, por volta de 1560, e em Paranaguá (Paraná), por volta de 1570. A partir de então, muitas Bandeiras foram à procura das “esmeraldas” e de uma quase “mítica” serra de ouro, que muitos exploradores anunciavam ter visto. (SERRÃO, 1999, p. 306). Varnhagem endossa:

um espaço desconhecido, a ser conquistado e para onde se direciona o desertor, o colonizador. O último sentido de sertão se complementa com as demais significações, que por sua vez, caracterizam a colonização portuguesa no Brasil que, primeiramente, priorizou a ocupação da costa litorânea.

30 Principal fundador da cidade de Santos. Português, nascido no Pôrto e descendente de família ilustre. Veio

para o Brasil na armada de Martim Afonso de Sousa. Exerceu, por duas vezes, o cargo de capitão-mor e loco- tenente da capitania de São Vicente: de 1545 a 1549 e de 1555 a 1556. Foi alcaide-mor da vila de Santos. Chegando ao Brasil, interessou-se logo pela região onde mais tarde iria levantar a vila de Santos, encontrando nela condições favoráveis para o desenvolvimento de uma colônia agrícola e um ancoradouro melhor que o do porto de São Vicente, onde fundeara Martim Afonso de Sousa.

As mais antigas notícias fundamentadas de descobrimentos de minas de ouro no Brasil remontam ao primeiro século da colonização, e se associam ao respeitável nome de Braz Cubas, o fundador da primeira Casa de Misericórdia nestas colônias (em Santos). O primeiro ouro que se achou em porções maiores foi o de taboleiro, nas lizírias ou beiras dos ribeirões, isto é, de suas margens um pouco mais elevadas, e já as faldas das encostas; pois que numas e noutras, de envolta com o cascalho ou seixos roliços, ou com terras aderentes, havia sido levado por antigos aluviões de suas matrizes, nos morros de primitiva formação. (VARNHAGEM, 1956, p. 138).

Dentre as primeiras entradas para o interior mineiro, destacamos a do mameluco Antônio Dias Adorno que, em 1574, partindo de Salvador pelo mar, penetrou no rio Caravelas e por terra chegou ao vale do rio Mucuri, alcançando as terras do sertão mineiro, onde colheu pedras e algumas amostras de ouro. Este, antes de morrer, traçou um roteiro para se chegar ao local e ofereceu-o ao seu sobrinho Gabriel Soares de Souza, que fez referência à expedição do tio em sua obra descritiva: “também foram vistas esmeraldas e safiras, de que tiraram amostras”, e que foram “encontradas pedras de tamanho invulgar e muito pesadas”.

(SOUZA 1971, p.350).

Como a de Antônio Dias Adorno houve muitas outras entradas e explorações, tais como as de André de Leão, Diogo Martins Cão, Marcos de Azevedo e seu filho em busca da lendária lagoa de Vupabuçu, mas se não encontraram ouro e esmeraldas, encontraram índios para o cativeiro. Foi necessário, entretanto, muito tempo, até aparecerem os primeiros sinais de ouro no Brasil e, praticamente dois séculos, para a tão esperada descoberta do Eldorado brasileiro na região que viria a ser conhecida como as Minas Gerais, a

“abelha-mestra do ouro”, durante praticamente todo o século XVIII, e que foi conquistada

pelos paulistas.

No ano de 1655 organizou-se, por ordem do rei D. João IV, e com o objetivo de resolver as dificuldades financeiras que se viviam no reino, uma expedição à região do Pará com a finalidade de encontrar ouro. Esta expedição foi dirigida por André Vidal de Negreiros e acabou por não dar os resultados pretendidos. Também, sem resultados e por ordem do monarca, realizou-se uma outra, pelo rio Tocantins, em 1678. Mas, em 1683, descobriram-se duas minas de ouro e prata, uma no rio Urubu e outra no Jutumã. Contudo, a grande riqueza aurífera do Brasil foi encontrada pelos paulistas somente no século XVII.

O protagonismo dos paulistas31 se deve, conforme apontam alguns historiadores, a um pedido feito pelo próprio rei. Este escreveu de próprio punho, em 1674,

31 Os paulistas tornaram-se tão habilitados na arte de sobreviver no sertão e nos matagais quanto os índios, ou

mesmo, como os próprios animais. Às vezes, plantavam mandioca em clareiras nas florestas, mas dependiam principalmente da caça, da pesca, de frutas, ervas, raízes e mel silvestre. Usavam o arco e a flecha tanto quanto os mosquetes e outras armas de fogo e, a não ser pelas armas que levavam, dispunham-se a viajar com bagagem notavelmente leve. (BOXER, 1969, p. 46).

cartas aos “homens bons” da classe dominante de São Paulo, pedindo que se empenhassem na busca das minas de ouro e organizassem as bandeiras. (FIGUEIREDO, 2011, p. 89). Por isso, São Paulo de Piratininga tornou-se o ponto de irradiação dos caminhos de penetração para o sertão, ao longo dos rios Tietê e Paraíba, na direção norte ou oeste.

A atuação dos paulistas foi primordial para a ocupação do interior do território brasileiro. Foram eles os responsáveis pela conquista do sertão e pelo aprisionamento de escravos ameríndios essenciais para o trabalho nas minas, numa primeira fase, enquanto o negro escasseava. Coube a eles a organização das Entradas e das

Bandeiras.32 Essas coexistiram no tempo e no espaço. Furtado (2000, p.36) destaca que a ação dos bandeirantes pode ser apreciada em dois momentos: no século XVI e primeira metade do século XVII, quando atuaram no apresamento de indígenas, provocando o despovoamento de regiões densamente habitadas pelos silvícolas; na segunda metade do século XVII e no século XVIII, quando foram os protagonistas, no sentido exploratório e colonizador das minas de ouro.

O modo dos habitantes de Piratininga de andar pelos sertões tornou-se conhecido como “marcha paulista”. Este consistia em grupos expedicionários que levantavam de madrugada, antes do sol nascer, e paravam ao meio-dia, evitando o sol forte. Assim, os paulistas gastavam dois meses para chegar até as Minas Gerais.

Gilberto Freyre descreve o paulista original dos séculos XVII e XVIII como um homem corajoso e forte, “cuja qualidade psíquica de bandeirante corresponde à condição biológica de híbrido, branco mais ameríndio, que raramente se encontra no Brasil de hoje”. (1943, p.77). Tal como ele, os historiadores são unânimes em dizer que a segunda

geração de mestiços, formada em sua maioria por mamelucos e brasileiros natos, é que realizou a penetração do interior do Brasil. Na descrição de Santos:

Homens ousados e intrépidos esses aventureiros, que se embrenhavam pelos sertões das Minas em busca de ouro; de vontade firme, pertinaz, inabalável. Cegos pela ambição arrostavam os maiores perigos; não temiam o tempo, as estações, a chuva, a seca, o frio, o calor, os animais ferozes, répteis que davam à morte quase instantânea, e [...] o vingativo índio antropófago, que lhes devorava os prisioneiros,

32 As “Bandeiras” eram expedições organizadas inicialmente, para apresar índios no interior do Brasil. Mais

tarde, apareceram as “Bandeiras de Contrato” e, por último, as de prospecção de pedras e metais preciosos. Antes da existência das “Bandeiras”, eram as designadas “Entradas” que constituíam, simultaneamente, operações de reconhecimento do território brasileiro em busca de ouro, prata e pedras preciosas que ali deveriam existir e, a não menos importante, de preocupação em consolidar o domínio territorial português na América. Chamavam-se “Bandeiras” por causa do costume tupiniquim de levantar uma bandeira em sinal de guerra. Para combater as aguerridas tribos, valeram aos portugueses as rivalidades entre algumas das principais tribos, atirando-as umas contra as outras, daí a expressão utilizada por Anchieta “levantar bandeira”, depois difundida por Capistrano de Abreu. (1988).

e disputava-lhes o terreno palmo a palmo em guerra renhida e encarniçada. Se não tinham o que comer, roíam as raízes das árvores; serviam-lhes de alimento os lagartos, as cobras, os sapos, que encontravam pelo caminho, quando não podiam obter outra alimentação pela caça ou pela pesca; senão não tinham o que beber, sugavam o sangue dos animais que matavam, mascavam folhas silvestres, frutas acres do campo... Muitas serras, muitos rios, muitos lugares que conhecemos com os nomes indígenas foram batizados por eles. (1958, p. 50).

As Bandeiras eram compostas sempre de poucos brancos, muitos

mamelucos33 e uma imensa maioria de índios cativos, que participavam sem problemas, pois nas sociedades indígenas guerrear constituía uma atividade normal. Eram bandos de homens que deambulavam pelo interior, organizados militarmente. Percorriam rotas desconhecidas por longos períodos, que podiam estender-se por meses ou até por alguns anos. Qualquer Bandeira compunha-se de auxiliares ameríndios, em regime de servidão ou livres, que eram usados como batedores de caminhos, coletores de alimentos, guias, carregadores e guerreiros. Os bandeirantes falavam o tupi-guarani, Língua Geral34, em preferência ao

português, pelo menos em casa ou quando se ausentavam para as longas expedições ao sertão. Sampaio (1955, p. 49) afirma que as bandeiras quase só falavam o tupi e por onde iam propagavam essa língua.

Diogo de Vasconcelos (1974) salienta que a nomenclatura dos lugares com

nomes indígenas35 veio em sua maior parte dos invasores e não dos habitantes, salvo em regiões como a do rio das Velhas, em que se encontrou uma população indígena, de caráter mais permanente.

Somente à medida que as bandeiras iam penetrando no interior foi que a Coroa Portuguesa teve consciência do potencial mineral da colônia, ainda que fosse necessário esperar pelo final do século para o descobrimento da imensa quantidade de ouro da região de Minas Gerais. Assim, Sabarabuçu foi uma representação que, aos poucos, se

33 Mestiço resultante da união do europeu com a mulher índia. (TORRES, 1967).

34 Era a língua tupi, adotada pelos padres da Companhia de Jesus como língua de evangelização. Para melhor

divulgação da língua, resolveram fazer a adaptação de alguns vocábulos, a seu modo. A “língua da costa” foi assim adotada pelos missionários, que, no sul, tiveram, para seu melhor estudo, a colaboração de Anchieta, autor da “Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil”, impressa em 1595, - e no norte, a de Luís

Figueira com a “Arte da Língua Brasílica”, publicada aproximadamente em 1621 e considerada um dos

melhores trabalhos deixados pelos jesuítas no período da catequese. A denominação de “língua-geral” não era geralmente usada pelos antigos, que, nos seus escritos se referem sempre à “língua brasílica”, embora ela não fosse falada só em território brasileiro. O “nheengatu”, chamado “Língua-geral”, no Amazonas, é falado ainda hoje naquela região. (SAMPAIO, 1955).

35 Admiravelmente fusíveis, os termos indígenas prestavam-se a palavras compostas, que descreviam os lugares

segundo os acidentes mais notáveis, como foram as serras e rios, a começar de Ibitiruna serra Negra, Itaberaba pedra brilhante, Pitahipeba rio do Peixe chato. Penetrando nos sertões ignotos, os aventureiros iam denominando os principais sítios do caminho; e com isto os roteiros ficavam traçados de maneira a guiarem os subsequentes invasores. Os índios demoravam-se nas regiões apenas o tempo necessário para perpetuarem o nome de seus efêmeros reinos. (VASCONCELOS, 1974).

deslocaria no espaço das geografias imaginárias, até se concretizar com a descoberta de ouro na região das Minas Gerais, em fins do século XVII. O Sabarabuçu mítico – às vezes associado à chamada serra das Esmeraldas – esteve no horizonte das bandeiras de Fernão

Dias Paes Leme36e de seus companheiros.

A região de Minas Gerais, e isso parece ser consensual, foi descoberta numa “Bandeira” conduzida por Fernão Dias Paes Leme que teria deixado São Paulo em 1674. Este, saindo de Taubaté e passando por Guaratinguetá, atravessou o Embaú e transpôs os rios Passa Quatro e Capivary, estabelecendo em um lugar que, posteriormente passou a se chamar Baependy. Depois, atravessou os rios Verde e Grande e foi estabelecer-se em Ibituruna. (PIMENTA; 1971, p. 17). No começo do ano seguinte, pôs-se novamente em marcha, e atravessou a serra da Borda, alcançou a região do campo e foi ao rio Paraopeba, onde fundou o arraial de Santa Ana. Em seguida foi para o vale do rio das Velhas e estabeleceu-se no arraial de S. João do Sumidouro. Foi nesse lugar que teve que mandar enforcar o próprio filho para acalmar uma revolta. Graças a um selvagem que lhe serviu de guia, foi ao encontro da serra de Itacambira e a famosa lagoa de Vapabuçu, que era talvez a lagoa da Água Preta.

Barreiros (1979, p. 83) ressalta que a expedição ganharia os contrafortes da serra do espinhaço, ou “cordilheira central”, acompanhando-a até à altura do Itacambira, chegando ao Itamarandiba, e por este ao Araçuaí, no “distrito das esmeraldas”, rumando nas encostas ocidentais da serra do Espinhaço, em direção ao rio das Velhas37, na altura do porto das Mangas em Santo Hipólito.

36 Fernão Dias Paes Leme provavelmente nasceu na vila de São Paulo de Piratininga, sendo descendente dos

primeiros povoadores da capitania de São Vicente. Iniciou-se como bandeirante efetuando o desbravamento dos sertões que hoje constituem os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (1638). Participou da expedição que expulsou os holandeses das vilas do litoral, ameaçando desembarcar em São Vicente (1640). Exerceu várias funções na câmara de São Paulo e teve papel saliente na reintegração dos jesuítas que, expulsos (1640), permaneceram durante 13 anos afastados da vila. Na bandeira das esmeraldas, a grande expedição associada a seu nome, partiu de São Paulo (1674) e da qual participaram seu genro, Manuel de Borba Gato, e os filhos Garcia Rodrigues Pais e José Dias Pais. Este último conspirou contra o pai, que o enforcou a título de exemplo para seus comandados. Por sete anos o bandeirante explorou extensa área do território das Minas Gerais, a partir das cabeceiras do rio das Velhas, seguindo sempre rumo ao norte até a zona do Serro Frio, onde jazia o ouro, logo depois descoberto pelos paulistas. Não descobriu as cobiçadas pedras verdes, pois se verificou que eram turmalinas as amostras de seu achado em Vupabuçu, no entanto, abriu o caminho para a segunda e grande etapa do bandeirismo, a da conquista do ouro e do diamante. Vitimado pela malária, morreu aos 73 anos no arraial de Sumidouro, próximo a Sabará, MG. (TORRES, 1967, p.13-15).

37 O rio das Velhas deriva seu nome, diz a tradição local, de três velhas encontradas acocoradas nas suas margens

pelo explorador paulista Bartolomeu Bueno da Silva, o “Diabo Velho”, quando topou com a corrente em 1701 em Sabará. A etimologia é um tanto fraca e manca. Os vermelhos, ensina o Sr. Rodrigues Valério, autoridade competente, chamavam-no Guyaxim, e uma corruptela dessa palavra, Guacuí, ainda se encontra em mapas obsoletos. Isto significaria rio da Velha e, provavelmente, os primeiros exploradores traduziram-no erroneamente para o plural e, em seguida, seus descendentes inventaram as agora clássicas três velhas. (BURTON, 1983, p. 242).

Mesmo não tendo encontrado as pedras verdes e as minas de ouro e prata, a Fernão Dias se deve o esforço do desbravamento dos sertões do território mineiro, abrindo caminho para as bandeiras que se seguiram até a descoberta do ouro em fins do século XVII.