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Semelhanças estruturais entre as narrativas literárias e a narrativa pessoal

2 A NARRATIVA E SEUS GÊNEROS

2.2 Pressupostos teóricos: a narrativa como gênero e como estrutura

2.2.1 Semelhanças estruturais entre as narrativas literárias e a narrativa pessoal

A visão do estruturalismo, conforme mostrada no tópico anterior (2.2), como a própria expressão anuncia é de estrutura, entendida como um todo no qual as partes só ganham sentido em relação umas as outras. Barthes (1972 e 1999) orienta que devemos procurar a estrutura da narrativa na própria narrativa, e que, também, cabe à Linguística (do discurso) organizar um modelo estrutural que possa ser aplicado à análise das narrativas. Segundo o autor, há uma identidade entre a linguagem enquanto veículo da narrativa e a literatura.

Assim, no sentido de uma análise voltada às narrativas literárias, foram descritos os níveis das funções (PROPP, 2006 e BREMOND, 1972), das ações (GREIMAS, 1972), e da narração (TODOROV, 1999). Também Genette, como já mencionado (2.2), divide a narrativa em três níveis e em cinco categorias, mostrando, assim, elementos internos da narrativa. O gênero textual narrativa pessoal por ser um gênero narrativo, pode apresentar semelhanças estruturais com as narrativas literárias, tais como os contos, as fábulas, ou as histórias infantis, por exemplo. Tanto as narrativas literárias quanto a narrativa pessoal pode apresentar uma estrutura baseada em introdução, desenvolvimento e conclusão. Assim como nas funções de Propp, uma narrativa pessoal pode iniciar-se com a introdução de personagens, desenvolver as ações até chegar a um desfecho final. Pratt (1977, p. 69) considera que:

Narrativa literária e natural são formal e funcionalmente muito parecidas [...], todos os problemas de coerência, cronologia, causalidade, antecipação (foregrounding), plausibilidade, seleção de detalhes, tempo, ponto de vista, e intensidade emocional existem para o narrador natural da mesma forma que para o romancista.

O autor reconhece, desse modo, que existem semelhanças entre as narrativas literárias e as narrativas que denomina como natural, e que entendemos como de experiência pessoal. Nos gêneros da narrativa, de maneira geral, a sequência dos fatos e a orientação temporal das ações são bastante relevantes. Adam (1985, p. 17), no tocante a composição da sequência narrativa define-a como uma “estrutura hierárquica global”, e, em uma publicação posterior (ADAM,1992), organiza o esquema narrativo de Todorov

(1973) de forma bastante elucidativa, contendo uma situação inicial, uma transformação e uma situação final. Esse esquema que é característico da narrativa literária pode ser observado, também, em uma narrativa pessoal, já que ao contar-se uma história é necessário, inicialmente, situá-la dentro de um contexto de realização. Dessa forma, a história terá um desenvolvimento (transformação), e terá (ou não) uma conclusão final.

Labov e Waletzky (1967) consideram que existem estruturas narrativas básicas e estruturas narrativas mais complexas. Neste sentido, as narrativas que se constituem produto de longas tradições oral e literária seriam vistas como estruturas mais complexas, em contraposição às estruturas fundamentais encontradas em versões orais de experiências pessoais, ou seja, em relatos originais produzidos oralmente por uma amostra representativa da população de determinada comunidade linguística. Dessas considerações iniciais surgem consequências metodológicas importantes na medida em que definem e particularizam a proposta dos autores.

As peculiaridades da análise de Labov e Waletzky (1967) se centram fundamentalmente em dois aspectos: nos elementos estruturais de diferentes níveis que compõem a narrativa; e nos critérios operacionais empregados para a identificação e classificação desses elementos. Propostas anteriores baseiam-se na identificação de unidades semânticas em termos de expressão verbal, as quais possuem fronteiras nem sempre precisas, como por exemplo, as funções de Propp e de Bremond, e os elementos, os sintagmas e as sequências narrativas de Greimas.

Labov e Waletzky (1967) se ancoram em um conceito gramatical ao partir da oração, o que lhes propicia, desde o inicio, certa objetividade na análise operando com a noção de sequência cronológica dos acontecimentos narrados, que é um critério utilizado, por exemplo, para classificar as orações que compõem a narrativa. Operam, também, com as funções comunicativas do discurso narrativo, como um critério usado, por exemplo, para identificar as seções que compõem a narrativa. Se o estruturalismo originário de Propp privilegia a ênfase numa estrutura narrativa repetitiva, ao contrário Labov enfatiza, segundo François (1996, p.167), “a narrativa como discurso e a avaliação como aquilo que torna o texto digno de ser contado.” Pratt (1977, p.66) corrobora afirmando que “todos os mecanismos avaliativos que Labov descreveu na narrativa natural se encontram na narrativa literária, e eles realizam a mesma função nos dois tipos”.

Juanatey (1998, p. 88), ao referir-se ao texto literário, diz que a linguagem é a mesma que a do texto comum, mas muito mais que aquilo que nos serve para comunicação com fins práticos. Em princípio, parece um pouco contraditório, porém o que a autora de

fato quer expressar é que, o uso que se faz da língua nos permite várias formas de expressão, por meio da linguagem considerada como o instrumento de comunicação mais potente. A autora sugere que a literatura está ao alcance de todo mundo, mas que devemos estar conscientes de que a compreensão da excelência artística de um texto não é imediata, e que é preciso aceder a ela. Juanatey (op. cit.) ressalta, mais adiante, ao referir-se a natureza original de diferentes textos, em diferentes idiomas que “a aprendizagem linguística tem um valor educativo rigorosamente indispensável”. Deduz-se, assim, que a linguagem literária serve como subsidio para a aprendizagem da linguagem comum.

Todos contam, escrevem, ouvem, leem toda espécie de narrativas. A narrativa pessoal se da em primeira pessoa, a narrativa literária geralmente em terceira. Quando a narrativa se dá em primeira pessoa requer que o narrador seja um personagem participante da história. Desse modo, ele usará o seu jeito de contar, transmitindo ao leitor os seus pontos de vista ou opiniões, suas crenças, seus julgamentos. Assim, como o foco da abordagem em primeira pessoa se encontra na visão do narrador sobre os acontecimentos, o leitor terá acesso somente ao pensamento desse narrador, o qual pode permitir-lhe o acesso a outros personagens expressos. O narrador, geralmente, é o protagonista da história. Isso não significa que ele não possa vir a contar, por exemplo, algo que alguém já lhe tenha contado, tornando-se, assim, um personagem neutro.

Ao contrário da narrativa em primeira pessoa, quando a narrativa se dá em terceira pessoa, esse ponto de vista oferece ao escritor grande flexibilidade. É o modo narrativo mais utilizado na literatura. O narrador está fora dos acontecimentos, ele sabe tudo (sentimentos, pensamentos e segredos) sobre todos. Comenta, analisa e se introduz em tudo. Embora domine todos os fatos, não invade o interior das personagens, prefere manter-se do lado de fora, comentando-lhes as ações e comportamentos. Isso faz com que essas personagens se tornem mais enigmáticas.

As narrativas literárias se estruturam por meio de cinco elementos: um tema/assunto/enredo29; contem um ou mais personagens; as ações devem, necessariamente, ocorrer num determinado tempo e lugar; alguém narra/conta (narrador) a história, participando (ou não) dos fatos. Esses elementos podem ser observados também nas narrativas pessoais. Contudo, as características comuns que os envolvem, obviamente, não

29 Tema, assunto, mensagem, dizem respeito à história que é narrada. Não são considerados, essencialmente, como elementos da narrativa, não participam da sua estrutura, mas da essência da história. Por trás de toda a história narrada, o leitor necessita saber sobre o que tratou (tema), de que maneira o tema é abordado (assunto), que conclusão ou ensinamento se tem ao final da narração (mensagem). Tudo isso está, direta ou indiretamente, relacionado ao enredo (acontecimento em si mesmo: ação, trama, intriga). Como foge do escopo do presente trabalho o aprofundamento desses conceitos sugerimos a leitura de Cardoso (2001).

se processam exatamente da mesma maneira no texto literário e no texto não literário. Cada um deles possui suas especificidades que permitem ao leitor identificá-los, e acessá- los de acordo com sua natureza, quais sejam, por exemplo: uma narrativa pessoal, um conto, uma fábula, ou uma história infantil.