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A individualização do conflito e sua despolitização

3.5 LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS E APOLOGIA AO CRIME

3.5.7 A individualização do conflito e sua despolitização

Segundo Batista (1997), a relegitimação cotidiana do sistema penal e a campanha por sua expansão é funcional para a despolitização ou encobrimento dos conflitos e para o empobrecimento crítico das controvérsias. Isso porque as categorias penais que definem o criminoso, abstrai as inserções de classe concretas do sujeito, para religá-lo, depurado da história, ao ordenamento legal. Por essa

60 Werb, D., Rowell, G., Guyatt, G., Kerr, T., Montaner, J. y Wood, E.(2011) “Effect of drug law

enforcement on drug market violence: A systematic review” International Journal of Drug Policy vol. 22 p.87–94; Werb, D., Rowell, G., Guyatt, G., Kerr, T. Montaner, J. y Wood, E.(2010) Effect of Drug Law

Enforcement on Drug-related Violence:Evidence from a Scientific Review Urban Health Research

Initiative,British Colombia Centre for Excellence in HIV/AIDS http://www.icsdp.org/Libraries/doc1/ ICSDP-1_-_FINAL_1.sflb.ashx Consultado19.04.11; McSweeney, T., Turnbull, P.J. y Hough, M (2008)

Tackling DrugMarkets & Distribution Networks in the UK Londres: UK Drug PolicyCommission

perspectiva, o sistema penal é capaz de testemunhar sobre o processo econômico- social que se inscreve e se orienta por compromissos e princípios que regem o projeto econômico e social correspondente, não sendo mera emanação da lei. E, um regime que produz intensamente insegurança econômica e marginalização social só é capaz de gerir um sistema penal intensamente repressivo e exterminador. Por conseguinte, só mudanças no primeiro seriam capazes de transformar o segundo.

Para Cruz Neto et al (2001), a inclusão de questões sobre o tráfico de drogas nos fóruns decisórios e agendas políticas das diversas instâncias de poder no País, configura-se como pontual e isolada, descolada de discussões acerca das relações estruturais que as originam e ambientam. E, assim, determinadas atitudes são incentivadas com o objetivo de encobrir graves distorções socioestruturais:

a) apreende-se os conflitos interpessoais e sociais sob uma ótica de causa/efeito, remetendo sempre a epifenômenos conjunturais que são transformados no problema em si e per se;

b) desconsidera-se e reifica-se toda gama de relações sociais, econômicas e políticas que concorrem e manifestam-se na gênese e no desenvolvimento da situação-problema;

c) recorre-se mecanicamente a um saudosismo que advoga como tipo ideal de sociedade aquela na qual, supostamente, os dramas de hoje em dia não existiam por causa da desejável intervenção do Estado.

Segundo esses autores, essa associação conduz, via de regra, ao recrudescimento do apelo pela intensificação da ordem, tradição, autoridade e repressão, que gera no corpo social um sentimento de mal-estar que minora e descrê do valor altruísta e solidário do ser humano, numa situação propícia ao estabelecimento de estereótipos que incriminam, culpabilizam e perseguem classes e segmentos populacionais já previamente marginalizados pelo processo de acumulação capitalista:

No município do Rio de Janeiro, essa situação vem sendo vivenciada de forma preocupante ao não se conseguir especificar plenamente a responsabilidade do Estado e suas políticas, como a ineficácia dos pactos individuais e sociais, fazendo recair nos jovens em conflito com a lei o papel de ‘agentes portadores da violência’. Com seus atos infracionais e delitos, eles são vistos como os principais – talvez mesmos os únicos –

responsáveis pela violação da tranquilidade urbana, devendo por isso, ser duramente reprimidos (CRUZ NETO et al, 2001: 34).

Desse modo, o estigma que assola os jovens em conflito com a lei transcende a fronteira jurídica, estendendo-se por contiguidade aos jovens pobres (segmento composto majoritariamente por negros e mulatos) que, pelo simples fato de não terem livre acesso aos bens de consumo e à propriedade privada, estariam dispostos a utilizarem-se de meios ilícitos para deles se apropriarem. Então, a potencialização do antagonismo é incentivada por uma elite política e econômica que além de sentir-se atemorizada, necessita obscurecer suas responsabilidades e vinculações históricas com a crise social do País. Logo, aproveitando-se de fatos concretos, como o aumento do número de atos infracionais cometidos por adolescentes, esses setores adaptam seus interesses particulares de forma a apresentá-los como legítimos, universais e preconizadores do bem-estar e da segurança pública. E, obstinadamente, não poupam esforços para mobilizarem a chamada opinião pública e amealharem a simpatia de pessoas honestas, bem- intencionadas e mesmo oriundas dos próprios segmentos marginalizados. Para tanto, compram e contam com o apoio de parte da mídia, que assume a tarefa de extrapolar a dimensão real dos crimes, elevando-os a níveis tão dramáticos que causam comoção e medo, bem como dispõe de substanciais aportes financeiros, utilizados para eleger seus porta-vozes e asseclas, que divulgam os apelos pela intensificação do aparato jurídico-militar-repressivo.

Também para Serra (2015), a cultura vindicativa produz e reproduz de forma incessante a lógica do “inimigo”, em que este é fabricado pelo poder punitivo, cuja existência se justifica por despolitizar os conflitos sociais e sacralizar o castigo. Assim, uma “legalidade autoritária”, considerada uma permanência histórica na formação social brasileira e no cenário político contemporâneo, produz de forma incessante discursos e práticas, principalmente, por parte dos “operadores do sistema penal”, que fabricam a cada instante os sujeitos considerados “inimigos” e “indignos de vida”’, bem como defendem, também, intransigentemente, toda essa cultura punitiva.

Finalmente, tentando utilizar esses elementos todos para pensar o caso brasileiro, como tudo isso tem se refletido nos debates legislativos sobre drogas no Brasil desde a Constituição de 1988?

4 OS CASOS CONCRETOS: A PESQUISA EMPÍRICA

Nesse capítulo, serão analisados os seguintes documentos: os Diários da Assembléia Nacional Constituinte e os projetos de leis (PL) que deram origem às leis sobre drogas pós-88: a) Lei 10.409 de 2002 (PL 1873/1991 e PL 4591/1994); b) Lei 11.343 de 2006 (PLS 115/2002 e PL 6108/2002, PL 7134/2002); c) Lei 13.840 de 2019 (PL 7663/2010, PL 7665/2010, PL 440/11; PL 888/2011, PL 623/2011; PL 1144/2011, PL 1931/2011, PL 2372/2011, PL 3121/2012, PL 3167/2012, PL 3365/2012, PL 3450/2012, PL 4871/2012).