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Nessa segunda etapa analítica, tento ir além das limitações impostas por uma análise de linguística de base unicamente sistêmico-funcional, apesar dessa não prescindir também de uma análise dialógica para uma acurada interpretação textual, fazendo com que o analista lance mão também de elementos extraverbais (conforme visto no item 3.1.2.2). De acordo com Grillo (2006, p. 123), Bakhtin apresenta tanto a linguística quanto a metalinguística como estudando sob diferentes ângulos o mesmo fenômeno, o discurso. ―A epistemologia de uma metalinguística funda-se sobre três aspectos: a complementaridade em relação à linguística de sua época, a delimitação de um objeto de pesquisa e a proposição de um campo de fenômenos a estudar‖ (ibid., p.122).

Aqui considero o texto como enunciado na concepção bakhtiniana: o momento de enunciação, segundo Pires (1999), se refere à relação dos sujeitos com a língua no processo que marca materialmente a presença da subjetividade no discurso. Por isso, divido essa ADD em duas partes: a primeira apontando o discurso bivocal – DB -, e a segunda trazendo para a análise vozes de outras reportagens da mesma instituição midiática.

Em relação à primeira parte desse item, como mencionado no item 1.2.3, Bakhtin (2008, p. 309) diz que o diálogo exterior é inseparável do diálogo interior, e ambos são inseparáveis do grande diálogo do texto, que chama outras vozes a todo o momento para sua construção. Então, uma análise metalinguística deve levar em consideração o chamado discurso bivocal (DB), visto sob uma perspectiva diferente da citação e do relato anteriormente citados no item 3.1.2.1.3. Ou seja, o discurso de outrem é introduzido pelo autor sob o ângulo da comunicação dialógica e se materializa no texto como enunciado.

Quanto à segunda parte, concordo que processos valorativos devem estar sempre ligados a questões ideológicas. Conforme mencionado anteriormente, Caldas-Coulthard (2005) reconhece que há vários tipos de ideologia que são as âncoras das revistas e, segundo Bakhtin (1997), tudo que é ideológico se ―encarna‖ em algum material semiótico, ou seja, na linguagem, que reflete e refrata a realidade. Se ―o contexto da situação compreende tudo aquilo que é relevante para a interação‖ (MARTIN, 1992, p. 494), acho importante trazer aqui vozes de outras reportagens de Veja, a fim de que se verifique de modo mais abrangente como essa fase de transição da representação imagética das mulheres no climatério ou pós- menopausa está sendo percebida por essa representativa revista brasileira.

3.2.1 Discurso Bivocal

No dialogismo - que, segundo Barros (1994, p. 02) é a condição de sentido e o princípio constitutivo, às vezes mascarado, de todo discurso, e a característica essencial da linguagem - da mídia jornalística, as vozes das fontes são usadas ―como referências, posições e recursos informativos que consubstanciam a constituição e o funcionamento desse gênero‖, conforme Acosta-Pereira (2008b, p. 88). Por meio do discurso de outrem, ainda segundo o mesmo autor, ―o autor constrói sua voz de forma refratada e revalorada, orquestrando pela intersecção de vozes e pelas posições socioaxiológicas esse dialogismo‖ (ibid., id.).

Através da análise sistêmico-funcional, pode-se visualizar de maneira precisa os discursos citados, destacando-se as citações paratáticas onde a perspectiva central da oração é da pessoa que pronunciou aquelas palavras e os relatos, também recuperados por representações hipotáticas de Processos Verbais através de Processos Mentais de Transitividade presentes no texto, e onde o que é reportado não é necessariamente o que foi realmente dito (vide QUADRO 9 - item 3.1.2.1.3).

O estudo fecundo do diálogo pressupõe, entretanto, uma investigação mais profunda das formas usadas na citação do discurso, uma vez que essas formas refletem tendências básicas e constantes da recepção ativa do discurso de outrem, e é essa recepção, afinal, que é fundamental também para o diálogo. (BAKHTIN, 2006, p. 149)

Em um estudo metalinguístico, de modo diverso, recupera-se marcas do discurso relatado indireto de outrem integrado(as) no discurso citante. Fiorin (2006, p. 38-39) diz que, mesmo que essas marcas de discurso bivocal não tenham demarcações nítidas entre as vozes, elas podem ser claramente percebidas. Além disso, discursos que representam o senso comum frequentemente estão presentes nos textos jornalísticos, visto que fazem parte da busca por identificação com os leitores-alvo.

Como pode ser observado, além do grande número de ocorrências de citações, relatos e discursos híbridos anteriormente localizados (vide QUADRO 9 - item 3.1.2.1 e APÊNDICE 2), o resto do texto está repleto de outras vozes não percebidas apenas em uma leitura sistêmica, entre as quais destaco:

Voz de Fernanda – o que é previsível, pois o fato que gerou a notícia e, por conseguinte a reportagem, foi a morte de Marcelo, da qual ela é testemunha:

Enquanto dirigia, ele chegou alucinado à garagem do prédio. Circulava entre as vagas, freava bruscamente, gritava. Quando parou o carro, um Polo prata, começou a revistá-lo. Só interrompeu o surto de atividades frenéticas ao se jogar, prostrado, no banco do carona. Dali não saiu vivo.

Vozes de outras noticias – achado também previsível, pois Susana Vieira é uma pessoa pública e famosa, e, como está escrito na própria reportagem, seu envolvimento com Marcelo foi amplamente divulgado na mídia:

E é por isso que não existe mulher no Brasil que não tenha acompanhado suas aventuras na TV e suas desventuras na vida real, que culminaram com a morte do ex-marido Marcelo Vieira da Silva, que por duas vezes a traiu e humilhou em público.

Vozes de especialistas não citados em citações ou relatos – como Marcelo morreu de overdose, o(a) autor(a) teve de recorrer a pesquisas científicas para explicar sobre o efeito das drogas nos seres humanos:

Mesmo em usuários acostumados, ou com físico de atleta, como Marcelo, pode acontecer o momento em que o corpo não aguenta, pelo excesso de droga ou, o que é mais raro em razão da qualidade inferior do pó distribuído no Brasil, por sua pureza incomum.

Quanto ao discurso de senso comum, revela-se com uma inclinação discriminatória da

mulher que envelhece, bem como para uma exaltação da juventude:

Dava um livro, um filme – e, claro, uma novela

Aos 66 anos, tem uma característica rara: continua a ser protagonista de novelas.

Nessa narrativa tão antiga quanto a humanidade, Susana era o personagem principal e Marcelo aquele coadjuvante de caráter duvidoso e comportamento inconveniente que todo mundo desconfia que não vai acabar bem no final. É a lição de moral que o senso comum de justiça exige

Marcelo Silva, ex-soldado da PM, morreu no vigor dos 38 anos assombrado por alucinações terríveis que o atormentaram durante as suas últimas doze horas de vida.

Fernanda é uma bela nutricionista de 23 anos, filha de um médico e fazendeiro de Goiânia, que foi para o Rio fazer um curso de pós-graduação, conheceu Marcelo, apaixonou-se e desencadeou o último escândalo ao usar o truque clássico – e baixo – da "outra": ligar para a mulher oficial e contar tudo, na tentativa de forçar uma ruptura.

Eram tempos ainda ingênuos quando fez o primeiro papel importante, o da babá malvada na novela Anjo Mau, da Globo. Num processo incomum, ela foi ganhando mais destaque com o tempo, que sempre pareceu desmentir com a aparência jovial (ajudada pelas plásticas de costume) e o temperamento desafiador.

Os que já passaram pelo teste da paixão – fazer uma coisa que normalmente a pessoa não faria, e sabendo que vai dar errado – preferiram não julgar, ou pelo menos entender que esse é um campo onde a irracionalidade vence, sempre.

A mais conhecida história ficcional de paixão de uma mulher mais velha por um homem mais jovem é o filme Crepúsculo dos Deuses, ou Sunset Boulevard, no título original.

Como tudo com mais de cinquenta anos na cultura contemporânea, o filme de 1950 virou um clássico pela pura passagem do tempo – sem desmerecer suas maravilhosas qualidades.

A partir de determinada idade, o difícil vira impossível. Os finais infelizes não são surpresa.

3.3.2 Vozes Valorativas

A ADD considera que as interações sociais se desenvolvem através de valorações, bem como de orientações ideológicas que ―se entrecruzam na constituição e no funcionamento dos enunciados e dos gêneros da esfera do jornalismo‖, conforme postula Acosta-Pereira (2008b, p. 72). Baseada nessa afirmação, seleciono e comento a seguir algumas passagens retiradas de reportagens publicadas poucos meses antes da reportagem analisada pelo mesmo veículo midiático, e que trataram do tema do envelhecimento:

Quando se trata de desfrutar a vida com as vantagens da maturidade, mas a uma distância ainda segura dos desconfortos da velhice, o 50 é o novo 40. Ou, dito de outra maneira: a combinação de experiência e vitalidade que até pouco tempo atrás caracterizava os quarentões agora também distingue homens e mulheres que ultrapassaram a barreira dos 50 anos. A explicação de fundo para isso é, digamos, de saúde pública: as pessoas estão vivendo mais, e envelhecem melhor. (VEJA, 2008a, p. 89)

Nesse caso, o ―envelhecer melhor‖ concorda com o texto analisado (vide APÊNDICE 1 - Exs. 180 e 181), embora esse diga que as mulheres envelheceram melhor que os homens. Entretanto, visto que no texto analisado (vide APÊNDICE 1 - Ex. 105) Susana é descrita como melhor mãe pelo ex-marido e Fernanda como a que lhe provocou o desejo de ter filhos, a citação acima parece referir-se mais à saúde física na velhice do que ao direito a uma vida sexual ativa - tanto para homens quanto para mulheres -, a qual talvez ainda esteja ligadas à capacidade reprodutiva – essa só destinada a mulheres jovens fora do período do climatério, mas aos homens em qualquer etapa da vida.

Como comprovam as contas do dermatologista, da academia e da farmácia, as mulheres precisam se dedicar com afinco à missão de estar bem na metade da vida. Homens, um pouco menos, para a eterna inveja delas. Como cabelo grisalho e rugas discretas nunca foram impedimento para o sucesso social masculino, permanecem galãs apesar (ou por causa) da idade madura os irresistíveis Pierce Brosnan, um poço de charme aos 55, Richard Gere, inalterável jeitinho carente aos 58, e José Mayer, que, aos 59 e longe de sua melhor forma (por força do papel, ressalte-se), anda aos beijos com Juliana Paes em A Favorita, folhetim das 8 da Globo. Com ou sem muito esforço, o fato é que a população de meia-idade (termo, por sinal, cada vez mais impopular) envelhece (mais impopular ainda) com muito menos marcas, internas e externas, do que seus pais. (VEJA, 2008b, p. 98-99)

A citação acima, também exemplo de discurso de senso comum, atenta explicitamente sobre as cobranças de juventude eterna para as mulheres do mundo ocidental contemporâneo, pois para o sexo feminino parece ser negado o direito de ―ser grisalho e ter rugas‖. Novamente, é um ―envelhecer melhor‖ altamente questionável e que parece também relacionado diretamente às condições socioeconômicas das mulheres.

Uma vida afetiva e sexual é parte inerente do ser humano adulto, mas para as atuais mulheres pós-menopausa – na verdade, para todas as mulheres -, ao contrário dos homens maduros, isso demanda sérias preocupações relacionadas à aparência física - FIGURA 10. Entretanto, esse iniciar de século está em uma fase evidente de transformações sociais profundas, pois as mulheres com mais de 50 anos – as ―tigronas‖ - demonstram estar buscando também o direito ao prazer físico, bem como rejeitando falsos estereótipos acerca de seu gênero social, como mostram as FIGURAS 9 e 10, respectivamente. Mas, apesar de por um lado as mulheres pós-menopausa afirmarem que ―não têm nada a ver com suas mães na mesma idade‖ - FIGURA 10 -, por outro a sociedade – refletida nas instituições midiáticas - resiste a essa mudança comportamental feminina, ao ponto de comparar a tramas

mirabolantes de novelas (vide APÊNDICE 3: A ―Novela‖) a vida daquelas que, como a atriz

Susana Vieira, com grande esforço físico, psicológico e social, lutam, tanto pelo direito a um envelhecimento ativo em todos os aspectos e com final feliz, quanto pela aceitação e pelo respeito às suas diferenças.

FIGURA10: “Madura”, Não (VEJA, 2008b, p. 100).