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3 NARRATIVAS PESSOAIS COMO GÊNERO E SUA ESTRUTURA

3.4 Modelo de análise de narrativa de Labov e Waletzky (1967) e Labov (1972)

3.4.1 A macroestrutura da narrativa

3.4.1.1 A importância da avaliação

A avaliação, segundo Labov e Waletzky (1967) e Labov (1972), é um dos elementos estruturais da narrativa. É uma suspensão da ação básica do que se está narrando que tem por finalidade informar ao ouvinte/leitor sobre o clima emocional da situação, a carga dramática envolvida, eventos e protagonistas. Segundo Labov (1972), ela é a razão de ser da narrativa, é o meio pelo qual o narrador pode indicar porque a história merece ser contada. Através da avaliação, o narrador pode enfatizar alguns eventos em detrimento de outros, e assim, aumentar a sua influência no desenrolar da história.

Contudo, para Vincent (1996, p.32), a “ausência de avaliação pode conferir dimensões significativas à narrativa, quando em lugar de dizer, leva-se a crer, sugere-se, silencia-se”. Isso não significa que o texto não contenha alguma forma de avaliação, mas que apenas não foi verbalizada, encontrando-se, assim, de forma implícita. Para Moreira de Sá (2001, p. 2), “a ausência de comentários avaliativos explícitos pode ser, portanto, uma

estratégia utilizada pelo narrador para comunicar, mais fortemente, a razão porque está contando aquela história”.

A ação de suspender ou interromper na avaliação, também, chama a atenção para uma parte específica da narrativa deixando entrever o ponto avaliativo37. Contudo, tanto em Labov e Waletzky (1967), quanto em Labov (1972), fica evidente que nem sempre se suspende ou interrompe a ação. Labov (1972, p. 369) considera que a avaliação pode ser encontrada em qualquer parte da narrativa e de formas diversificadas. Nesse sentido, é considerada como uma estrutura secundária. E podemos defini-la como de caráter semântico. Esta perspectiva é adotada para a análise dos componentes avaliativos que apresentamos nesta pesquisa.

Além de sua estrutura secundária e de seu caráter semântico, a avaliação como seção estrutural incide sobre a ação complicadora. Algumas vezes tem a função de separar a complicação da resolução, podendo outras vezes encontrar-se fundida à resolução numa única oração narrativa. De acordo com Labov (1972, p.369), ela pode, ainda, não se limitar a uma seção fixa, perpassando a narrativa como “foco de ondas avaliativas”. Compreendida, desse modo, como uma estrutura secundária, como antes mencionada, é que ela pode ser encontrada sob formas diversificadas, e em qualquer ponto da narrativa. Isso faz com que venha a contribuir, de maneira significativa, com a compreensão do ouvinte/leitor.

Prince (1983, p.529) afirma que quando se considera que houve a compreensão em uma determinada narrativa, significa que se conseguiu explicar sua mensagem, especificando aonde a história narrada queria chegar. É necessário explicitar o seu point. Van Dijk (1983, p.154) diz que, por regra geral, “um falante somente explicará acontecimentos ou ações que de certa maneira sejam interessantes”. Entretanto, juntando as características semânticas e pragmáticas de um texto, pode-se perguntar, e até mesmo questionar, sob qual critério se pode dizer que este ou aquele texto é ou não interessante. Van Dijk (op. cit.) assevera que um texto narrativo deve ter pelo menos um acontecimento ou uma ação que venha a cumprir, pelo menos, com o critério do interesse. Assim, a significação é algo que surge com o leitor, e como tal, não pode ser reduzida a um conjunto de proposições ou de representações semânticas. O texto narrativo requer um leitor ativo

37 Labov (1997) afirma que uma das características da avaliação é estar concentrada em uma seção avaliadora, e a outra é estar localizada exatamente antes da mais importante ação de avaliação, ou aquilo que esse autor considera como sendo o “ponto” da narrativa. Ressalta, também, que é no nível da gramática das frases que podemos encontrar pistas diretas para a avaliação.

que se baseia nas convenções linguísticas, que o faz tornar-se criativo e imaginar um mundo no qual existem pessoas que agem, e que se movimentam.

Cortazzi e Jim (2001), seguindo os preceitos das teorias de Labov e Waletzky (1967), e de Labov (1972), afirmam que a avaliação como critério principal da narrativa é a chave para a interpretação das atitudes dos participantes em uma atividade narrativa. O ato de avaliar coloca o autor e o próprio narrador em cheque, na medida em que tanto o narrador quanto a história narrada estão sendo avaliados pelos ouvintes/leitores.

A fim de podermos analisar a avaliação, quando ela aparece nos textos escritos produzidos pelos alunos-colaboradores, em espanhol, faz-se necessário o conhecimento a respeito dos diferentes tipos ou formas de avaliação. As estruturas avaliativas, além de encontrar-se vinculadas ao aspecto interacional da linguagem, podem, também, evidenciar o ponto de vista do autor, neste caso do aluno, ao expressar-se na escrita em língua espanhola. Uma das características distintivas da narrativa, além da disposição temporal, está o narrador com seu ponto de vista. Para Labov (1972), quase todos os procedimentos de avaliação têm como finalidade suspender a ação. Desse modo, classificou a avaliação em quatro tipos:

→ A avaliação externa;

→ A avaliação encaixada ou interna; → A ação avaliativa;

→ A avaliação por suspensão da ação.

Esses quatro tipos de avaliação sugeridos por Labov (1972, p. 371) constituem os meios que o narrador utiliza quando deseja destacar a importância dada aos acontecimentos, os quais sucedem dentro do relato. Trata-se de recursos avaliativos, cuja presença indica e enfatiza o porquê de valer a pena contar a história, seja porque se trata de um acontecimento engraçado, amoroso, perigoso, de humor, de mistério, ou mesmo algo fora do comum.

Assim, a avaliação externa é o próprio ato de narrar, e cumpre, inicialmente, uma função essencialmente estrutural. Nesse tipo de avaliação, o narrador interrompe a narração dirigindo-se ao ouvinte/leitor comunicando-lhe o seu ponto de vista, o qual considera como relevante a respeito do fato contado, como por exemplo: “foi muito bom”, ou “foi legal”. Segundo Tannen (1982, p. 8), esse tipo de avaliação usa uma estratégia da escrita chamada “lexicalização da significação”, ou seja, o narrador suspende à narrativa e

lexicaliza o seu fulcro, buscando, desse modo, conseguir a adesão do ouvinte/leitor para a história narrada.

Já a avaliação encaixada ou interna está presente no próprio desenvolvimento da narrativa, prescindindo, assim, da sua continuidade dramática. Utiliza-se de recursos linguísticos gramaticais, semânticos ou prosódicos. Na escrita pode se dar por meio de repetições de palavras ou representações de aceleramento de vogais, por exemplo. Esse tipo de avaliação corresponde ao uso dos discursos reportados, diretos, marcados (ou não) na narrativa. O discurso reportado, ao mesmo tempo em que representa um mecanismo de avaliação da narrativa, é também um meio utilizado para alcançar a adesão do ouvinte/leitor.

Esse tipo de avaliação, isto é, a encaixada ou interna, pode ocorrer de três modos: no primeiro, o narrador menciona os seus sentimentos como algo que estivesse ocorrendo com ele mesmo naquele momento, e não que estivesse dirigindo-se ao ouvinte/leitor; no segundo, o narrador faz referência a si mesmo como se estivesse dirigindo-se a alguém; e no terceiro, o narrador introduz outra pessoa para avaliar as ações do antagonista, aumentando assim a carga dramática dos fatos narrados.

Nas situações de avaliação encaixada, os elementos utilizados servem como transmissores do ponto de vista do narrador, e por isso, podem ser entendidos como elementos avaliativos, e podem igualmente encontrar-se, não apenas nas seções de avaliação, mas em qualquer ponto da narrativa. Tannen (1982, p. 8) afirma que a avaliação interna “usa uma estratégia da oralidade, a significação implícita por meio de elementos paralinguísticos”. No texto escrito são exemplos desses elementos expressões tais como uhnhum ou ahaa!, que contém um significado como assevera a autora, ainda que de maneira implícita.

Na ação avaliativa ou avaliação pelo fato, ao contrário dos dois tipos de avaliação mencionados anteriormente, o narrador, ao invés de relatar o que disseram os/as personagens, descreve o que eles fizeram. Ainda assim, o locutor ou o narrador se revela capaz de encaixar seu comentário inesperado.

Ao contrário das anteriores, a avaliação por suspensão da ação se caracteriza ou acontece quando as emoções são expressas em frases separadas. A suspensão da ação ocorre como uma forma de sinalizar para o ouvinte/leitor que aquela parte que foi interrompida indica um aspecto avaliativo. Pode vir expressa por orações livres, restritivas ou narrativas coordenadas. Muitas vezes, a identificação faz-se tão somente por critérios semânticos.

3.4.1.1.1 Elementos que atuam na avaliação

Labov (1972, p.378) considera que a complexidade sintática é relativamente rara na narrativa. Comenta que alguns elementos linguísticos e paralinguísticos (por exemplo: ahahh, uhumm...) podem ocorrer em qualquer seção de avaliação ou mesmo em qualquer parte da narrativa. Para a identificação desses elementos, propõe quatro agrupamentos: intensificadores – na escrita podem vir representados pelas interjeições; por descrições avaliativas; por repetições –, comparadores – na escrita podem vir em forma de perguntas, ordens comparadoras, referência a acontecimentos hipotéticos, dentre outros –, correlativos e explicativos.

Entre os intensificadores estão os dêiticos (este, aquele,...), os quantificadores (além de..., ainda...) e as repetições. Essa forma de avaliação refere-se a um evento selecionado pelo narrador que o reforça; os comparadores são formados pelos negativos, pelos futuros, pelos modais, interrogativos e comparativos. Neste tipo de avaliação, o narrador coloca em contraste eventos ocorridos com aqueles que poderiam ter ocorrido, mas que não ocorreram; os correlativos ocorrem quando o narrador apresenta juntos dois eventos que ocorreram efetivamente. É um tipo de avaliação que apresenta complexidade sintática; e os explicativos que se dão quando orações subordinadas trazem explicações ou avaliações sobre as orações principais, narrativas ou avaliativas, às quais estão ligadas. Neste tipo de avaliação, o narrador acrescenta explicações, e estas ocorrem em orações coordenadas. Optamos por especificar os quatro grupos por sua relação de pertinência com o estudo que ora se propõe e que implica em que possamos encontrar qualquer um deles nas produções escritas analisadas.

A seção de avaliação está relacionada, também, à reportabilidade e credibilidade na troca comunicativa, pois sua função é estabelecer e manter algum ponto de interesse pessoal, referente ao relato. Assim, esses dois aspectos estão ligados, intimamente, às características culturais e convencionais de cada agrupamento humano. Por isso, mostram- se tão relevantes no estudo das narrativas, já que estas fazem parte do cotidiano das pessoas que as usam em forma de um saber concreto ou abstrato. A reportabilidade caracteriza aquilo que é narrável, e depende da coerência do texto. Desse modo, refere-se aos aspectos relacionados ao conhecimento de mundo e de conhecimento partilhado pelos interlocutores.

A credibilidade, assim como a reportabilidade, também está relacionada com a coerência da narrativa. Origina-se do conhecimento geral que determinado grupo ou

cultura tem do mundo. Visa à aceitação da narrativa por parte do interlocutor. Dessa forma, esses dois conceitos que se encontram relacionados à avaliação, “um componente essencial da narrativa embora nem sempre seja verbalizada” (MOREIRA DE SÁ, 2001, p. 2), são importantes para o presente trabalho, na medida em que são necessários para compreender e analisar as produções escritas dos alunos-colaboradores.