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1.5 Gênero Social

1.5.4 A Identidade Feminina na Maturidade

Segundo a cartilha governamental Envelhecimento ativo: uma política de saúde (2005, p. 08-09), em todo o mundo, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais está crescendo

mais rapidamente que a de qualquer outra faixa etária. Entretanto, o envelhecimento da população, apesar de representar um trunfo da humanidade, é atualmente um dos grandes desafios, causando um aumento das demandas sociais e econômicas em todo o mundo.

Quanto às mulheres que, sempre relegadas à invisibilidade, somente no século XX começaram a mostrar a face frequentando universidades, trabalhando, e tendo controle da própria fertilidade, o desafio parece dobrar quando se pensa que a juventude, a beleza e o sexo nunca estiveram tão em evidência quanto nesse momento da cultura contemporânea ocidental. Envelhecer e perder a beleza da juventude é algo que propagadamente deve – e já pode – ser postergado.

O imaginário social de nossa cultura em relação a mulheres no climatério ou pós- menopausa está mudando. Porém, como bem nos lembra Michelle Perrot (2006, p. 42), a quarta idade ainda é feminina. As mulheres povoam as casas de repouso. A solidão das mulheres idosas, empobrecidas, com uma aposentadoria reduzida e poucos recursos, é um dos problemas de nosso tempo que sugere a ambivalência do progresso. Mas a autora (id., id.) diz também que a distância entre os sexos tende a reduzir-se, à medida que o modo de vida das mulheres se aproxima do modo de vida dos homens: elas fumam, bebem, trabalham, circulam, viajam como eles, vivem e morrem quase como eles.

O século XXI, então, está revelando uma humanidade com maior acesso à ciência e à informação, bem como a luta pela igualdade de direitos entre raças, minorias e sexos. A vida da mulher aproxima-se à do homem, mesmo que sua presença ainda se mostre tímida em vários setores de atividades. Mas sua imagem de objeto sexual parece permanecer, principalmente na mídia.

Perrot (id., p. 48) recorda como a vida da mulher durava pouco até o século XIX: a menopausa, tão secreta quanto a puberdade, marcava o final da vida fértil, e, por conseguinte, o término da feminilidade. Então o que dizer dessa nova mulher pós-menopausa? A indústria do consumo já está se fazendo essa pergunta há algum tempo. Existem ―senhoras‖ que têm poder aquisitivo para viajar, comprar imóveis e carros, além de consumirem roupas e produtos de beleza. Muitas delas não compram só revistas de moda e artesanato, mas também revistas de finanças e política. E o mercado editorial está atento.

Com a liberação sexual iniciada no século passado e o aumento na expectativa de vida, a busca pela beleza eterna faz crescer o mercado estético mundial. Com isso, as ―avós‖ já não são mais as mesmas. Existem mulheres que estão passando ou já passaram pela menopausa, com poder aquisitivo para consumir, e sem necessariamente estarem relacionadas a uma figura masculina. Isso está provocando um processo de mudança no imaginário social a partir

de referentes reais e, para Fairclough (2003a, p. 124), os discursos não somente representam o mundo: eles também projetam mundos possíveis, podendo estar ligados a projetos de mudança da realidade.

O ideal de objetividade na mídia, que se revela predominantemente autoritário, não é buscado apenas pela agência produtora de notícias, mas também é resultado das expectativas dos leitores.

Basta olhar para a televisão ou qualquer outra revista. A cada hora do dia toda mulher é bombardeada pela visão de jovens esguias tentando vender este sabão ou aquele cigarro que a fará jovem para sempre. Tudo, desde a moda até a filosofia de vida está baseado na magreza e na juventude da mulher. Paira no ar a convicção de que a vida só vale a pena ser vivida se a mulher for jovem e magra. Evidentemente, nenhuma mulher pode pensar que permanecerá com vinte anos para sempre, mas 'se eu ficar magra e puser bastante maquiagem, posso ao menos parecer mais jovem'. Passa então, a sofrer as torturas diárias de um regime para emagrecer, esperando, secretamente, competir com moças dez, quinze anos mais novas ou até, eventualmente, com a própria filha. E, como a maior parte das mulheres não consegue manter eternamente um peso reduzido, conforme vão atingindo uma idade maior, vão também perdendo o interesse pela vida e pelo sexo, param de fazer regimes, desleixam a aparência, engordam, desistem, justamente quando poderiam gozar de todos os prazeres da vida com mais maturidade e, portanto, muito mais intensamente do que os jovens. (MURARO, 1971, p. 70)

Segundo Castro (1995/1996, p. 116), nos anos 70, até mesmo em publicações femininas de prestígio, havia uma regra tácita que dizia para as mulheres que lutavam por seus direitos trazerem ao rosto uma ―expressão de mulher madura, forte e que faz de sua vida uma luta‖. Ou seja, beleza e juventude feminina não significavam necessariamente inteligência e seriedade. ―Se Muraro não chega a fazer um elogio do excesso de peso, pelo menos diz que estar fora dos padrões estéticos oficiais tem a sedução de um ato essencialmente subversivo‖, completa Castro (id., p. 119).

Hoje, para que a mulher seja ao mesmo tempo 'moderna' (ativa, independente, trabalhadora, etc.) e atraente dentro dos mesmos padrões de boneca de luxo de antigamente, precisa consumir muito mais. Civilização avançada é isso aí. A indústria dos bens supérfluos nos oferece cotidianamente uma tecnologia que nos convida a intervir sobre o corpo de modo a esconder sua condição de estar vivo, para exibir apenas sua potencialidade como depositário do desejo do outro. O outro, a quem nosso corpo não deve incomodar, cheirar, melar, molhar, revelar-se. O outro que não aceita nosso corpo caso ele envelhecer, engordar, perder a consistência "pneumática", empalidecer, engravidar... (KEHL, 1982, p.14-15)

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2004), ao longo do século XX, a expectativa de vida das mulheres brasileiras aumentou perceptivelmente entre os anos de 1910 (34,6 anos) e 1990 (69,1 anos) e, em 2000, já era de 72,6 anos. Há, então, consequentemente, um número crescente de mulheres no climatério.

Oliveira et al. (2008, p. 43) escrevem que o termo ―climatério‖ deriva da palavra grega

evolução biológica da mulher, com a transição do período reprodutivo para o não-reprodutivo, que o Ministério da Saúde, no Manual da Assistência ao Climatério, preconiza que esteja compreendido em torno de 25 anos: ou seja, dos 40 aos 65 anos (BRASIL, 1994). Já a popular ―menopausa―, continuam Oliveira et al. (2008, p. 43), que também se origina do grego, resulta da união das palavras ―mês‖ e ―interrupção‖, e é um processo específico que consiste na parada permanente da menstruação em função da perda da atividade folicular ovariana.

A culturalmente estabelecida associação de sexo com reprodução, dizem os autores (id., p. 47), cria no imaginário feminino a ideia de que, com a menopausa, a mulher não precisa mais dar voz às suas necessidades sexuais, pois sua função enquanto procriadora está cumprida. Mas não apenas se coloca em questão a maternidade com a menopausa, são todos os papéis culturalmente atribuídos à mulher, dizem Carvalho & Coelho (2006, p. 114).

Envelhecer implica enfrentar uma série de perdas reais e simbólicas. A mulher, com o término de sua capacidade reprodutiva, configurada pela menopausa, tende a se perceber entre dois momentos socialmente antagônicos: a juventude e a velhice. No entanto, se a jovem é exaltada, a mulher idosa, parafraseando Simone de Beauvoir, é sempre a outra. [...] No Brasil, parece ser precária a quantidade de serviços na rede pública de saúde e de estudos destinados à menopausa e à maturidade, o que contribui para uma visão estereotipada das dificuldades que as mulheres enfrentam nessa etapa da vida. (CARVALHO & COELHO, 2006, p. 113)

Analisando determinantes sociais presentes no climatério, Mendonça (2004, p.159) afirma que a imagem do ―ser mulher‖, construída a partir de estereótipos sedimentados na beleza, na juventude, na fertilidade, atinge profundamente sua identidade. O advento da menopausa afeta negativamente a construção da autoimagem feminina, marcando decisivamente a concepção do envelhecer da mulher, seja associando o início do envelhecer a ela, seja apelando para a tecnologia para tentar apagar os primeiros sinais físicos da idade e retardar o envelhecimento. Nesse sentido, Oliveira et al. (2008, p. 48) advertem que a eterna juventude é almejada a preços altos, tanto por meio de procedimentos estéticos, quanto pelo sofrimento da não aceitação da imagem de si por parte daquela maioria da população brasileira não privilegiada economicamente. O envelhecimento, então, não é determinado apenas pela cronologia biológica, mas também pela condição sócio-econômica e singularidade das histórias de vida das mulheres, dizem Carvalho & Coelho (2006, p. 117).

O fantasma da velhice aparece como uma advertência para as mulheres que não seguem os recursos médico-cosmetologistas. Vemos assim, nestas superfícies discursivas, a medicalização dos corpos, a criação de um novo invólucro, de uma nova categoria: as mulheres na menopausa. Vaginas desérticas, ossos quebradiços, desejo esquecido, o discurso médico generaliza e cria a menopausa como um castigo, num corpo envelhecido, caminho de todas, se… não seguirem a hormonoterapia, os cuidados com a pele e os cabelos, a ginástica, a dieta. (SWAIN, 2001, p. 37)

Além disso, segundo Carvalho & Coelho (2006, p. 114), ainda é comum se detectar na mídia uma ―discriminação implícita pela propagação de uma visão negativa da mulher que envelhece‖. Elas (id., p. 117-118) concordam que a violência exercida por discursos de exaltação da juventude supõe um modelo de desvalorização do envelhecer, como se não pudesse mais existir o desejo nem o acesso a direitos elementares. Essas autoras (2005, p. 231) bem lembram do dito popular, o qual diz que ―falar sobre a depressão na mulher é um pleonasmo‖, embora essa queixa depressiva pareça ter articulações com a transição marcada por estereótipos que refletem uma desvalorização do envelhecimento feminino pelo qual está passando, concluem Carvalho & Coelho (2006, p. 120).

Cancella & Abrão (2005, p. 157), analisando mulheres na faixa etária de 40 a 48 anos, observaram que elas traziam em seu discursos ―o traço de uma geração de mulheres socialmente impedidas de fazer e de realizar os próprios projetos‖; mulheres que pertenceram à geração que ―experimentou as consequências de uma das mais profundas mudanças de comportamento já ocorridas no universo feminino‖, no cerne de uma revolução sexual, bem como passou por mudanças bruscas tanto na maneira de ver a vida quanto no exercício da sua cidadania. Oliveira et al. (2008, p. 48) percebem nessa mulher certo estranhamento em relação a si mesma nessa etapa da vida chamada climatério, mas a qual também proporciona o esboço de uma ―nova identidade, antes não reconhecida e, muitas vezes, não compreendida pela mulher nem por aqueles que com ela convivem‖.

2 METODOLOGIA, CORPUS E MULHER “MADURA”

[...] há em sua cozinha todo um potencial de pães a serem produzidos, mas lá, na cozinha, reduzem-se apenas à farinha, ou seja, a farinha é todo o potencial de significado que, ao ser manuseado pelos profissionais, transformar-se-á em bolos, pães, brioches, croissants, biscoitos, roscas, pães de queijo, e toda a gama de espécies que podem ser produzidas, de acordo com o contexto de situação daquela padaria. Logo, essas diferentes espécies de pães são ‗textos‘ instanciados a partir da farinha: a farinha é o sistema, o pão é o texto. A influência do contexto, ainda, vai definir a que gênero o pão- texto pertence, pois, para a mesma ocorrência temos, em diferentes contextos de situação, diferentes tipos de pão, inclusive com nomes distintos em contextos variados.

(Orlando Vian Junior)35

A metodologia dessa pesquisa tem a pretensão de ser polifônica por estar aberta a vozes sistemáticas, vozes críticas e vozes dialógicas que recuperam sujeitos históricos através de enunciados.

Wodak (2004, p. 232), numa visão panorâmica do desenvolvimento da tradição crítica na análise do discurso, menciona o uso da linguística hallidayana, da sociolinguística de Bernstein, e também do trabalho de críticos literários e de filósofos como Foucault, Habermas e Bakhtin, e apoia a sugestão de outros linguistas críticos que acreditam que as relações entre a linguagem e a sociedade são tão complexas que é necessário adotar um foco interdisciplinar de pesquisa.

Desse modo, combinando a ACD (vide item 1.1), a ADD (vide item 1.2) e a LSF (vide em 1.3), dentro da Teoria dos Gêneros do Discurso (vide item 1.4), analiso um exemplar do gênero reportagem36 (vide item 1.4.2) representativo para os estudos de gênero social (vide item 1.5), especificamente para a verificação de como a presença de estereótipos (vide item 1.5.2) nas vozes da mídia (vide item 1.4.1) afeta a construção de identidades (vide item 1.5.3) no gênero social feminino na maturidade (vide item 1.5.4), conforme o exposto a seguir.

35 (VIAN JUNIOR, 2009, p. 110). 36

A opção por um corpus de apenas uma reportagem foi sugerida pela Professora Nina Célia de Almeida Barros, arguidora quando da Qualificação de Mestrado dessa autora em 06/07/2009, pela representatividade da mesma em relação às questões propostas aqui.