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O “BRANQUEAMENTO” E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: UMA REFLEXÃO À LUZ DE FRANTZ FANON.

BARRA DA AROEIRA E A GUERRA DO PARAGUA

Barra da Aroeira tem seu início com Félix José Rodrigues, que após ter ingressado nas fileiras do exército imperial para enfrentar o inimigo exterior na Guerra do Paraguai, recebe como recompensa pelos serviços prestados durante a guerra uma extensão de terra onde atualmente localiza-se o Estado do Tocantins. Esse passado é bem vivo na memória dos moradores dessa localidade, mesmo porque em sua grande maioria, carregam o sobrenome “Rodrigues”, o que faz referência a um forte grau de parentesco com a família desse precursor da comunidade:

- Foi meu, eu digo tataravô, que ele foi pra Guerra do Paraguai, foi sorteada três pessoas, Simião, Felix; e o Simião, que era cunhado dele e o Luiz Zegas. Ai o velho não deixou o outro ir, porque disse que era muito besta. E tocaram pra Guerra do Paraguai, foi nessa época. E ai venceu a Guerra e vieram embora prá cá. Falaram pra eles o que era que eles queriam de pagamento e ele falou: “eu queria era uma terra”. E aqui naquele tempo era o alto Goiás e eles vieram e escolheram essa área de terra aqui e é conhecido por córrego e serra e foi desse jeito que foi os limites da terra. E daí prá cá, quando reconheceu, e ai escolheram aqui, moravam em Parnaguá, no Piauí; de Parnaguá vieram pro Jalapão, do Jalapão vieram pra aqui, no aroeira. Tem uns antigos pé de manga que foi o lugar que eles arrancharam a primeira vez. E ai se espalhou, a família foi crescendo e casando filho e espalhou, mas onde se reside é mais é aqui, mas tem vários pontos dentro dos limites que tem pessoa da família que mora espalhado ai né2.

2 Comunidade Barra da Aroeira. Entrevista com o senhor Cleibes José Rodrigues, 42 anos. Realizada em 10 de agosto de 2011.

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E ainda expressando sob a origem da comunidade, temos a narrativa da senhora Isabel Rodrigues:

- O primeiro a chegar nessa região, foi o Felix José Rodrigues. Porque ele prestou serviço na Guerra do Paraguai e ajudou a vencer essa guerra e em troca desse serviço prestado, quando D. Pedro II chamou ele pra ele falar e D. Pedro indenizar o serviço dele, ai o D. Pedro procurou pra ele, se ele queria era medalha, era ouro, que ele falasse o que ele quisesse. Ele disse que não queria nada disso, o que ele queria era um pedaço de chão pra ele morar sossegado junto com a família dele e em quanto existisse uma pessoa dessa família ser dono e ser respeitado e também ter o direito de ninguém aborrecer eles e o qual foi ao contrário; e ai ele, D. Pedro mandou ele vir e escolher no Alto Goiás e ele veio passou 6 meses escolhendo essa área de chão, é. Os limites dessa área ele escolheu por serras e águas para que nunca acabasse. Quando ele escolheu ele voltou lá que já tinha ficado certo que quando ele voltasse era pra pegar o documento dessa área de chão e ai ele foi e voltou e D. Pedro deu o documento3.

Através das narrativas, podemos observar o quão vivo este passado está presente na memória dos moradores da comunidade, sem distinção de idade. Do menino ou menina que toma consciência do seu meio, ao mais velho portador de uma trajetória e experiências dentro do seu vínculo com sua terra. É um passado que se mantém vivo através da tradição oral e validada pelo grupo.

Uma reflexão sobre o motivo da presença desse passado na memória dos descendentes da Barra da Aroeira nos obriga a darmos atenção também a respeito da Guerra do Paraguai, e algumas especificidades dessa experiência histórica concernente a essa comunidade, tendo em vista que o passado desse grupo social se cruza com essa conjuntura temporal de âmbito nacional. Nesse sentido, nos leva a fazer uma investigação frente à participação de escravos na Guerra do Paraguai, avaliando o grau que houve a participação de negros no maior conflito bélico na América do Sul, elegendo as circunstâncias e motivações que tornaram necessário o emprego de negros para o engrossamento das fileiras de combatentes durante a Guerra do Paraguai. Para responder tais questões, inicialmente faremos uma breve explanação a respeito do que foi a Guerra do Paraguai, para assim também compreendermos de maneira mais clara, o motivo pelo qual esse antecessor de Barra da Aroeira é tão vivo na memória de seus descendentes.

3 Comunidade Barra da Aroeira. Entrevista com a senhora Isabel Rodrigues, 53 anos. Realizada em 10 de agosto de 2011.

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H i s t o r i e n – R e v i s t a d e H i s t ó r i a [ 7 ] P e t r o l i n a , jun./nov 2 0 1 2 Página 138 NEGROS E ESCRAVOS NA GUERRA DO PARAGUAI

O estopim da Guerra do Paraguai ocorreu no dia 11 de novembro de 1864 com o aprisionamento do navio brasileiro Marquês de Olinda com o então presidente da província de Mato Grosso e demais funcionários do Império. E já no dia posterior, o presidente paraguaio Francisco Solano López declarava guerra ao Brasil. E em dezembro do mesmo ano, tropas paraguaias invadiam a província de Mato Grosso.

A guerra ocorre principalmente no sul do Brasil, região onde desde o período colonial incidiam conflitos objetivando territórios e controle sobre a navegação na bacia do Prata. Os envolvidos na guerra foram: Argentina, Brasil e Uruguai formando a tríplice aliança, contra o Paraguai. O exército aliado, tendo assinado o tratado em maio de 1865, previam uma derrota quase que imediata do exército paraguaio, todavia, o que veremos nos anos posteriores, será uma guerra desgastante. “Os objetivos da guerra eram pôr fim a ditadura de López, a livre navegação no sistema fluvial e a anexação de territórios paraguaios, reivindicados pelo Brasil e Argentina” (RODRIGUES, 2001, p. 9).

Justamente pela região possuir uma trajetoria histórica marcada por conflitos, e aliando a essa questão uma possível formação de um poderoso Império na região, a política imperial brasileira:

na região platina buscava manter a segurança e tranqüilidade na fronteira do Rio Grande, pois assim garantiria a liberdade de navegação nos rios da Prata, Paraná, Uruguai e Paraguai, importante rota de comunicação com o interior do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e importante acesso a longínqua província de Mato Grosso. Evitando também o renascimento de um poderoso Império aos moldes do antigo Vice-Reinado do Prata, formado pelo Uruguai, Bolívia, Paraguai sob a liderança da Argentina, impedindo em suas fronteiras, a formação de Estados fortes e oposicionistas à política do Brasil (RODRIGUES, 2001, p.13).

Com a eclosão do conflito nas fronteiras do sul, o exército regular do Império se encontrava em difícil situação de combater sozinho o inimigo externo, fazendo se necessário o Imperador D. Pedro II recorrer ao sentimento patriótico do povo brasileiro, criando em 7 de janeiro de 1865 pelo decreto nº 3.371, para os serviços, os corpos de voluntários da pátria, batalhões compostos inicialmente por voluntários que se alistavam a serviço do exército4. Como estímulo ao alistamento, oferecia-se aos voluntários, além do valor pago aos soldados

4 Anos depois nota-se o sentimento patriótico que motivava o alistamento nos Batalhões dos Voluntários da Pátria ferido com a duração da guerra e as notícias funestas dos campos de batalha.

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das regulares, “de quinhentos réis diários, uma gratificação de 300 mil réis ao dar baixa ao final da guerra, e ainda teriam terras na extensão de 49.500 metros quadrados nas colônias militares e agrícolas” (DORATIOTO 2002, p. 114) do Império.

Outra força somada ao poder bélico brasileiro foi a chamada Guarda Nacional, milícia controlada pelas elites locais. Os guardas nacionais, “embora fossem considerados uma força auxiliar do exército em caso de guerra, eram despreparados para o combate, pois desempenhavam funções para-policiais internas” (DORATIOTO 2002, p.112). De maneira geral, havia pouco entusiasmo por parte dos guardas nacionais, tanto pela situação degradada dessa instituição, como também pela própria disposição dos milicianos, tanto que não era de todo incomum, o envio de substitutos por integrantes desse corpo militar para lutarem na contenda. Veremos certo entusiasmo patriótico no setor popular, logo é esse setor que em maior parte, preencheram os corpos de voluntários da pátria, enquanto que a elite, representada pela Guarda Nacional, relutava em ir para a guerra.

É nessa conjuntura que se insere a participação de escravos e negros na Guerra do Paraguai. Essa participação é resultado de diversos fatores, que somados a situação de despreparo e degradação das tropas regulares, tornou-se necessário o emprego desse segmento da sociedade imperial.

A participação de escravos na guerra foi resultado de diversos fatores: Falta de contingentes regulares para atender às exigências de uma guerra externa; difícil mobilização de tropas militares no território do vasto Império e as estratégias montadas por homens de cor permitindo-lhes subtrair-se à condição de escravos. (RODRIGUES 2009, p. 212).

Em 6 de novembro de 1866, o Império do Brasil para resolver a necessidade de aumento do contingente para a guerra, institui que os escravos do Estado ganhassem a liberdade se servissem no exército durante o conflito com o Paraguai. Ainda necessitando de combatentes, a partir de 1867 o governo começa a comprar escravos para a guerra. A necessidade de combatentes para guerra foi cada vez mais latente na medida em que a guerra se prolongava. Para sanar essa necessidade, o Império fazia uso do recrutamento forçado praticado pelo Exército, das doações de senhores de escravos, da substituição de guardas designados mediante pagamento ou apresentação de substituto e ainda fazia uso da compra pelo governo ou instituições abolicionistas.

Outra prática para a inclusão de escravos e atendendo assim a demanda que a guerra já exigia, foi a desapropriação de escravos, pagando generosas indenizações aos seus antigos proprietários. Ainda em referência ao ingresso de escravos nas fileiras do exército imperial,

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temos o alistamento consciente e voluntário de negros. Não era incomum o alistamento de escravos fugidos. Para estes, a participação no conflito era uma possibilidade de fugir do cativeiro, preferindo se entregar ao nefasto destino de uma guerra que ceifou milhares de vidas, para assim se livrarem da condição de sujeição a um senhor. Apresentavam-se como escravos livres e se alistavam nas forças militares, escapando assim muitas das vezes da servidão, preferindo seguir o desconhecido destino do campo de batalha, enfrentando as inúmeras dificuldades de uma guerra dentro de um terreno hostil, encarando as cóleras que muitas vezes caia sobre os combatentes. Essa escolha em tantas vezes significava a própria morte, em outras, a liberdade.

Ao se alistarem para os serviços, se apresentavam com nomes diferentes, dificultando assim a procura empreendida por seus senhores. Nota-se assim certo grau de negligência proposital das forças recrutadoras, obviamente para atender a inópia de recursos humanos no front de batalha no sul. Essa necessidade agravou mais ainda com uma possível revolução nacional na Argentina, fazendo com que o contingente do exército daquele país se voltasse para combater um inimigo interno, e isso ocorrendo já no ano de 1867, dois anos após o início da guerra, desfalcando os aliados na guerra.

O conflito do sul, não significou apenas uma guerra sangrenta por territórios, ou a derrubada de um governo autoritário e a livre navegação na bacia da Prata. Para o Brasil, possuiu uma significação maior, significação esta ligada com o início de outro período da história do país.

A Guerra do Paraguai exigiu um Exército moderno e forte, o que contrariava os interesses políticos locais (...) a imagem de um exercito maltrapilho e moribundo, do recrutamento forçado de pouco soldo pago a tropa, deveria ser substituído pela a de um Exército disciplinado e capaz de interferir na vida política do país, quando os interesses nacionais fossem postos em discussão (RODRIGUES 2001, p. 16).

Após o conflito, o exército vitorioso possui maior prestígio e uma maior expressividade política. Encontramos na historiografia pós-guerra uma exaltação da experiência vitoriosa do exército no conflito, elegendo heróis e narrando batalhas heróicas. Historiografia essa construída inclusive por militares participantes direto do conflito. Como resultado da modernização necessária ao exército durante a guerra, observamos em 1889 a proclamação da República por um exército vitorioso, moderno e capacitado a intervir na vida política do país. A participação de negros libertos e escravos na Guerra do Paraguai fomentou ainda o acirramento do questionamento sobre a manutenção da escravidão no Brasil.

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A presença de escravos libertos em um exército que depois da guerra passa a ser um ator político dentro do Império torna mais acirrada as questões e os debates abolicionistas, que já vinham combatendo o sistema escravagista.