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A percepção visual 1 Teorias da percepção

LISTA DE SIGLAS

2.3 A percepção visual 1 Teorias da percepção

A percepção é uma actividade cognitiva baseada em experiências que implicam

interpretações e significados. Está para além das instruções recebidas pelos sentidos, que denominamos sensações, e cuja função é revelar de imediato um ruído, cheiro, luminosidade, calor, frio, dor, entre outros. A funcionalidade da percepção está na tradução e esclarecimento das sensações, na sua acção de codificação e descodificação de mensagens sensoriais. Sentir não é o mesmo que percepcionar pois a percepção implica os sentidos. Os estímulos (música, sabor ou aroma, imagem, entre outros) são obrigados a interpretações diversas consoante a pessoa que os recebe (classe etária, social, económica, género, personalidade, entre outros) e apenas ajudam a percepção a seleccionar interpretações e significados, segundo as motivações e expectativas de cada um de nós e mediante vários factores que connosco interferem.

A forma como o ser humano conhece o mundo é desde há muito objecto de estudo. A grande reflexão distingue duas grandes perspectivas, a empírica e a inata. A perspectiva empírica, desenvolvida entre outros por John Locke22, vê a mente humana à nascença como uma

“tabula rasa”, uma folha em branco e todo o conhecimento como derivado da percepção sensorial. Immanuel Kant23, por seu lado, considera que há formas e conceitos que

transportamos a priori (inat0s) sem os quais não poderíamos compreender e interpretar a nossa experiência sensorial.

contrapartida esse estrangeiro não souber português, os vocábulos que proferirmos serão para ele apenas um conjunto de estímulos sonoros pois estão destituídos de significado, embora para nós continuem a ser signos.

22 John Locke (1632-1704), filósofo inglês, considerado representante principal do empirismo em Inglaterra, e ideólogo

do liberalismo .No seu Ensaio sobre o entendimento humano (1690), propõe que a experiência é a fonte do conhecimento, que depois se desenvolve por esforço da razão.

Compreender as teorias pode ajudar no desenvolvimento correcto da própria composição e no sucesso da comunicação.

A teoria Associacionista24, desenvolvida a partir de Locke e que atinge em psicologia a sua

expressão máxima com Wundt25, vai ao encontro do empírico26, da experiência sensorial,

assentando exclusivamente no conhecimento imediato e adquirido, que é o produto da soma dos seus elementos (sensações). Se o sujeito quando nasce é uma ‘tabula rasa’, todas as suas percepções são adquiridas pela experiência. A percepção dos objectos é o resultado da associação (ou combinação) das sensações elementares recebidas dos sentidos. Inspirada na filosofia empirista e positivista, esta teoria atribui exclusivamente ao ambiente a constituição das características humanas e privilegia a experiência como fonte do conhecimento e da formação de hábitos de comportamento. Assim, as características individuais são determinadas por factores externos ao indivíduo.

Por sua vez, a teoria da Gestalt27, desenvolvida entre outros por Wolfgang Köhler28, nega que

seja possível conhecer o “todo” pela simples adição das partes. O todo é mais do que a soma das suas partes, e a percepção do todo, ordenado e estruturado segundo determinadas leis, não se reduz à soma das percepções das partes. Assume-me assim que o sujeito nasce já com um conjunto de estruturas inatas a que são submetidos os estímulos do mundo externo. As coisas e as situações, por exemplo, são percepcionadas como totalidades. Segundo os gestaltistas, essas estruturas inatas influenciam o modo como percepcionamos e

interpretamos os diferentes elementos que as constituem.

Jean Piaget29 afasta-se destas teorias. Para Piaget o indivíduo não é simples resultado do

meio (e dos estímulos empíricos), nem determinado por princípios inatos (tese gestaltista). A teoria Construtivista de Piaget sustenta que a percepção, tal como a inteligência, são resultado da interacção do ser humano e do mundo. O desenvolvimento do sujeito é determinado pela interacção entre factores internos (orgânicos, hereditários) e factores externos (meio). O construtivismo procura explicar o desenvolvimento cognitivo como um processo contínuo de adaptação do organismo ao meio.

24 Este modelo inspira-se directamente nas teses empiristas, defendidas por filósofos como John Locke, David Hume,

Condillac, Stuart Mill, Wundt e muitos outros.

25 Wilhelm Wundt (1832-1920) tornou a psicologia autónoma da filosofia, com a criação do laboratório de psicologia

experimental em 1879. Procurou criar uma ciência experimental, baseada na experimentação e observação, introduzindo na psicologia o rigor e objectividade das outras ciências. Inspirando-se na sua experiência como fisiólogo, Wundt considerava que a psicologia se tornaria credível se seguisse o modelo da física. Recorreu a uma técnica, o atomismo, que consistia em decompor o seu objecto de estudo – a consciência ou experiência consciente – nos seus elementos básicos (sensações, sentimentos). Por outras palavras, o seu objectivo foi tentar identificar a estrutura da consciência (daí o outro nome dado à sua doutrina, Estruturalismo) recorrendo à identificação das suas unidades básicas, modos como se associam e leis que as relacionam. Para realizar tal processo, Wundt introduziu o método da introspecção. Este método consiste na observação, descrição e análise das próprias experiências, sensações e pensamentos quando expostos a determinados estímulos externos.Os sujeitos experimentais eram treinados para se auto-observar e descrever. Os associacionistas utilizaram a introspecção controlada, isto é, provocada em condições laboratoriais bem definidas, apenas para a observação e descrição de si próprios, pois a análise era feita pelo psicólogo.

26 “Os objectivos do empirismo são: reunir e categorizar os factos ou dados objectivos sobre o mundo; formar hipóteses para os explicar; eliminar deste processo, tanto quanto possível, qualquer parcialidade ou elemento humano; conceber métodos experimentais para testar e provar (ou refutar) a fiabilidade dos dados e das hipóteses.” (Fiske 2004,

181 and 182).

27 Termo alemão (que significa “forma”) e que é utilizado para designar a teoria da percepção visual baseada na

psicologia da forma.

28 Wolfgang Köhler (1887-1967), Psicólogo alemão-americano, um dos fundadores com Kurt Koffka. da psicologia

Gestalt. Köhler ficou conhecido pelos seus estudos sobre processamento cognitivo envolvendo a resolução de problemas pelos animais. Köhler alegou que os animais não aprendem tudo através do processo ensaio-erro, ou de associação estímulo-resposta. Köhler também descobriu, com von Restoff ,o efeito de isolamento na memória, contribuindo para a teoria da ‘memory and recalL’, e desenvolveu uma teoria não-associacionista da natureza das associações.

29 Jean Piaget (1896-1980) estudou inicialmente biologia, na Suíça, e posteriormente dedicou-se à área de Psicologia,

Epistemologia e Educação. Foi professor de psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954, e ficou

conhecido principalmente por revolucionar as concepções de inteligência e de desenvolvimento cognitivo partindo de pesquisas baseadas na observação e entrevistas que realizou com crianças. Interessou-se fundamentalmente pelas relações que se estabelecem entre o sujeito que conhece e o mundo que tenta conhecer. Considerou-se um epistemólogo genético porque investigou a natureza e a génese do conhecimento nos seus processos e estágios de desenvolvimento.

2.3.2 Composição e percepção visual

A diversidade de processos de composição, as formas variadas de organização sintáctica dos elementos visuais torna necessário que os compreendamos para poder potenciar fins

específicos. São, afinal, as unidades e os conjuntos sintácticos que proporcionam, na procura significativa do conteúdo na forma, as relações entre níveis e as características com sentidos diversos.

Os elementos visuais constituem a substância básica daquilo que vemos, e podemos defini- los, de forma sumária, a partir de uma lista de elementos principais. O ponto, a linha (rigorosa ou livre30), a forma, a direcção, o tom31 (ou trama32), a cor33, a textura (óptica e/ou táctil), a

dimensão e o movimento (que num plano bidimensional é implícito), a escala (ou proporção) e a perspectiva34. Estes elementos são a matéria-prima de toda a informação visual em termos

de opções e combinações selectivas. A estrutura do campo visual é dada pela força que determina os elementos visuais existentes, pelos contrastes, dinâmicas, ênfases, entre outros. A composição dos elementos permite atribuir os significados desejados e desenvolver uma metodologia apta, por exemplo, a aperfeiçoar as capacidades criativas, a cultivar o bom leitor das mensagens visuais que nos rodeiam, a melhorar a qualidade de vida ou a instruir a sociedade (figura 2.13).

Figura 2.13: Exemplos de símbolos criados para a educação sobre a reciclagem e utilização de ecopontos na protecção do ambiente

Claro que a composição está absolutamente ligada à percepção visual e esta implica não somente sistemas fisiológicos mas também sistemas de interpretação.

Para os receptores do campo visual o processo de captação é imediato, os mecanismos fisiológicos transportam-no de uma forma automática ao sistema nervoso e, por conseguinte,

30 Ver a evolução dos pictogramas para os jogos olímpicos no capítulo III, onde o abandono das formas geométricas

só se verificou em 1992 com os pictogramas dos Jogos Olímpicos de Barcelona (figura 3.22 do capítulo III).

31 O tom é a intensidade escura ou clara de qualquer coisa vista, a presença ou a ausência de luz, através da qual

vemos. Na natureza, entre a luz e a obscuridade, existem centenas de gradações tonais específicas; mas nas artes gráficas essas gradações são limitadas pelas redes entre determinada cor e a sua ausência. O predomínio dos valores tonais acrescenta aos outros elementos visuais a intenção de profundidade e distância. Já a ausência de valores tonais, ou o alto contraste, valoriza, por exemplo, a leitura de elementos visuais em escalas bastante reduzidas, como nos pictogramas.

32 (Moles 1990, 91.99).

33 A cor na comunicação visual oferece inúmeros significados associativos e simbólicos, vocabulários de grande

utilidade para o analfabetismo visual. Ver capítulo VI, Análise cromática do símbolo em 6.2.4 e 6.3.2.

34 A perspectiva é a projecção, em bidimensional, da tridimensionalidade. Se no séc. XV o Renascimento desenvolveu

a forma de representação rigorosa, só no séc. XVIII Gaspard Monge (1746-1818) formulou o regulamento da Geometria Descritiva enquanto ciência, universalizando os métodos introduzidos pelos renascentistas e expondo de forma organizada os diversos métodos de representação rigorosa no plano do desenho.

a quantidade de informação recebida é enorme, tem as mais variadas formas e os mais diversos níveis. “Embora usada por nós com tanta naturalidade, a visão ainda não produziu sua

civilização. A visão é veloz, de grande alcance, simultaneamente analítica e sintética. Requer tão pouca energia para funcionar, como funciona à velocidade da luz, que nos permite receber e conservar um número infinito de unidades de informação numa fracção de segundo.” 35.

Perante tão extraordinária abundância e tão imediatista capacidade visual do indivíduo, podemos facilmente concluir que é de enorme importância a forma ou a configuração da composição. “A sintaxe visual existe. Há linhas gerais para a criação de composições. Há

elementos básicos que podem ser apreendidos e compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação visual, (...) e que podem ser usados, em conjunto com técnicas

manipulativas, para a criação de mensagens visuais claras. O conhecimento destes factores pode levar a uma melhor compreensão das mensagens visuais.” 36

Várias disciplinas se têm envolvido no estudo das mensagens visuais. Entre elas, são significativos os estudos realizados pela teoria da Gestalt, cujo principal interesse são os princípios da organização perceptiva e o processo da configuração de um todo a partir das partes (figura 2.14). “Qualquer acontecimento visual é uma forma com conteúdo, mas o

conteúdo é extremamente influenciado pela importância das partes constitutivas, como a cor, o tom, a textura, a dimensão, a proporção e suas relações compositivas com o significado.” 37

Figura 2.14: Exemplo do processo da configuração de um todo a partir das partes.

Intrínseca à compreensão das estruturas, sistemas ou sintaxe visual, é desde sempre uma experiência a que chamamos ‘estética’, uma sensação que advém do belo ou uma profunda satisfação, desde há muito estudada por filósofos intrigados pela sensação de harmonia e o seu porquê. Parece evidente que esta sensação resulta dos elementos que as organizam, das suas qualidades, conteúdos significativos e experiências.

O processo de composição é a situação decisiva e determinante para a solução dos problemas visuais. São os resultados da composição que estabelecem e determinam o objectivo e o significado da demonstração visual implicando a reacção do público. O campo visual não é, assim, nem pouco mais ou menos, limitado – oferece-nos os mais vastos e diversos sistemas estruturais. A destreza está na aquisição e organização de todos os factores, de forma a prever um resultado cuja interpretação seja a pretendida em face das condicionantes propostas.

A partir do momento em que temos as regras definidas é necessário conhecer, compreender e usar da forma mais adequada o resultado pretendido. Às regras está associada a criatividade, a estratégia e a destreza para antever o significado transmitido e, acima de tudo, alcançar a compreensão das mensagens visuais criadas.

É aqui que entram os sistemas de interpretação38, cujos estímulos sensoriais são um factor

condicionante. Se compor pressupõe conhecimento para prever uma reacção, a forma como é

35 (Gattegno 1969); (Dondis 2003, 6). 36 (Dondis 2003,18).

37 (Dondis 2003, 22).

38 Os sistemas de interpretação envolvem (1°) os factores da percepção, (2°) os fenómenos psico-fisiológicos e, (3°) o

interpretado e visto é outro factor tanto ou mais importante. A mesma imagem é interpretada de formas diferentes de acordo com as experiências vividas – ambientais, culturais, sociais ou intelectuais.

“ (...) criamos um ‘design’ a partir de inúmeras cores e formas, texturas, tons e proporções

relativas; relacionamos interactivamente esses elementos; temos em vista um significado. O resultado é a composição, a intenção do artista, do fotógrafo ou do ‘designer’. É o seu ‘input’. Ver é outro passo distinto da comunicação visual. É o processo de absorver informação no interior do sistema nervoso através dos olhos, do sentido da visão. Esse processo e essa capacidade são compartilhados por todas as pessoas, em maior ou menor grau, sendo sua importância medida em termos do significado compartilhado. Os dois passos distintos, ver e criar e/ou fazer são interdependentes, tanto para o significado em sentido geral quanto para a mensagem, no caso de se tentar responder a uma comunicação especifica. Entre o significado geral, estado de espírito ou ambiente da informação visual e a mensagem específica e definida existe ainda um outro campo de significação visual, a funcionalidade, no caso dos objectos que são criados, confeccionados e manufacturados para servir a um propósito.” 39

Qualquer imagem, por mais abstracta que seja, deixa percepções que definem sempre uma impressão genérica ou provocativa do intelecto humano, originando sentimentos, emoções e significados pessoais (figura 2.15). O ser humano é receptor de mensagens visuais enviadas pelo envolvimento; uma vez no córtex cerebral, elas são interpretadas de forma a atribuir significados aos sinais envolventes. A projecção do estímulo perceptivo no cérebro, e particularmente no córtex visual, estimula o cérebro a fazer a síntese da informação, interpretando-a e estabelecendo comparações. Chamamos percepção à plena tomada de consciência do mundo exterior. Desta forma, toda e qualquer informação visual transporta consigo significados conotativos ou denotativos em forma de signos possíveis de serem interpretados, conscientemente ou não, das mais diversas formas.

Figura 2.15: Exemplos de cruzes (um dos símbolos humanos mais antigos) que despertam ou implicam interpretações diferentes