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3 NARRATIVAS PESSOAIS COMO GÊNERO E SUA ESTRUTURA

3.3 As narrativas pessoais e sua estruturação linguístico-discursiva

3.3.2 Elementos de elocução na construção da narrativa

A estrutura composicional global dos textos é inicialmente ordenada por um plano de texto. O gênero textual narrativa pessoal, assim como os textos considerados como eminentemente narrativos, pode apresentar alguns elementos de elocução, além da própria narração, na composição de sua estrutura interna, sejam elementos descritivos, diálogos, e/ou argumentações. Àlvarez (2003, p.22), por exemplo, afirma que os textos narrativos são mistos, e que a descrição e o diálogo são formas de expressão imprescindíveis a esses textos. Por outro lado, Fiorin (1991, p.41) nos lembra de que todo fazer comunicativo é argumentativo, no sentido de manifestar um ponto de vista sobre um dado assunto. Isso se pode verificar através de uma opinião ou de uma avaliação (LABOV, 1972) que é parte integrante das narrativas pessoais.

3.3.2.1 A descrição

Uma narrativa pessoal não está composta apenas de elementos narrativos. Bronckart (1999, p. 235) opõe-se à ideia de que a descrição seja uma sequência autônoma, filiando-a diretamente à narrativa. Para Van Dijk (1975), uma narração é uma descrição de ações que requer para cada ação descrita um agente, uma intenção deste agente, um estado ou um mundo possível, e uma mudança junto com sua causa e o propósito que a determina. Eco (1993, p.153) corrobora e inclui a tudo isso os “estados mentais, emoções, circunstâncias”. Ressalta que a descrição somente é pertinente se as ações descritas são difíceis; e também se o agente não dispõe de uma opção óbvia para mudar o estado que não corresponde aos seus desejos. Assim sendo, os acontecimentos posteriores devem ser inesperados, inusuais ou estranhos.

Numa visão literária ou não literária, a descrição só faz sentido se construir a situação inicial da narrativa, em que são apresentados hábitos ou características de personagens, tempos ou espaços. Desse modo, pode-se dizer que ela é parte constitutiva da narrativa, e pode exercer duas funções: pode ser puramente decorativa, constituindo assim apenas um ornamento do discurso, uma pausa ou um momento de recreação. Pode também, ser simbólica e explicativa, que acontece quando a descrição aparece para explicar ou justificar algum traço psicológico de algum personagem.

Moreira de Sá (1999, p.61) considera a descrição como “o segmento textual que contém um conjunto de denominações hierarquizadas, composto por orações restritas ou livres e que apresenta as características de um objeto, expressa sentimentos ou representa ações”. Ao se descrever algo, seja uma pessoa, um Quadro, uma cena, uma paisagem, um ambiente, um processo, uma ação, dentre outros, faz-se uma seleção de elementos que ao serem agrupados formam uma construção “imagística” de um ser ou de um objeto. É toda essa escolha de características que passa a compor o objeto a ser descrito, e que serve para mostrar a importância do uso da descrição como componente eficaz numa narrativa.

Para Viana (2012, p. 45), neste sentido, é preciso saber selecionar detalhes, saber reagrupá-los, analisá-los para se conseguir obter uma imagem. É preciso mostrar as relações existentes entre as partes dessa imagem para melhor compreender o conjunto e melhor sentir como impressão viva. A autora sugere que as informações descritivas e narrativas estabelecem uma relação de coexistência. Todos esses aspectos são importantes na medida em que contribuem para mostrar, no texto narrativo, questões relacionadas, por exemplo, aos personagens, aos lugares, e aos fatos ocorridos no decorrer da narrativa.

Além de apontar detalhes de elementos importantes a respeito de um referente qualquer, a descrição, também, possui objetivos específicos dentro do ambiente textual, na medida em que pode passar a defini-lo, caracterizá-lo, ou até mesmo apresentá-lo ou enquadrá-lo dentre os objetivos de um texto. As características linguísticas descritivas que costumam ser mais frequentes são: o uso de adjetivos, de marcas morfológicas particulares, como por exemplo, a predominância de verbos no imperfeito, termos lexicais como substantivos próprios com fortes conotações individuais, figuras de linguagem, dentre outros.

Nessa perspectiva, a descrição é uma grande aliada da narração, pois auxilia de modo a oferecer qualificações às personagens e aos cenários de uma história. Numa visão intratextual, está presente em maior ou menor grau do mesmo espaço textual da narração. Na visão de Charaudeau (1992, p. 659), “a descrição e a narração são procedimentos

discursivos que contribuem de forma equivalente para a construção textual”. Isso mostra que a descrição é mais do que um mero recurso a ser utilizado, e que contribui de maneira significativa na composição estrutural da narrativa.

3.3.2.2 O diálogo

As estruturas dialogais, no texto escrito, são usadas para expor as palavras que os interlocutores pronunciaram numa conversação. Adam (2008, p.247) assevera que “a imitação da conversação oral leva a formas dialogais escritas que não poderíamos confundir com a oralidade autêntica”. Num intercâmbio interacional, algumas vezes, o autor tem necessidade de mostrar, com exatidão, quais foram às palavras expressas por determinado(s) personagem(s), dependendo da intenção ou objetivo que tenha diante da história narrada. Por isso, a presença de discursos diretos é um fato comum nas narrativas.

A conversa entre os personagens aparece com muita frequência nos textos narrativos, e numa narrativa pessoal escrita também podemos encontrá-la, por mais que não seja comum. O diálogo tem a função de ilustrar ainda mais a história narrada. Serve para trazer informações complementares ao leitor, para explicar, justificar ou fortalecer fatos relacionados com os personagens envolvidos na história, como uma forma de melhor caracterizá-los, além de mostrar aspectos avaliativos. Podem indicar um momento de reflexão e outro de ação. Em caso de narrativas muito longas, um diálogo bem escrito é capaz de substituir alguns trechos de narrativa, e fariam com que o leitor não se perdesse e nem se sentisse fatigado com a leitura.

3.3.2.3 A argumentação

A argumentação, como sequência secundária numa narrativa pessoal, serve para defender, estruturar e expor ideias, de forma a demonstrar alguma coisa ou persuadir uma audiência a respeito de algo, esteja essa audiência formada por uma única pessoa ou por toda uma coletividade. Blancafort e Valls (2002, p.294), num sentido amplo, afirmam que a argumentação “é uma prática discursiva que responde a uma função comunicativa orientada ao receptor para conseguir sua adesão”. A partir dela, as pessoas ativam estratégias de convencimento, nas quais exibem razões e/ou emoções com o objetivo de influenciar e/ou seduzir o leitor para a história narrada. Segundo Adam e Revaz (1997, p. 106):

De maneira geral, qualquer narrativa comporta uma dimensão explicativa. A forma narrativa canônica [...] propõe uma estrutura na qual personagens, motivos e circunstâncias estão ligados de maneira coerente e orientada, de tal forma que dão sentido aos fatos do mundo.

A partir da colocação desses autores, infere-se a possibilidade da construção de um texto narrativo com finalidade explicativa, ou seja, a organização de uma narrativa a serviço da explicação de um fato ou de um fenômeno. Nesse sentido, a argumentação estaria compondo junto à explicação o construto narrativo elaborado.