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CAPÍTULO 1. TRANSPORTE SUSTENTÁVEL

1.1. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O TRANSPORTE

1.1.2. A Incorporação do Conceito “Sustentável” ao Transporte

Segundo Mourelo (2002, apud Porto Junior e Machado, 2003), a aplicação do termo

Sustentável ao setor de transporte carrega os mesmos princípios sociais, econômicos e

ambientais, atrelados ao conceito de desenvolvimento sustentável.

Segundo o autor (ibid) para o Conselho de Ministros da União Européia:

“O transporte sustentável deve contribuir para o bem-estar econômico e social, sem prejudicar a saúde humana, nem o meio ambiente. Ao integrar os requisitos sociais, econômicos e do meio ambiente, um sistema de transporte sustentável pode ser definido como se segue:

ƒ Permite a satisfação das necessidades básicas de acesso e o desenvolvimento das pessoas, das empresas e da sociedade de forma compatível com a saúde humana e o equilíbrio do ecossistema, e promove a igualdade interna à própria geração e entre gerações;

ƒ Apresenta custos aceitáveis, funciona eficientemente, oferece opção quanto ao modo de transporte e apóia uma economia dinâmica e o desenvolvimento regional; e

ƒ Limita as emissões e os resíduos em função da capacidade ambiental de absorção, utiliza recursos renováveis a um ritmo inferior ou igual a sua renovação, utiliza recursos não renováveis a um ritmo inferior ou igual ao desenvolvimento de substitutos renováveis e reduz ao mínimo o uso do solo e a emissão de ruídos”.

Segundo Campos e Ramos (2005b), o Working Group on Sustainable Urban Transport (WGSUT), composto por membros de doze países da Europa, definiu em 2004, o transporte

urbano sustentável com base nas suas Agenda 21 Locais. Para esse grupo um sistema de transporte urbano sustentável deve apresentar os seguintes objetivos:

ƒ Dar suporte à liberdade de movimento, saúde, segurança e qualidade de vida dos cidadãos, da geração atual e para as gerações futuras;

ƒ Ser ambientalmente eficiente; e

ƒ Possibilitar o acesso às oportunidades e serviços a todos os cidadãos, incluindo idosos e pessoas com mobilidade reduzida.

Para alcançá-los, o Working Group on Sustainable Urban Transport considera importante: ƒ Promover o uso racional do automóvel favorecendo o uso de energia limpa e de

combustíveis renováveis;

ƒ Desenvolver uma rede de transporte público regular, freqüente, confortável, moderna, abrangente e com valores competitivos;

ƒ Fortalecer o transporte não motorizado, incrementando a caminhada e o uso de bicicleta; ƒ Efetuar um uso do solo mais eficiente;

ƒ Gerenciar a demanda de transporte através do uso de instrumentos econômicos e pelo desenvolvimento de planos, procurando mudança do comportamento e a eficiência no gerenciamento da mobilidade;

ƒ Fazer um gerenciamento integrado da mobilidade com a participação de todos os envolvidos no processo (operadores de transportes, construtores, fabricantes, etc.); e ƒ Quantificar os objetivos alcançados a curto, médio e longo prazo, através de um efetivo

monitoramento do sistema (ibid).

Erl & Feber (2000, apud Campos e Ramos 2005b) defendem claramente que para se obter um sistema de transporte mais sustentável, deve-se reduzir a utilização de automóveis e para isso faz-se necessário:

ƒ Aumentar a qualidade e a acessibilidade dos serviços de transporte público; ƒ Tornar a caminhada e o uso da bicicleta mais atrativos;

ƒ Reduzir a demanda de viagens revertendo, por exemplo, a tendência na dispersão de atividades em locais de difícil acesso, exceto de carro próprio;

ƒ Remover barreiras psicológicas ao uso de alternativas de transporte e obter suporte público, através de políticas que incentivem um maior uso destas alternativas; e

ƒ Tornar o transporte um componente essencial para o desenvolvimento de estratégias de planejamento espacial.

Em relação aos processos decisórios para um sistema sustentável de transportes estes devem considerar quatro importantes aspectos, segundo a Association Mondiale de la Route, França (1999):

ƒ Integração do princípio de desenvolvimento sustentável às políticas de transportes; ƒ Definição clara dos critérios adotados nos processos de tomada de decisão tendo em

vista um transporte sustentável; ƒ A consulta direta aos cidadãos; e

ƒ Esclarecimento das decisões políticas, uma vez que, atualmente, as políticas de transportes não podem mais ser elaboradas somente pelos Estados nacionais e pelas autoridades locais das cidades, que são os principais agentes para a introdução de políticas de transportes, tendo em vista um desenvolvimento sustentável. Políticas integradas relativas ao urbanismo, ao desenvolvimento rural, à organização territorial, ao habitat, aos serviços e aos meios de transporte devem envolver um grande número de partes interessadas no processo e se exprimir, em termos de meios de transporte, por ações acerca dos serviços multimodais dos transportes coletivos, das redes de vias de baixa velocidade e a da reutilização de sistemas rodoviários.

Nos países mais desenvolvidos, nos quais a rede dos sistemas de transportes está bem estruturada e atende confortavelmente às necessidades da população, que desfruta, por sua vez, de um elevado padrão de vida, os impactos mais preocupantes provocados pelos transportes são aqueles que ameaçam a manutenção da qualidade de vida, ou seja, a emissão de poluentes, o alto consumo energético e a intensa ocupação do solo. Já em países em desenvolvimento, onde os sistemas de transportes ainda não conseguem satisfazer completamente as necessidades da demanda por deslocamento, o problema crítico é o constante aumento do número de habitantes que não tem garantido suas necessidades básicas, inclusive o acesso ao transporte público. Desse modo, o impacto mais grave provocado pelo setor de transporte é justamente a segregação espacial das comunidades pobres, o que contribui para o agravamento de suas condições de exclusão do sistema socioeconômico (Porto Junior e Machado, 2003).

As recomendações da Agenda 21 Global, relativas ao transporte sustentável, são válidas para grandes e pequenas cidades. Seu objetivo é prevenir, antecipadamente, quanto à necessidade de implantação de um sistema de circulação adequado para pedestres e ciclistas, antes que o

uso do automóvel acabe por tornar as intervenções na infra-estrutura viária mais problemáticas e onerosas (Banco Mundial, 1996, apud Association Mondiale de la Route, 1999).

Ressalte-se ainda que, a Área de Programa “E”, do Capítulo 7 (Promoção do Desenvolvimento Sustentável dos Assentamentos Humanos), da Agenda 21 Global trata da promoção de sistemas sustentáveis de energia e transporte nos assentamentos humanos. Dois aspectos são destacados como base de ação (Brasil, MMA, 2003):

1 - O alto consumo de energia dos países desenvolvidos e a necessidade de promover fontes renováveis e alternativas de energia, menos poluidoras. Esse consumo está ligado às inadequações tecnológicas, ao uso crescente de combustível gerado por altas concentrações demográficas e industriais e a rápida expansão do número de veículos automotores; e

2 - O consumo de energia pelo setor de transporte responde por cerca de 30% do consumo comercial de energia e por cerca de 60% do consumo total mundial de petróleo líquido. A rápida motorização e a insuficiência de investimentos em transportes urbanos e infra-estrutura do tráfego, tem causado problemas graves de acidentes, congestionamento, ruídos e perda de produtividade.

A partir dessa base e com o objetivo de promover o uso mais eficiente de energia e reduzir os seus efeitos negativos sobre a saúde humana e o meio ambiente, têm-se como atividades:

“(a) Integrar o planejamento de uso da terra e transportes, com vistas a estimular modelos de desenvolvimento que reduzam a demanda de transportes;

(b) Adotar programas de transportes urbanos que favoreçam transportes públicos com grande capacidade nos países em que isso for apropriado;

(c) Estimular modos não motorizados de transporte, com a construção de ciclovias e vias para pedestres seguras nos centros urbanos e suburbanos nos países em que isso for apropriado;

(d) Dedicar especial atenção ao manejo eficaz do tráfego, ao funcionamento eficiente dos transportes públicos e à manutenção da infra-estrutura de transportes;

(e) Promover o intercâmbio de informação entre os países e os representantes das áreas locais e metropolitanas;

(f) Reavaliar os atuais modelos de consumo e produção com o objetivo de reduzir o uso de energia e de recursos nacionais” (ibid).

Em adição, a Área de Programa “B2 - Transportes”, do Capítulo 9 (Proteção da Atmosfera), foca na elaboração e na promoção de políticas ou programas para limitar, reduzir ou controlar as emissões nocivas de gases. Nesse sentido, as atividades recomendadas estão voltadas, dentre outras, para o desenvolvimento e promoção de sistemas sustentáveis de transporte, mais eficientes, menos poluentes e mais seguros, especialmente sistemas de transporte coletivo integrado rural e urbano; e para o desenvolvimento de mecanismos que integrem as estratégias de planejamento da área dos transportes e as estratégias de planejamento dos assentamentos urbanos e regionais, com vistas a reduzir os efeitos do transporte sobre o meio ambiente.

A Agenda 21 Brasileira, resultado de uma vasta consulta à população do país, foi construída a partir das diretrizes da Agenda 21 Global, sendo elaborada entre 1996 e 2002, e é um instrumento fundamental para a elaboração de políticas públicas sustentáveis no Brasil (Brasil, MMA, 2003). Dentre os temas centrais destaca-se aquele relacionado à infra-estrutura e integração regional, no qual se destacam os projetos e ações nas áreas de transportes, energia e comunicações que compõem o conjunto de atividades para a reconstrução e modernização da infra-estrutura econômica do país, possibilitando maior integração das regiões e a abertura de novas fronteiras de desenvolvimento. As discussões abordaram questões como: o desenvolvimento de sistemas de transporte mais eficientes, menos poluentes e mais seguros; incentivo à produção e uso de veículos movidos por energia com menor potencial poluidor; relações entre energia, pobreza, meio ambiente, segurança e economia; comunicações; e redução das desigualdades regionais (Agenda 21 Brasileira, sd).

A Agenda 21 do Estado de Pernambuco, por sua vez, traçou um plano de ação estratégico focando nos temas: Cidades Sustentáveis; Gestão dos Recursos Naturais; Combate à Desertificação e Convivência com a Seca; Redução das Desigualdades Sociais; Infra- estrutura; e Economia Sustentável. Nessa Agenda, o transporte é considerado como uma atividade-meio, fundamental na economia e a viabilidade ambiental do sistema de transportes deve estar presente em todas as suas fases de desenvolvimento; ou seja, do planejamento à operação, incluindo o uso de tecnologias seguras e menos poluentes, pois todos os empreendimentos nessa área devem preservar o meio ambiente e reduzir os impactos negativos referentes à qualidade de vida da população (PERNAMBUCO, SECTMA, 2002).

Nessa Agenda de Pernambuco, a busca da sustentabilidade no segmento dos transportes deve (ibid):

I - Integrar o planejamento do sistema viário e de transporte ao do uso e da ocupação do solo, buscando melhorar a fluidez de tráfego e o respeito aos espaços dos pedestres, quais sejam:

ƒ Coletar, analisar e estabelecer intercâmbio de informações sobre meio ambiente e transportes, com ênfase especial na observação sistemática das emissões de agentes insalubres;

ƒ Realizar monitoramento constante da qualidade do ar nos corredores que apresentem grande fluxo de veículos;

ƒ Implantar o abastecimento de gás natural nos postos da região;

ƒ Incentivar a implantação de oficinas especializadas na conversão dos motores para gás natural e manutenção das peças convertidas;

ƒ Promover a regulamentação do licenciamento ambiental de empreendimentos de transportes;

ƒ Especificar os fatores ambientais na avaliação econômica dos projetos e; ƒ Estabelecer o monitoramento constante das emissões gasosas.

II - Buscar a sustentabilidade do transporte não-convencional, ou seja, estimular a implantação de ciclovias.

Ressalte-se que a Agenda 21 Pernambucana não cita explicitamente a caminhada como modo “não motorizado de transporte” e provavelmente por essa razão não estabelece a melhoria das calçadas como elemento importante da qualidade ambiental. As calçadas são mencionadas apenas em relação à acessibilidade para pessoas que apresentam necessidades especiais (obesos, cardíacos, mulheres grávidas, pessoas com carrinho de bebê e, particularmente, pessoas portadoras de deficiência física).

Complementando a discussão sobre o desenvolvimento sustentável, a União Européia, durante a década de 1990, integrou por completo a noção de desenvolvimento sustentável na esfera do transporte. Têm-se como alguns exemplos:

ƒ Na Bélgica, os elementos fundamentais da política de transportes são: a melhoria do tempo e da regularidade dos deslocamentos de transportes coletivos urbanos, a colocação de ônibus e bondes em local apropriado, a entrega de mercadorias baseada no transporte por via navegável ou férrea e vias de ligação com as plataformas multimodais

(combinação de vias férrea, terrestre, aérea e navegável), estacionamentos de transporte cooperativo combinados com paradas de transportes coletivos urbanos equipados com numerosos recursos (ex: porta-bicicletas) a fim de aumentar o conforto e a segurança dos usuários e a melhoria do conforto do pedestre (calçadas, passagens para idosos e portadores de deficiência);

ƒ A Itália baseou sua política na utilização de um espaço viário mais reduzido, com prioridade para o transporte coletivo urbano, organização das paradas e dos transportes intermodais (estacionamentos perto das estações, coincidência de horários) e limitação do tráfego de automóveis de acordo com a qualidade do ar;

ƒ Na Suécia, em 1998, o parlamento sueco estabeleceu cinco objetivos para as políticas sustentáveis de meios de transporte: transporte acessível, alta qualidade do sistema de transporte, segurança viária, preservação do meio ambiente e desenvolvimento regional. As linhas concretas de ação dessas políticas estão voltadas para: (i) a mobilidade nas aglomerações urbanas com foco na revisão dos planos urbanísticos, no fomento a prática do ciclismo, na melhoria dos transportes urbanos e da qualidade do ar; (ii) a multimodalidade para os transportes de mercadorias; (iii) a utilização de veículos de propriedade coletiva, o transporte cooperativo e automóveis ecológicos; e (iv) a utilização de materiais renováveis para a construção e manutenção de infra-estruturas, a avaliação ambiental e programas de preservação da biodiversidade.