• Nenhum resultado encontrado

1.2 Análise Dialógica do Discurso

1.2.3 Análise Metalinguística

De acordo com Bakhtin (2008, p. 310), o diálogo exterior expresso é inseparável do diálogo interior e, em certo sentido, nesse se baseia; e ambos são igualmente inseparáveis do grande diálogo do texto no seu todo, que os engloba. Bakhtin (id., id.) chama esse tipo de estudo de metalinguístico, o qual é o estudo das múltiplas variedades do chamado discurso bivocal13 e sua influência em diversos aspectos da construção do discurso. Na obra de

Dostoiévski o discurso bivocal encontra matéria abundante: o objeto fundamental da representação é o próprio discurso, o discurso plenissignificativo. ―As obras de Dostoiévski são o discurso sobre o discurso, voltado para o discurso‖ (ibid., id.).

[...] Metalinguística, aqui interpretada como teoria/análise dialógica do discurso, faz parte das estratégias utilizadas por Bakhtin para, a partir da minuciosa leitura e análise do conjunto da obra de Dostoiévski, configurar o gênero polifônico, e apresentar o conceito de polifonia. E não o contrário. (BRAIT, 2006, p.14)

Para Fiorin (2006, p. 90), a palavra que é representada, e não a que representa, é sempre bivocal: ―o discurso bivocal é introduzido pelo autor sob o ângulo da comunicação dialógica, isto é, sob o plano do discurso‖, afirma Acosta-Pereira (2008a, p. 12). O discurso bivocal orienta-se simultaneamente para o objeto do discurso e para o discurso do outro, numa dupla orientação do discurso que se materializa na forma de enunciados. Brait (2006, p. 13) diz que é justamente essa bivocalidade de diálogo, situado no objeto e na maneira de enfrentá- lo, que caracteriza a novidade da Metalinguística e de suas consequências para os estudos da linguagem.

O discurso representável converge com o outro discurso representativo em um nível e em isonomia. Penetram um no outro, sobrepõe-se um ao outro sob diferentes ângulos dialógicos. [...] Como resultado desse encontro, revelam-se e aparecem em primeiro plano novos aspectos e novas funções da palavra. (BAKHTIN, 2008, p. 309)

Faraco (2001, p. 28) afirma que o ―antes-dito‖ bakhtiniano, considerando-se a multivocalidade presente nos discursos, entrou na análise do discurso como um ―elemento danificador dos significantes portadores de nossas identidades teóricas‖. Esses discursos heterogêneos carregam enunciados com a memória de outros discursos. As palavras que vêm de outros enunciados e remetem a eles na interação verbal nunca são neutras, mas plenas das visões de mundo que carregam, segundo Rodrigues (2007, p. 155). ―Não há trabalho de

campo que não vise ao encontro com um ‗outro‘, que não busque um interlocutor. Também não há escrita de pesquisa que não se coloque o problema do lugar da palavra do ‗outro‘ no texto‖ (AMORIM, 2004, p. 16).

Por exemplo, relações dialógicas, dialetos sociais (posições socioaxiológicas), autoria, vozes da construção enunciativo-discursiva [...] o autor também explica seu conceito de discurso, contrapondo-o à visão objetivista da língua, e afirma que as relações dialógicas pertencem ao campo do discurso e, portanto, são objetos da Metalinguística. O conceito de discurso é introduzido pelo autor sob o ângulo da comunicação dialógica, isto é, sob o plano da discursividade, especificando que o discurso orienta-se para o objeto do discurso como para o discurso do outro. Essa dupla orientação materializa-se na forma de enunciados e, por conseguinte, pressupõe uma autoria enunciativo-discursiva. Neste sentido, a autoria é concebida como uma postura de autor, ou seja, uma postura discursivo-dialogizada, posto que, segundo a perspectiva bakhtiniana, a autoria implica reação dialógica. (ACOSTA-PEREIRA, 2008b, p. 87)

Entretanto, conforme Fiorin (2006, p. 128), forças centrípetas – que aspiram ao monologismo e buscam o fechamento, a unidade, a homogeneidade, bem como forças centrífugas – que buscam tanto a abertura, a diversidade, a heterogeneidade, quanto buscam desvelar o dialogismo constitutivo do discurso, atuam incessantemente sobre as línguas. ―As vozes do poder têm sempre uma ação centrípeta, desejam impor-se como centro de sentido, buscando reduzir o plurívoco ao unívoco‖ (ibid., p. 82). Mas um sujeito nunca pode ser completamente assujeitado, pois sempre participa de forma única do diálogo de vozes, e a história da formação de sua consciência é singular, diz o autor (id., p. 58).

A autoconsciência do herói, personagem, ou ―ator social‖ como característica principal na construção de sua imagem no enfoque polifônico pressupõe também uma posição nova do autor na representação desse personagem. Descobre-se um aspecto novo do ser humano, do ―homem no homem‖14

, que requer um enfoque novo do ser humano e uma nova posição do autor, destaca Bezerra (2005, p. 193). E o ―homem no homem‖ não é um objeto silencioso, é sim outro sujeito a quem cabe autorrevelar-se livremente, outro eu com direitos iguais no diálogo interativo com os demais falantes.

Sendo a consciência sociossemiótica, ou seja, formada de discursos sociais, o que significa que seu conteúdo é sígnico, cada indivíduo tem uma história particular de constituição de seu mundo interior, pois ele é resultante do embate e das inter-relações desses dois tipos de vozes. Quanto mais a consciência for formada de vozes de autoridade, mais ela será monológica, ptolomaica. Quanto mais for constituída de vozes internamente persuasivas, mais será dialógica, galileana. (FIORIN, 2006, p. 56)

14 Na Língua Portuguesa, ―homem‖ é sinônimo para ―humanidade em geral‖, o que acredito já evidencia uma

Em um estudo metalinguístico, recupera-se marcas do discurso relatado indireto de outrem integrado(as) no discurso citante, o qual, segundo Bakhtin (2006, p. 169), irá adquirir um relevo que acomoda matizes do autor à sua coloração. As vozes do grande e ininterrupto diálogo no qual o sujeito social participa são assimiladas de diferentes maneiras no processo de construção da sua consciência, destaca Fiorin (2006, p. 56) e, segundo ele (id., p. 38-39), essas marcas do discurso alheio não demarcadas - discurso bivocal - podem ser nitidamente evidenciadas em um estudo metalinguístico. Há vozes que são incorporadas como vozes de autoridade e que se aderem de modo incondicional e, por isso, são centrípetas, impermeáveis, e resistentes a impregnar-se de outras vozes. Em contrapartida, outras vozes são assimiladas como posições de sentido internamente persuasivas, vistas como uma entre outras, centrífugas e permeáveis à impregnação por outras vozes, estando sempre abertas à mudança. Essas vozes centrífugas são partes de um mundo polifônico que, para Fiorin (id., p. 83), ―seria um mundo em que o pluralismo de ideias fosse efetivamente respeitado, porque todas as vozes seriam equipolentes, nenhuma voz social se imporia como a palavra última e definitiva‖.

[...] a palavra a duas vozes ou bivocal a orientações diversas, entre as quais encontramos três tipos: o discurso bivocal de orientação única (estilização, narração do narrador, discurso não objetificado do herói-agente das idéias do autor, Icherzählung); o discurso bivocal de orientação vária (paródia, qualquer transmissão da palavra do outro com variação no acento, Icherzählung parodístico); tipo ativo ou discurso refletido do outro, no qual a palavra do outro influencia ativamente o discurso do autor (polêmica interna velada, autobiografia e confissão polemicamente refletidas, qualquer discurso que visa ao discurso do outro, réplica do diálogo, diálogo velado). O último tipo ou a palavra bivocal, na fonte da noção de polifonia em Dostoiévski, é o objeto privilegiado do estudo de Bakhtin. (GRILLO, 2006, p. 124)

É pertinente também aqui dizer com a autora (id., id.) que, apesar serem oriundas da análise da prosa dostoievskiana, ―as relações dialógicas e, em especial, a palavra bivocal, enquanto objetos de estudo da metalinguística, são encaradas por Bakhtin como pertencentes às nossas práticas cotidianas, não se restringindo à literatura‖.

Bakhtin formulou, nos textos de sua última fase, uma disciplina de estudo da linguagem, a metalinguística, que tem por objeto as relações dialógicas e a palavra bivocal. Essas relações são de natureza axiológico-semântica, ocorrem entre enunciados e também no interior de um mesmo enunciado. [...] Apesar de a proposição de uma ciência dialógica da linguagem ter suas origens nos estudos de obras literárias, o projeto da metalingüística contempla um conjunto de fenômenos que não se restringem aos enunciados da esfera literária. (GRILLO, 2006, p. 121)