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A importância do folheto informativo

LISTA DE SIGLAS

4.4 A qualidade e o acesso à informação 1 O incumprimento terapêutico

4.4.2 A importância do folheto informativo

Se o uso correcto, completo e racional dos medicamentos depende desde logo do folheto informativo, vulgarmente designado por ‘bula’, sobre a sua legibilidade muito há a dizer. O folheto informativo transporta consigo uma vasta e extensa informação escrita, muitas vezes numa linguagem técnico-científica típica do resumo de características do medicamento (RCM), onde as informações de posologia e avisos de segurança não dão lugar a qualquer destaque gráfico.

Na minha investigação de mestrado “A legibilidade gráfica face a uma sociedade envelhecida - um estudo de caso: folheto informativo medicamentoso da Aspirina”52 foi possível comparar a

informação de 30 folhetos informativos portugueses. Estes revelaram insuficiências gerais e manifestas relativamente às necessidades do utilizador determinando dificuldades de leitura gráfica. Além de uma linguagem de difícil compreensão, os textos dos folhetos caracterizam- se como pouco legíveis. À medida que o tamanho tipográfico é reduzido, os textos são compactados, os espaços entre linhas e parágrafos são quase inexistentes, não há separação de itens nem subtítulos e a maioria da informação é apresentada num único e extenso

paragrafo, o que torna o texto pouco legível e pouco convidativo à leitura53.

O estudo desenvolvido concluiu pela necessidade urgente de alteração da legislação nacional

54e fundamentou uma proposta de quatro templetes sobre os folhetos, adequados a um

público-alvo diferenciado:

• adultos sem insuficiências visuais; • adultos com insuficiências visuais; • adultos invisuais (Braille);

• adultos estrangeiros (Inglês).

52 (Camacho and Mota 2008); (Camacho, Mota and Pita 2013). 53 (Camacho and Mota 2008, 115 - 123).

Quanto à falta de legibilidade dos folhetos podemos ainda referir outros estudos e testemunhos que mostram a sua falta de qualidade e o fraco acesso à informação que proporcionam. Estudos provenientes do estrangeiro 5556, mas também nacionais, que nos

acompanham desde há muito tempo, quase tanto como desde a inclusão dos folhetos no mercado português. A revista Teste Saúde, do grupo da Deco Proteste, é um exemplo relativo aos estudos nacionais mais antigos. Já em 1997 fizera um estudo sobre este assunto, e em 2011 voltou a debruçar-se sobre o mesmo problema.

No estudo de 1997 57, foi sublinhado que os folhetos são essenciais para o uso correcto e

eficaz dos medicamentos e que nem sempre a informação dada aos utentes é clara, completa e consensual entre os vários países; para além disso, o uso de uma linguagem demasiado técnica e de caracteres microscópicos torna o texto dos folhetos informativos bastante incompreensíveis e ilegíveis. Refere ainda que o bom uso de um mediamento depende muito da informação dada no respectivo folheto e que é portanto essencial que a linguagem não seja demasiado técnica, de forma a ser acessível a qualquer utente. O estudo menciona que seria fundamental que a indústria farmacêutica fosse ao encontro das necessidades dos utentes, dando-lhes informações práticas, claras e úteis e, deixa algumas sugestões sobre a

apresentação gráfica onde refere a inclusão de gráficos e/ou esquemas.

A propósito das conclusões deste mesmo estudo da Teste Saúde de 1997, o Dr. Mário Frota, da Associação Portuguesa para o Direito do Consumo (APDC), concordou com as conclusões e deixou claro que a mensagem dos folhetos não passa. A sua opinião sobre os folhetos resume-se à conclusão de que a mensagem não passa e de que o seu real objectivo, que é informar, acaba por não se cumprir. Defende que vivemos um contexto português em que os índices de iliteracia – daqueles que não conseguem interpretar e dos analfabetos - são elevados, e que portanto os folhetos informativos deviam ser adaptados aos diferentes públicos e aos diferentes níveis de preparação intelectual.

Na sua opinião, os folhetos informativos são feitos para médicos e diplomados, com uma linguagem demasiado técnica, e sublinha que deveria haver uma linguagem figurada que permitisse colher informação de uma forma mais directa do que através da fraseologia actual, que acaba por nada dizer.

“Por vezes, uma simples imagem suficientemente esclarecedora pode prevenir uma morte.”58

Por outro lado, o testemunho da Dr.ª Ascensão Farinha, responsável pelo Laboratório de Estudos Farmacêuticos (LEF) da ANF à época sobre as contradições entre folhetos de

diferentes países, afirma que “não é legitimo comparar folhetos informativos de medicamentos

aprovados em 1991 com outros aprovados em 1994, 96 ou 97. Independentemente de estarem todos no mercado, a verdade – sublinha – é que foram concebidos segundo critérios completamente diferentes.” Para a Dr.ª Ascensão Farinha, a informação dada ao doente é da

responsabilidade do farmacêutico. Em sua opinião, não há folheto que substitua a informação do farmacêutico. Mais do que crítica do tudo da Teste Saúde, é crítica dos próprios folhetos informativos, já que, da forma como são criados “não servem nem a profissionais de saúde

nem aos consumidores. Para o profissional de saúde os FI deveriam conter informação ainda mais técnica. Pelo contrário, sobrecarregam os doentes com informação desnecessária.”

Sustenta que os profissionais de saúde devem ter um suporte técnico e cientifico do medicamento, à semelhança do resumo de características do medicamento (RCM) que faz parte do dossier. Essa informação bastaria ao médico pois a sua função é “fazer o diagnóstico

e, em função dele, determinar qual a substancia activa mais apropriada.” A informação ao

doente seria da responsabilidade do farmacêutico,“e este tem a oportunidade de, no momento

da dispensa, elucidar o doente sobre todos os aspectos importantes para o sucesso da terapêutica: forma de tomar o medicamento, eventuais contra-indicações, tudo em função das

55 (Silva 2000 ,186-189).

56 (Canelo, Sardon and Gonsález 2001,14). 57 (“Nem sempre claros e completos...” 1997). 58 (“Estudo da teste saúde aponta...” 1997, 27).

características do próprio doente, da idade, nomeadamente. Cada doente é um caso e não há folheto informativo capaz de atender a esta especificidade.”59

Poderíamos aqui citar outros testemunhos mas, 14 anos depois, o artigo da Teste Saúde de 201160, sublinha novamente que o uso racional dos medicamentos depende, em grande

medida, dos folhetos que os acompanham e que, estes funcionam como um documento de consulta pois contêm as principais informações a lembrar, depois de o utente deixar o médico e a farmácia. Destaca que tanto nos estudos desenvolvidos em 1997, como depois em 2007, como agora em 2011, o problema de ilegibilidade e desorganização se mantém. À semelhança da nossa investigação de mestrado, defendida em 2008, também a Teste Saúde desta vez, apresenta um novo folheto construído de acordo com as sugestões dos utentes. As sugestões destacam que os utentes vêem os folhetos como um factor de segurança, mas que a

informação é difícil, confusa e densa de ler e muito pouco convidativa à leitura devido ao seu aspecto gráfico.

Neste sentido, colocam-se aqui 3 questões. Uma que é procurar estabelecer a diferença entre o resumo do medicamento (RCM) e o folheto informativo. Onde o RCM constitui um reportório completo das características do produto comprovadas por dados experimentais que é

utilizado como identificação do produto e faz parte do dossier de autorização de sua

introdução no mercado, o folheto informativo tem por finalidade informar sobretudo o doente. Um verdadeiro RCM deve ser a base de apreciação do produto e limitar-se às actividades dos detentores da autorização, e um verdadeiro folheto informativo deve permitir que os utentes disponham de informação adequada, clara e não supérflua61.

A segunda questão é sublinhar que o acompanhamento do farmacêutico é muito mais relevante do que qualquer folheto informativo. Aliás, se são os farmacêuticos que fazem os medicamentos e os folhetos informativos, quem melhor do que eles para acompanhar e aconselhar cada utente e cada tratamento? Os mecanismos descritos atrás no quadro D deverão ser uma ferramenta a ser utilizada por estes profissionais de saúde.

A terceira questão é a da relevância da introdução de “sinais ou imagens destinadas a

explicar” 62, servindo como estratégias de uma comunicação mais eficaz e como complemento

à informação escrita do medicamento, conforme já exemplificado nos quadros B, C, D, E, F, G, I, K.