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O “EU-HERÓI” VERSUS O “OUTRO-HERÓI”: O gênero da memória e da história

1.3. A história, consciência de si e narrativa social

A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender.21

17 Idem, 50. 18 HALBWACHS, Maurice, 2006, 55. 19 Idem, 61-2. 20 Idem, 55. 21 ARENDT, Hanah, 2000, 188.

HISTÓRIA E CULTURA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRODESCENDENTES

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Ano IV

Por entender que a história é uma ação consciente de identificação de si, através da elaboração de uma escrita de si, que se faz ao mesmo tempo coletiva, mas sobretudo por seu atributo de ciência, de estar ciente de, adota-se lastrar o entendimento de H. White quando debate a consciência histórica de fazer história, na sua Metahistória.

O autor, nessa obra, apresenta o desenvolvimento das teorias que possibilitam a construção das narrativas históricas e propõe uma teoria formal que entenda a historiografia como uma estrutura verbal em forma de discurso em prosa narrativa e que esta estrutura em geral é de natureza poética.22 É um trabalho de análise da estrutura do pensamento, “imaginación”, histórico. O autor acredita faltar uma teoria formal historiográfica, não conquistada até o momento, apesar do empenho dos autores clássicos. Talvez, por causa do privilégio dado ao pensamento científico, ao qual acredita a História não pertence.23

Como afirmou o autor, a história é uma estrutura verbal em forma de discurso em prosa narrativa, e esta estrutura, em geral, é de natureza poética, como elemento metahistórico, ou seja, há um modus operandi que é próprio do fazer histórico e que se estabelece na conduta historiográfica. Além de identificar e interpretar as principais formas de consciência histórica, objetiva estabelecer os elementos poéticos da Historiografia e da Filosofia da História em qualquer época.24 Assim, o que diferencia a obra de um(a) historiador(a) da obra de um Fílósofo da História é “la historia pripiamente dicha” e não o seu “contenido”. Ou seja, o que é implícito na narrativa histórica é conceituado nas filosofias da história e os estudiosos da linguagem captaram a origem poética das teorias “supuestamente” científicas da historiografia. Porém, H. White não apresenta autores que possuam trabalhos específicos nesta área, dando margem à crítica a sua tese. Outrossim, os estudos sobre a linguagem iniciam-se com Saussure nos anos 1930 e os estudos da psicologia que poderiam remeter a este vínculo, anteriormente, tangenciaram e seguiram outros objetivos. Sobre os trabalhos que vieram a relacionar o seu impacto na produção da memória, poder-se-ia apresentar, ainda, os trabalhos de Halbwachs, A Memória Coletiva25 – post morten, e de Walter Benjamim, contemporâneos, em “O Narrador” e “Sobre o Conceito de História”,26

incipientes, apesar de fundantes, mesmo que sejam conclusivos, apenas servem parcialmente ao propósito de argumentarem “cientificamente” sobre

22

WHITE, Hayden. Metahistoria: la imaginación histórica en la Europa del siglo XIX. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.

23

“En esa teoría considero la obra histórica como lo que más visiblemente es: una estructura verbal en forma de

discurso en prosa narrativa”. “Em tese, considero a obra histórica como visivelmente é em primeiro plano: uma

estrutura verbal em forma de discurso em prosa narrativa” (tradução livre). Idem, 9.

24 Idem, 406. 25 HALBWACHS, Maucice, 2004. 26 BENJAMIM, Walter. 1994.

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a questão, como é a expectativa do autor. O delineamento implícito de uma ideia não a efetiva no conjunto do conhecimento, porque não a revela na prática do pensamento social. O entendimento da linguagem como um transmissor dos costumes era reconhecido, mas a dizer que a estrutura da linguagem identificasse com a estrutura do pensamento que se pensa, essa é uma proposta que parte dos estruturalistas no século XX. Nota-se, o autor buscou longe a origem da sua tese e causou anacronismos que dificultam compreender o porquê de, até então, não existir uma teoria que possibilitasse a observação do componente fundamental do fazer historiográfico, a construção mesma da narrativa e sua relação com as ideologias dominantes, aquilo que Michel de Certeau (1975)27 tratou como “um lugar social”, “não dito” na “instituição histórica”. Observa-se que tal afirmação somente é possível pela maximização do papel da ideia, da intuição (um pensamento platônico), sem vínculo com o movimento e a materialidade da realidade-ação. Algo que os materialistas-históricos negam por princípio. Porém, não se apresenta como uma contradição concordar com o autor quando ele afirma: “el pensamiento permanece cautivo del modo lingüístico en que intenta captar la silueta de los objetos que habitan el campo de su percepción”,28 porque se é ser de linguagem. A língua é mais do que um canal de comunicação. Ela é a representação do modelo que se utiliza para pensar o pensamento. A abstração na sua forma pura, que humaniza a mulher e o homem quando no movimento de se contemplar e às próprias ações. Razão porque se é “ser histórico” e se historiografa o próprio passado. A linguagem tem a função de reproduzir costumes e culturas, sendo o veículo fundamental da memória e da história.

H. White concorda com Collingwood em A Ideia de História,29 escrito nos anos 1930, que a Filosofia da História se confunde com a própria História, uma vez que não se pode separar o modo de pensar o objeto, do próprio objeto pensado. O objeto só é pensado quando um modo de pensamento possibilita realizá-lo. Objeto e pensamento sobre o objeto coexistem, expressando a materialidade da ideia. Assim, para o autor, narrativa e modelo de narrativa têm o mesmo princípio “moral e estético”, que entende como formações poéticas que sancionam as teorias particulares e resultam como explicação na História. E continua afirmando que qualquer explicação tem o mesmo valor moral e estético – bem como, sua escolha é uma escolha moral e estética, e não epistemológica – e não pode ser considerada mais “realista” que outra. E, por isso, sempre faz-se “una elección” entre os modelos existentes e possíveis, “estrategias interpretativas rivales”, quando se pretende refletir sobre uma realidade passada, “la historia-en- general”. A escolha, então, é ideológica, no sentido moral e não formal – o que se considera a

27

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

28

WHITE, Hayden, 1992, p.

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principal contribuição do autor, uma vez que sua apologia da história é comprometida e coincide com o pensamento de historiadoras e historiadores como P. Anderson, M. Bloch, K. Marx e J. C. Reis.30 Finalmente, o autor acredita que uma base epistemológica para a história ainda se afirmará, causando sua injustificada cientificidade. À história, falto um método positivo. O grau de subjetividade de seu caráter moral e estético na produção e eleição dos modelos implica na ausência de objetividade e universalidade, própria das teorias modernas.

Ao analisar o desenvolvimento da História a partir dos modelos literários, o autor sugere a história como construção de discurso e arte-narrativa. Ao observar as Estratégias de Explicação e os Modos de Articulação, afirma que no seu desenvolvimento, a história passou por Fases – que ele conceituou de Prefigurações e associou com os Tropos de Linguagem, que podem ser reconhecidas nas obras produzidas ao longo de dois séculos, por historiadoras e historiadores, bem como filósofas e filósofos da História. Conclui que a História passou por fases, e na sua última fase, acontecida na virada do século XIX e no século seguinte, foi responsável pela crise de paradigmas, “fenoménica”, grassada na Historiografia, “la crisis del historiscismo”, em consequência de se fazer uma ironia inconsciente, explicada pela crítica, “letargo teórico y rebeliones”, sem uma exata compreensão, aos modelos existentes. Em razão de conceituar a última fase de Ironia, e entender os pensadores como irônicos, H. White levaria à compreensão de que estes teriam a capacidade de duplicar a realidade-objeto, percebendo-a como uma projeção de si e uma representação,31 que, contrariamente, o autor nega, logo, enseja uma rejeição parcial à sua tese.

Reporta-se, ainda, a essa obra de H. White, por entender sua contribuição à existência de um modelo ou de uma estrutura intrínseca a toda narrativa, desde a narrativa de memória, autobiográfica ou não, incluindo as narrativas orais geradas nas entrevistas, bem como as diversas fontes utilizadas pelo fazer historiográfico até a narrativa histórica per si. Bem como, partir da sua crítica à subjetividade da história para uma positividade da subjetividade das ciências, em função dos paradigmas propostos pelo pensamento feminista.32