• Nenhum resultado encontrado

1.4 Gênero Discursivo

1.4.2 Gênero Reportagem

―Contar ou reproduzir a um terceiro o que me disseram e que eu mesmo não vi é uma atividade estruturante da humanidade‖ (AMORIM, 2004, p. 96), e a reportagem pode ser considerada a própria essência de um jornal, de acordo com o Manual de Redação e Estilo (MARTINS, 1997, p. 254-255), diferenciando-se da notícia pelo conteúdo, extensão e profundidade. A forma linear de construção de uma reportagem seria o título, o primeiro parágrafo, a cabeça ou lead, e o desenvolvimento da história, narrativa ou texto.

No Novo Manual da Redação da Folha de São Paulo (2001, p. 24), pode ser lido que boas reportagens devem sempre ouvir as partes envolvidas na questão que gerou o fato e transmitir, de maneira ágil, informações novas, objetivas (que possam ser contestadas por terceiros) e precisas sobre fatos, personagens, ideias e produtos relevantes: ―toda boa reportagem exige cruzamento de informações‖, primando pela imparcialidade e objetividade, e sua redação deve começar com o que é mais relevante ao público. Segundo Bahia (1990, p. 52), a reportagem implica a forma de ver a notícia, podendo projetar o fato ao observá-lo sob diferentes ângulos.

[...] a crônica, o editorial, a coluna e o artigo são gêneros jornalísticos marcados, em maior ou menor grau, pelo caráter opinativo. Desses formatos o leitor não espera isenção, distanciamento e objetividade. Neles, a manifestação explícita da opinião, seja do autor ou veículo, não é mal recebida. [...] O mesmo não acontece com os gêneros de caráter informativo, como a notícia e a reportagem. Ao selecionar qual matéria daquela edição será destacada na manchete de primeira página, é muito raro um editor optar por um artigo, editorial ou coluna. O que chama a atenção da maioria do público – acreditam os jornalistas –, o que vende jornal, é a novidade anunciada pela notícia, é a revelação feita pela reportagem. A simples observação das primeiras páginas estampadas em qualquer banca de jornais permite constatar que são a reportagem e especialmente a notícia os gêneros que os veículos pressupõem ser os de maior consumo, de maior impacto junto ao público. (FRANCESCHINI, 2004, p. 147)

Grillo (2005, p. 1164) acredita que ―a imprensa brasileira tem sido caracterizada tanto pelo direcionamento do noticiário em função da linha ideológica do jornal, quanto pela diversidade de perspectivas nela representadas‖. E, se esses dois enfoques não são mutuamente excludentes, ―o gênero reportagem constitui-se em objeto privilegiado para observar como o ponto de vista do jornal organiza as vozes em conflito dos envolvidos‖. Por isso, as noções bakhtnianas de polifonia e de dialogismo dão suporte para caracterizar o gênero reportagem como um gênero constituído pelo conflito de posições e de confronto entre os discursos dos atores sociais, conclui (id., p. 1165).

Para a autora (id., id.), o confronto entre os diversos pontos de vista envolvidos nos fatos pode ser observado na reportagem através do discurso citado, o qual é fator de organização da sua forma composicional. A citação – DD -, o relato – DI -, bem como formas híbridas – DH - do discurso citado, como o relato seguido da citação, e a modalização em discurso segundo, servem para interpretar ao mesmo tempo em que produzem efeitos de fidelidade às vozes dos atores. Essas diferentes formas caracterizam o diálogo estabelecido entre o contexto transmissor e o discurso alheio.

―Para a fala cotidiana, o sujeito que fala e sua palavra não é um objeto de representação literária, mas um objeto de transmissão praticamente interessado‖ (BAKHTIN, 1993, p. 140). A transmissão desse discurso alheio visa a fins específicos, nunca é desinteressada, e isso pode ser percebido nas formas de diálogo entre o contexto transmissor e o discurso citado, finaliza Grillo (2005, p. 1165).

Ao analisar o gênero reportagem, essa autora (id., p. 1168) mostra que a polifonia pode ser a própria essência da reportagem quando, por meio do discurso citado, deixa vir a tona posições ou vozes em confronto sobre o assunto abordado. Nesse caso, tanto o diálogo quanto o conflito de pontos de vista, característicos da polifonia, aparecem nas vozes de atores sociais que se manifestam de modo privilegiado nas formas de apreensão e transmissão do discurso alheio.

Essas vozes, entretanto, são distintamente distribuídas e valorizadas pelo(s) repórter(es) nos diferentes espaços do jornal (paratexto, texto), em razão, sobretudo, da identidade ou do distanciamento da linha editorial do jornal. A presença do discurso direto produz um efeito de fidelidade literal à fala dos atores sociais, entretanto, a homogeneidade estilística e normativa dos discursos analisados indica que eles são reformulados e se constituem, do ponto de vista da produção, em discurso indireto. Por fim, a percepção desses procedimentos é fundamental para que o leitor identifique a linha argumentativa, julgue as posições em conflito e assuma, com independência, uma posição pessoal. (GRILLO, 2005, p. 1168)

Outra relevante consideração acerca do gênero reportagem é feita por Franceschini (2004, p. 144), o qual entende que distingui-lo da notícia pode auxiliar o público a aumentar o senso crítico em relação ao veículo midiático que acompanha, seja ele jornal, revista, rádio ou televisão, na medida em que permite ao leitor, ouvinte ou telespectador perceber a motivação daquele veículo em divulgar informações sobre determinados assuntos, e não sobre outros.

Franceschini (id., p. 148) diz que é a notícia, dentre os gêneros jornalísticos, o que mais conta com uma aura de imparcialidade e que leva o leitor a aceitar determinado relato como verdadeiro e isento. Principalmente em torno da notícia é que se consolidou o mito da objetividade no jornalismo, responsável pela enorme acolhida e o potencial de convencimento. E para perpetuar esse mito da objetividade, o jornalismo estabeleceu uma espécie de acordo: produzir notícias sem distorções ou mentiras em relação aos fatos concretos.

―Mas o que é notícia? De forma simplista, pode-se dizer que é o anúncio de um fato novo, o anúncio da novidade. Nem mesmo para os jornalistas parece fácil a tarefa de defini-la de modo mais satisfatório‖ (ibid., id.). Entretanto, para Lage (1999, p. 16), a diferença entre a notícia e outros formatos textuais está na forma em que ela é redigida e não no seu conteúdo ou na natureza das informações: notícia é o fato redigido a partir do dado capaz de gerar maior interesse, seguindo-se as demais informações em ordem decrescente de importância.

Franceschini (2004, p. 149) lembra que a técnica diz que toda notícia polêmica tem dois lados e ambos precisam ser ouvidos, e ressalta que o gênero reportagem é a designação de um outro gênero jornalístico específico e distinto do gênero notícia – os leitores dificilmente percebem essa distinção – que, até mesmo os jornalistas, os quais não acham fácil definir satisfatoriamente o que é notícia, têm dificuldade em relação à definição exata (id., p. 150). Para Lage (2001), muito da dificuldade para definir a reportagem tem a ver com suas amplas possibilidades, compreendendo ―desde um simples complemento de uma notícia até um texto que revela conteúdos de interesse permanente, a partir da prática histórica‖ (LAGE, 1982, p. 83).

O autor (id., p. 35) diz que a reportagem trata de assuntos que não são necessariamente fatos novos. Se a notícia representa o novo imediato, a reportagem representa o atual mais abrangente, oferecendo maiores detalhes àquilo que já foi anunciado. ―Noticiar um fato depende em menor grau de uma intenção própria daquele veículo em publicá-lo, enquanto que investigar um aspecto da realidade por meio de uma reportagem depende quase que exclusivamente dessa intenção‖ (FRANCESCHINI, 2004, p. 152).

Segundo Vilas-Boas (1996), o formato do gênero reportagem também se destaca por procurar destrinchar um assunto por meio de pesquisa mais acurada, focalizando o assunto e não somente o fato que deu origem a esse. A reportagem pode organizar seu texto a partir da revisão de fatos que envolvem um tema, atualizando e ampliando suas dimensões. Por seu caráter marcadamente interpretativo, o gênero reportagem revela de forma mais visível a fragilidade da postura imparcial da mídia na exposição, comentários, explicações, comparações, previsões e provas com as quais ela (re)constrói o fato. Sendo assim, para Benites (2002, apud SOUZA, 2007, p. 02), o gênero reportagem permite à mídia argumentar de forma ardilosa ou velada para muito além dos limites do seu dizer, construindo verdades e manipulando a opinião pública através de recortes da realidade.

A reportagem, portanto, é assim como a notícia um gênero de caráter informativo, produzido em obediência às mesmas técnicas básicas, apesar de praticar uma liberalidade maior no uso da linguagem. Nos dois formatos de texto, o leitor comum espera encontrar isenção e objetividade, apesar de essa meta ser utópica. Tanto uma como outra podem ser publicadas sem assinatura – já que utopicamente são ―fiéis espelhos da realidade‖ e não uma visão pessoal do repórter – assim como também podem estampar os nomes do seu autor, se essa for a decisão dos editores. Como diferença, destaca-se que a publicação da notícia reflete em menor grau uma intenção do veículo, enquanto que a publicação da reportagem, ao contrário, reflete quase que exclusivamente a intenção do veículo de divulgar aquele assunto naquele momento. (FRANCESCHINI, 2004, p. 153)

Porém, mesmo com todas as tentativas de classificação, no dizer de Bahia (1990, p.50), ―toda reportagem é notícia, mas nem toda notícia é reportagem―, acreditando que o que determinará um tratamento dado à informação mais enxuto na notícia, ou mais exaustivo no gênero reportagem, definido como ―a soma das diferentes versões de um mesmo acontecimento‖, é seu potencial de sociabilidade e de imprevisibilidade.

―A passagem de um gênero a outro ou a utilização de vários gêneros em um mesmo texto constituem, para certas obras, momentos decisivos na produção do saber‖ (AMORIM, 2004, p. 64). Para Bakhtin (1997), a hibridização é ―uma mistura de duas linguagens sociais dentro dos limites de um único enunciado; um encontro, dentro da arena de um enunciado,

entre duas consciências linguísticas diferentes, separadas uma da outra por uma época, pela diferenciação social ou por algum outro fator‖.

―O salto da notícia para a reportagem se dá no momento em que é preciso ir além da notificação – em que a notícia deixa de ser sinônimo de nota – e se situa no detalhamento, no questionamento de causa e efeito, na interpretação e no impacto‖ (BAHIA, 1990, p. 50).

Nessa pesquisa, sigo a classificação proposta por Bonini (2009, no prelo). O autor (id., p. 18, apud MOTTA-ROTH & LOVATO, 2009), estudando a mídia norte-americana, concorda que é difícil diferenciar notícia e reportagem por haver diferentes ―ecologias de gênero‖ – modo como as pessoas se adaptam em certos ambientes por meio de práticas que realizam e os gêneros que usam. Bonini (2009, no prelo, p. 07, apud MOREIRA & MOTTA- ROTH, 2008) enfatizou ser complicado também caracterizar os gêneros jornalísticos no Brasil, especialmente no que tange à notícia e à reportagem, e descreve a ―estrutura retórica‖ da notícia em três partes e oito movimentos, identificando ―oito tipos de reportagens‖ (ibid., p. 28, apud MOREIRA & MOTTA-ROTH, 2008), conforme exposto no QUADRO 8.

GRUPO GÊNERO PROPÓSITO

Baseado em fatos da realidade

Notícia Reporta/noticia um fato ou um evento Reportagem de retrospectiva Explica a origem do fato

Reportagem de opinião Aborda um fato ou assunto através de pesquisa de opinião

Reportagem que traça perfis Descreve uma pessoa ou instituição relacionada a um fato, um tema atual, um tema prestigiado socialmente e/ou famoso

Reportagem de capa Reporta o dia-a-dia de uma instituição, grande evento/festa, ou um fato duradouro

Baseado em um tema

Reportagem de produto/propaganda Descreve um novo produto/pessoa

Reportagem de pesquisa Apresenta dados para interpretação de um problema atual ou de tendência comportamental social Reportagem didática Explica um assunto, situação conflituosa ou serviço

Reportagem de itinerário Apresenta possibilidades de turismo/viagens

QUADRO 8: Organização Retórica da Reportagem27 – adaptado de Bonini (2009, no prelo, p. 28, apud MOREIRA & MOTTA-ROTH, 2008).

A reportagem didática e a de pesquisa apresentam características similares na medida em que ambas têm foco em algum objeto do conhecimento. A diferença entre as reportagens diz respeito à função e ao objetivo de cada uma delas. Por exemplo, a reportagem de pesquisa apresenta novos conhecimentos sobre tendências comportamentais ou temas correntes na sociedade e sua organização retórica tende a incluir a apresentação de dados e opiniões de especialistas; a reportagem didática, por sua vez, está voltada à divulgação de explicações sobre um tópico de conhecimento já evidenciado e à apresentação de sugestões ao leitor. Esse tipo de reportagem pode contemplar um tópico cronologicamente distante dos fatos correntes, reportados nas notícias do jornal, ser guardado em um arquivo por um tempo e ser impresso quando o jornal não tiver muitas notícias com conteúdos importantes para divulgar. Desse modo, a diferença entre as reportagens diz respeito à função e ao objetivo de cada uma delas, conclui Bonini (id., p. 12-15, apud MOREIRA & MOTTA-ROTH, 2008).