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O PENSAMENTO DE FRANTZ FANON EM FACE DA CULTURA PROPOSTA PELO COLONIZADOR

O “BRANQUEAMENTO” E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: UMA REFLEXÃO À LUZ DE FRANTZ FANON.

O PENSAMENTO DE FRANTZ FANON EM FACE DA CULTURA PROPOSTA PELO COLONIZADOR

3Segundo Pires (2008, p. 8) agentes da SUCOM – Superintendência de Manutenção, Conservação e Uso do Solo – agiram conforme ordem da superintendente do órgão.

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Historien Ano IV

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A obra de Fanon (2008) faz referências à relação do homem negro com a sociedade francesa da época e com o homem branco, sendo essa relação marcada por estereótipos. Além disso, o autor reflete sobre a colonização para além dos aspectos físicos, tratando da dominação psicológica do branco sobre o negro. Fanon (2008) discute a postura do negro antilhano no seio da sociedade francesa onde este passa por um processo de aculturação e perda de identidade. Esse processo tem como fator decisivo a linguagem, de maneira que o autor a considera o portal para o ingresso no “mundo” do branco.

Para o autor, “o homem que possui a linguagem, possui o mundo que essa linguagem expressa e que lhe é implícito” (FANON, 2008,p.43). Dessa maneira, há de se considerar o elemento linguístico como uma das principais ferramentas para a dominação e subjugação do negro. Entretanto, como veículo pelo qual se acessa outros aspectos do mundo da metrópole, a linguagem introduz outras formas de dominação, sendo uma delas a religião, valores indicativos de crença e cultura. Para Fanon (2008) esses elementos produzem uma alienação decisiva. Ilustra o autor que:

Permanece evidente que a verdadeira desalienação do negro implica uma súbita tomada de consciência das realidades econômicas e sociais. Só há complexo de inferioridade após um duplo processo:

- inicialmente econômico;

-em seguida pela interiorização, ou melhor, pela epidermização dessa inferioridade (FANON, 2008, p. 28).

Portanto, estando mergulhado culturalmente no mundo branco, e adentrando nele através da ponte linguística, o negro torna-se vulnerável às “máscaras brancas” da civilização, a ponto de desconhecer o seu mundo e o seu território, tornando-se um alheio ao mundo ao qual pertencia. Fanon (2008) enfatiza essa relação, dizendo: “Quanto mais assimilar os valores culturais da metrópole, mais o colonizado escapará de sua selva. Quanto mais ele rejeitar sua negridão, seu mato, mais branco será.”

Esse fator cultural de apropriação de outros referenciais culturais que não lhe são próprios vai minando as bases da identidade do negro, que a todo momento é “alertado” pelo comportamento dos brancos em relação a ele como a dizer-lhe “permaneça no seu lugar”, ou “o máximo que você poderá conseguir é aproximar-se da cultura da metrópole rejeitando sua identidade de negro”.

Dessa forma, Fanon (2008) ilustra como o pensamento colonizador é marcante e permanece determinando comportamentos, posturas e modos de pensar ao longo do tempo. Essa perda ou enfraquecimento da identidade do negro é resultado de séculos de inculcação

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de formas de pensar que se perpetuam em vários espaços, inclusive no ambiente escolar. A “aculturação” permanente é responsável por reforçar uma postura individualista ou até mesmo reacionária de negros e não negros em relação às práticas religiosas oriundas de matrizes africanas, principalmente o candomblé. Por sua vez, os terreiros, como também documenta Prandi (2001), são lugares de convivência, trocas e intercâmbios culturais e sociais, ou espaços comunitários onde se reforçam os laços com as raízes ancestrais comuns.

Dentro dessa reflexão, cabe mencionarmos a celeuma que se estabeleceu na cidade de Petrolina-PE recentemente com a colocação de uma escultura representando a Iara, Mãe das Águas, sobre as águas do Rio São Francisco, próximo à orla da cidade. A referida escultura é obra do renomado artista Lêdo Ivo, também autor de outras obras expostas nos dois municípios, como por exemplo a do Nêgo D’água, elemento do folclore regional, instalada próximo à margem do mesmo rio do lado de Juazeiro.

Logo após a instalação da obra de arte, um vereador de Petrolina proferiu discurso inflamado na tribuna da Câmara condenando-a, alegando tratar-se de uma figura satânica por isso, segundo ele, uma afronta aos valores cristãos,motivando outras manifestações de lideranças evangélicas no mesmo sentido. Sentindo-se no dever de fazer-se ouvir pela sociedade, a associação de espíritas e representantes de religiões de matriz africana local, por sua vez, publicou uma carta contendo suas impressões a respeito do ocorrido, defendendo o direito à livre expressão, e o respeito aos símbolos representativos de religiões afrodescendentes, assim como de qualquer outro segmento religioso.

Nessa perspectiva, voltamos a Fanon (2008) quando este chama-nos a refletir sobre as “máscaras brancas”. Estas seriam mecanismos usados como adaptações ao modelo eurocêntrico, e que estão no centro da aversão a tudo o que não é europeu, “puro” e “bom”.

Fanon nos fala de um conjunto de atitudes tomadas historicamente em relação ao negro, num universo que o faz escapar de sua identidade, e que termina sendo assimiladas pelos próprios negros. Utiliza como exemplo o fato de assimilarem a ideia de que para ser aceito na sociedade branca, é preciso ser um “bom negro”, ajustar-se às máscaras e modelos do contexto ideológico do branco. Como ele mostra no texto, torna-se mais cômodo e melhor, optar pelo modelo branco, desde os mais íntimos comportamentos e atitudes,4como forma de adentrar nesse espaço e permanecer nele. E ilustra com essas palavras: “do negro exige-se que seja um bom preto; isso posto, o resto vem naturalmente”(FANON, 2008; p. 47).

4A exemplo da moça negra martinicana citada no seu livro, que preferiu escolher um marido branco e justifica dizendo que tal escolha é melhor que a miséria, embora ele a esconda dos amigos. (FANON, 2008; p. 38)

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Mediante os episódios citados, podemos perceber de que forma ainda prevalece a ideologia do branqueamento, pela qual os valores eurocêntricos se instalarame continuam determinando comportamentos e atitudes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio reuniu alguns elementos sobre o pensamento de Frantz Fanon (2008) com leituras de Reginaldo Prandi (2001) e Álvaro Pires (2008), ambos refletindo sobre africanidade, cultura e aspectos do eurocentrismo que permeia atitudes de negros e não negros.

Consideramos que a mentalidade do colonizador é presente, sutil e permanente, como observa Fanon em seu livro. É inegável que esse pensamento dominante invade todas as áreas da vida social e isso tem sido feito ao longo do tempo, numa perspectiva histórica.

No aspecto religioso, é onde se observa a negação das origens do povo negro, quando muitos escolhem ser contrários às manifestações de sua própria etnia, engrossando as fileiras de outras tendências eurocêntricas e combativas contra contras as religiões de matriz africana. Esse conflito é antigo e permanente, o que só reforça a tese de que o pensamento do colonizador consegue ser absorvido pelo “colonizado” de forma velada e nem sempre explícita, porém disfarçada numa falsa democracia que se impõe com o mito de que não somos um país racista nem preconceituoso.

Assim, é coerente afirmar que a intolerância religiosa é uma realidade no nosso cotidiano, e ela se apresenta de várias maneiras, demonstrando claramente que o pensamento eurocêntrico ainda é muito presente e poderoso, de forma a minar o que seria a expressão de uma consciência real da africanidade, em toda a sua amplitude e singularidade. Ou seja, como diria Fanon (2008), as “máscaras brancas” continuam sendo usadas para encobrir uma face crucial da rejeição ao que é diferente.