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CAPÍTULO III – ASPECTOS GEOGRÁFICOS DA ESTRADA REAL

3.4 Estrada Real

A descoberta e a exploração do ouro no sertão mineiro provocaram uma rápida transformação dos principais eixos de circulação do Brasil e um reordenamento completo do espaço brasileiro. No dizer de Simonsen:

O ouro do Brasil incrementou o progresso mundial, enriqueceu a Inglaterra e proporcionou um século de fartura à Coroa Portuguesa. Para a colônia, ficou representado no custeio das correntes imigratórias que ocuparam os sertões brasileiros, na importação de algumas centenas de milhares de escravos, na construção das primeiras cidades e estradas dos nossos sertões, no desenvolvimento do Rio de Janeiro, na formação de correntes comerciais no interior do país promovidas e mantidas principalmente pelos paulistas. (1937, p.90).

Foi assim que o Brasil deixou de ser um espaço fragmentado, uma forma de “arquipélago continental” no dizer de alguns historiadores para crescer em seu espaço. Santos (2001, p.155) ressalta que os caminhos, aos poucos, foram se tornando estradas. As trilhas indígenas chamadas de peabirus passaram a ser mais utilizadas e tornaram-se rotas de abastecimento e manutenção das populações que foram se formando. No decorrer do tempo e da evolução das descobertas do ouro e das pedras preciosas, essas estradas passaram a ser autorizadas pela Coroa e tornaram-se “oficiais”, ou seja, caminhos únicos e obrigatórios.

Figura 15 – Caminhos Antigos e Zonas de Mineração

Fonte: ZEMELLA, M. 1951.

Pelos caminhos da Estrada Real foi surgindo uma rede urbana. Essa passou a desenvolver-se pelo comércio alimentício e pelos efeitos do povoamento. O isolamento espacial foi quebrado e o Brasil foi se consolidando pela integração regional e superação das distâncias. Esses caminhos tiveram papel significativo na política territorial portuguesa, pois não eram apenas eixos de circulação, mas, nas considerações de Straforini (2006, p. 12), foram “um instrumento concreto de controle do território, pois, nenhuma política tributária teria efeito sem um sistema de circulação que lhe desse sustentação.”

Quase todos os viajantes estrangeiros que passaram por esses caminhos entre os séculos XVIII e XIX mencionaram essa Estrada Real, deixando as suas impressões registradas:

 Para ir de Itambé a Vila do Príncipe, segui a estrada real que vai de Vila Rica a Tijuco; mas, apesar do nome pomposo que tem, esta estrada, muito menos frequentada que a do Rio de Janeiro a Vila Rica não é, em certos lugares, mais que

uma picada tão estreita, que às vezes se tem dificuldade de seguir-lhe o traçado. (SAINT-HILAIRE,1979 , p. 130).

No lado ocidental de Vila Rica, em Cabeceiras, tomamos a estrada real que conduz ao Rio de Janeiro e, uns 200 passos além da cidade, atravessamos o riacho Passa Três, afluente do ribeirão Ouro Preto. (POHL, 1976, p. 406).

 O caminho por onde passamos é a estrada real que conduz ao Rio de Janeiro, talvez a pior do país, não obstante o grande tráfico que aqui se faz, não só para a capital da região do diamante, mas também para o grande distrito ao nordeste chamado Minas Novas. As numerosas subidas e descidas são rochosas e cheias de grandes pedras; a última ascensão, de extensão maior que as outras, a cerca de uma légua da cidade, conduz a uma região plana, descampada e relvosa, o cume do Serro Frio. (GARDNER, 1976, p.213).

 A estrada real segue sempre para o sul, por vários vales estreitos com vegetação cerrada, banhados por regatos que correm para o sul e se lançam no Paraíba. Compõe-se a montanha de um gnaisse em parte muito decomposto em cima do qual se acham depósitos de uma siderita, em camadas, que se inclinam no 3º até 4º graus do compasso dos mineiros. (SPIX e MARTIUS, 1981, p. 103).

 De meia em meia hora, ora à direita, ora à esquerda dos vales, encontram-se propriedades rurais, onde os produtos comuns são milho e feijão, sendo que a renda dos habitantes provém da criação de galinhas e porcos. De vez em quando, chega-se a um rancho ou a uma pequena venda, sendo que, em todos os lugares, somos recebidos com educação. Os costumes aqui são menos pervertidos, e o viajante não é tão enganado como o é em geral na grande estrada real. A propósito, esta é também a grande estrada pela qual se vai da Cidade Imperial, principalmente na atual estação (quando os mantimentos estão mais baratos e os pastos, melhores), para o Rio de Janeiro. (LANGSDORFF, 1997, p. 66).

 Em Barbacena de novo penetramos na estrada real de Vila-Rica ao Rio. Acha-se a vila agradavelmente situada sobre a encosta meridional de considerável morro; divide-se em duas ruas calçadas principais, cortando-se em ângulo reto e contém cerca de trezentas e cinquenta casas, muitas das quais boas e caiadas por fora, juntamente com duas igrejas. As gentes que vimos eram na sua maior parte de cor misturada, empregando-se em fiar algodão e outras indústrias domésticas. Não havia, porém, sinal exterior algum de prosperidade comercial; ao contrário, muitas das lojas, que para o país eram bastante belas, estavam de portas cerradas e é de notar-se que grande parte do comércio que a vila outrora manteve com Sabará e a região setentrional da provívia passou atualmente para São João del-Reil. (LUCCOCK, 1975, p. 355).

 O caminho que segui entra, nesse ponto, na estrada real. Logo ao sair de Nova Friburgo, segue as encostas a leste do rio das Bengalas e passa pela divisa estreita entre o rio e o São José, transformando-se em caminho acanhado. Continuando por esse vale, vai ao rio Grande e margina o curso até o ribeirão de Santo Antônio, atravessando-o perto da fazenda de Morais, num lugar onde existe uma pequena ilha. Atingindo, assim, a margem esquerda, a oeste, passa pela alta divisa que separa o rio Grande da vertente do Dourado, e segue em direção a Penha. A extensão desta estrada é calculada em nove léguas e a que passa por Banqueta e Bom Jardim, em sete. (BURMEISTER, 1952, p. 123).

 A antiga estrada real para Minas Gerais descrita pelos viajantes e que figura em nossos mapas fica muito abaixo, à direita. Está assinalada por grandes casas

desertas e por cercas de pita, planta em forma de alcachofra e com uma curiosa flor que surge no fim de uma longa e trabalhosa existência. Já em 1840, Gardner percorrera dez léguas de uma estrada de suaves declives, que devia ligar a capital de Mina à do Império, e a Assembléia Provincial em Ouro Preto abrira um crédito de mais de 40.000 libras, que seria coberto com os direitos de pedágio. (BURTON, 1983, p. 106).

Após termos mencionado as bases históricas do Caminho Velho e do

Caminho Novo que formaram a Estrada Real, vamos agora descrever dois caminhos de

importância regional: o Caminho dos Diamantes e o Caminho de Sabarabuçú. A descoberta dos veios auríferos nas regiões do Serro Frio e do Tijuco fez acontecer o surgimento do

Caminho dos Diamantes e o acesso a ele passou a ser muito concorrido. Por meio dessa rota

chegavam, a partir de Vila Rica, as pedras preciosas tão cobiçadas do Distrito Diamantino que correspondia, em tempos passados, às entradas na face meridional do Espinhaço mineiro, Alto Jequitinhonha, entre os núcleos urbanos de Vila do Príncipe e Tejuco, atuais Serro e Diamantina.

Às margens desse percurso surgiram povoados que originaram importantes vilas e cidades mineiras que se especializaram no suprimento dos viajantes, e que foram formados por uma cultura mineira mestiça, resultado da variedade dos aventureiros e povoadores dos sertões das Gerais.

O Caminho dos Diamantes foi um itinerário que teve amplo destaque regional, dentro do âmbito da capitania das Minas Gerais, ligando Vila Rica ao Arraial do Tijuco. O seu roteiro era basicamente o seguinte: saindo de Vila Rica seguia pela Vila do Ribeirão do Carmo, Inficionado, Catas Altas, Santa Bárbara, Cocais, Itambé do Mato Dentro, Conceição e Córregos até a Vila do Príncipe e dali ao Arraial do Tijuco. Depois de 1740, tornou-se extensão do Caminho Novo. Foi um trecho regional, mas de importância econômica relevante para a economia do Distrito Diamantino.

O Caminho de Sabarabuçú, ainda que tivesse apenas 150 km e que tenha sido considerado um prolongamento do Caminho Velho, teve grande relevância com relação ao aspecto econômico, já que, por ele era transportado o ouro proveniente das importantes Vila Nova da Rainha e Vila Real de Nossa Senhora da Conceição, hoje as cidades de Caeté e Sabará.

O projeto de desenvolvimento turístico criado pelo Governo do Estado de Minas Gerais (Lei Estadual nº 13.173/λλ) que instituiu a “Estrada Real” teve como pressuposto os “caminhos e suas variantes construídos nos séculos XVII, XVIII e XIX, no território do Estado”. (RENGER, 2007, p. 136). Nesse roteiro turístico foram envolvidos os

chamados “Caminho Velho”, “Caminho Novo” e “Caminho dos Diamantes” (este incluiu o “Caminho de Sabarabuçú”) – eixos principais – que ligavam as cidades de maior importância no Ciclo do Ouro.

A composição dos caminhos da Estrada Real é um testemunho do esforço humano que não se deixou esmorecer diante dos desafios e obstáculos a serem vencidos para se chegar ao Eldorado, configurado na busca do enriquecimento fácil, trazido pelo ouro e pelas pedras preciosas, em meio à fome, à luta pelo poder e à desigualdade social de um Brasil Colonial. Na conclusão de Dornas Filho (1957, p. 44), de tudo isso resultou um estado de “excitação espiritual que fez gerar uma história e uma lenda”. Quanto à lenda, não há lugarejo nas Minas Gerais, por mais miserável que seja, onde não exista um tesouro enterrado em panelas abarrotadas de dobrões, ouro em pó e pedras preciosas.

FIGURA 16 – Mapa da Estrada Real

Diante dos relatos sobre os caminhos do ouro e a sua formação geográfica, podemos perceber as pulsações do social e recortar a personificação do regional, no ir e vir entre o nosso objeto de conhecimento que é a toponímia dos povoados, distritos, vilas e cidades da Estrada Real.

A memória toponímica se faz presente nos escritos dos viajantes naturalistas e esses ressurgem como importantes memorialistas. Os estrangeiros que andaram por esses caminhos do ouro e das pedras preciosas, ainda hoje, deixam-nos inquietos em muitas passagens descritivas – numa mescla de análises e observações pessoais – eles fundaram a base da cultura interpretativa do Brasil. Em suas descrições podemos encontrar preciosas informações colhidas in loco. No capítulo seguinte apresentamos um panorama dos principais viajantes que passaram por esses caminhos.