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COM A BÊNÇÃO DE DEUS: A RELIGIOSIDADE EUROPEIA NA ESCRAVI ZAÇÃO DO AFRICANO

SOCIEDADE BRASILEIRA.

COM A BÊNÇÃO DE DEUS: A RELIGIOSIDADE EUROPEIA NA ESCRAVI ZAÇÃO DO AFRICANO

Dentro do contexto histórico da formação socioeconômica do Brasil, o negro africano escravizado foi incorporado de forma imposta pela estrutura colonial que era constituída não só pelo poder político e econômico da metrópole portuguesa, mas tam- bém pela religiosidade cristã pregada pela Igreja Católica.

A Igreja Católica, incorporada neste processo de dominação portuguesa, tinha como papel principal o de converter os africanos escravizados e os indígenas à religião cristã e assim colaborar com a manutenção do controle de uma estrutura social, impon- do uma mentalidade de superioridade perante seus subalternos nestas novas terras ocu- padas.

Não foi simples para a Igreja impor suas práticas dentro de uma sociedade su- bestimada, tida por ela como inferior. Os africanos, embora fossem classificados pelos europeus como povos primitivos, possuíam uma forte estrutura de identidades culturais construídas historicamente, como toda civilização existente. O pensamento eurocêntri- co, de que estas outras concepções de sociedade não se adequavam a uma sociedade civilizada aos moldes das estruturas sociais europeias, provocaram várias tentativas de desconstrução e imposição identitária aos negros africanos.

A busca por novos lugares foi um dos primeiros elementos que colocaram o homem diante do „outro‟. É esse outro que despertará a incessante busca por disparidades e semelhanças. Taxa-se o „outro‟ como o diferente, o desconhe- cido, o primitivo (RODRIGUES, 2012, p. 56).

Rodrigues (2012) esclarece esta concepção de superioridade ideológica dos eu- ropeus em relação às outras sociedades, até então, desconhecidas. Pensamento eurocên- trico social que, no século XIX e início do século XX, utilizou da teoria evolucionista biológica de Charles Darwin para criar um evolucionismo social e assim promover uma concepção de superioridade racial e regional.

HISTÓRIA E CULTURA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRODESCENDENTES

Historien Ano IV

H i s t o r i e n – R e v i s t a d e H i s t ó r i a [ 7 ] P e t r o l i n a , jun./nov 2 0 1 2 Página 62

No processo de comercialização dos negros escravizados no Brasil, o catolicis- mo já era uma forma de integração social entre negros escravos e outros membros da sociedade colonial. Andreas Hofbauer (2006, p. 86) expõe esta situação:

O batismo constituía então a precondição mínima para o escravo africano conquistar um lugar no grande modelo de sociedade da época. Com o tempo, estabeleceu-se uma instituição religiosa especialmente dedicada à cristianiza- ção de africanos.

Esta atitude de imposição religiosa cristã católica condicionava o negro africano ao sugerir que este seria um dos principais meios para sua integração social na colônia portuguesa.

No livro Diásporas Negras no Brasil, a autora Linda M. Heywood (2010, p. 157) também retrata como o negro africano, através da religião católica, conseguia se incorporar na estrutura social colonial do Brasil.

Homens e mulheres africanos, com acesso ao outro, também conseguiam sus- tentar famílias. Se eles se convertessem ao cristianismo, poderiam se casar na Igreja Católica. As irmandades negras motivavam seus membros a se casa- rem e formarem famílias católicas.

Embora o cristianismo católico tenha sido incorporado na vida dos negros escra- vizados, estes nunca haviam esquecido suas raízes africanas deixadas de forma brusca e violenta. Reconstruíram relações entre si e instituíram práticas culturais e sociais no Brasil, formando assim manifestações religiosas originais. O candomblé é um dos maio- res exemplos desta construção identitária.

Na cidade de Salvador, capital da Bahia, onde se concentrou boa parte dos afri- canos escravizados, e que hoje possui um dos maiores números da população afrodes- cendente nas Américas, as religiões afro-brasileiras conseguiram se estabelecer sem conflitos e adquiriram uma importância imprescindível para a afirmação identitária do povo negro, como afirma Álvares Roberto Pires (2008, p 7):

A riqueza encontrada no interior de cada nação ou reino africano possuía sua especificidade econômica, política, mítica, linguística que representava a ma- neira de saber fazer do homem e mulher ali postado historicamente, enquanto representação da concepção de um mundo marcado por heranças identitárias profundas nem sempre traduzíveis pelos canais de comunicação da cultura dominante ocidental.

HISTÓRIA E CULTURA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRODESCENDENTES

Historien Ano IV

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A religiosidade afro-brasileira, aliás, é um dos principais instrumentos de unifi- cação destas comunidades. O próprio processo de formação do candomblé remete a união dos negros escravizados pela sua africanidade. Manter vivos os costumes e carac- terísticas nativas de seus povos do outro lado do Atlântico é a principal função destes centros africanos.

Entretanto, nesta mesma cidade, é denunciada a intolerância e o desrespeito a es- tes centros africanos, no mesmo artigo do autor citado. Aliás, a intolerância religiosa é explícita, segundo ele, ao afirmar que:

É perceptível que as religiões neopentecostais ao apropriarem-se dos símbo- los, signos, das categorias utilizadas pela religiosidade afro-brasileira como ação que trará maior visibilidade a sua prática religiosa, utilizando-se do

mass media a fim de difundir uma determinada concepção negativa da religi-

osidade negra junto à opinião pública; reforça através da negação a importân- cia que os elementos constitutivos da cultura negra (portanto de sua religiosi- dade) tem na formação da cultura brasileira. Quanto mais se nega mais se res- taura o papel fundamental da cultura negra. Desta feita frisamos que a repre- sentação social que se tem hoje da religiosidade. (PIRES, 2008, p. 10).

Quantos cantores populares do gênero musical rotulado como samba-reggae, ca- racterística incontestável da cultura afro-brasileira se converteram a estas denominações religiosas cristãs neopentecostais e trilharam um caminho de louvor e de busca por no- vos adeptos para suas crenças utilizando o mesmo ritmo musical? Este é apenas um exemplo a qual se refere Álvares Roberto Pires na citação acima.