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2.1 LÓGICA DA INIMIZADE COMO FUNDAMENTO DO PODER PUNITIVO

2.1.1 População carcerária e tráfico de drogas

Para Jesus et al (2011), como fruto da alteração na Lei de Drogas de 2006, tem-se que neste ano, 47.472 pessoas foram presas por tráfico no país, valor que representava 14% dos presos de todos os crimes, levando‐se em consideração os diferentes regimes possíveis. Já em 2010, registrou‐se 106.491 presos por crimes de tráfico, número 124% maior que em 2006, que correspondia a 21% de todos os

presos do sistema e a praticamente metade dos presos por crimes contra o patrimônio.

Velasco et al (2017) informam um dado relevante: no período de 2005 a 2013 houve um aumento de 339% no número de presos pelo crime de tráfico. E que, no período de doze anos (2005-2017), o aumento do número de presos por esse crime foi de 480%, sendo que nenhum dos estados brasileiros tinha menos de 15% de presos por tráfico. Conforme o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (Brasil, 2017), esse delito passou a ser o que mais leva pessoas a serem privadas de liberdade no país (28%), sendo 26% dos homens e 62% das mulheres; enquanto no roubo, a taxa é de 26% para homens e 11% para as mulheres; no furto é de 12% para homens e 9% para as mulheres e no homicídio 11% para homens e 9% para as mulheres.

O Relatório sobre Reincidência Criminal no Brasil do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA, 2015)16 aponta a reincidência17 criminal brasileira com a taxa de 24,4%. Nela, o crime de tráfico de drogas totaliza 17,7% dos casos envolvendo os sujeitos pesquisados. Já no crime de aquisição/porte/consumo de drogas, a taxa é de 4,6% entre todos os sujeitos pesquisados. Segundo este relatório, o principal motivo da reincidência deste crime são problemas financeiros e os relacionados à droga. Isto devido à atratividade exercida pelos ganhos econômicos nessa área para manutenção de um determinado padrão de vida ou para pagar dívida de drogas causada pela dependência/vício. A pesquisa revela que o crime de tráfico foi um dos mais representados e que muitos casos de furto e roubo foram para manter o vício de drogas.

Da população prisional identificada18, 64% eram negros, indicando uma sobre- representação deste grupo uma vez que a parcela negra da população brasileira acima de 18 anos, em 2015, representava 53% do total. Da faixa etária da população prisional19, 55% era formada por jovens de 18 a 29 anos. Assim, essa população estava sobre-representada no sistema, pois representava, no ano do

16 O universo empírico do estudo foi de 936 apenados de cinco unidades da federação: Alagoas,

Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, que cumpriram pena entre 2006 e 2011.

17 O estudo trata da reincidência legal que, segundo a legislação brasileira (art. 63 e 64 do Código

Penal), é a condenação judicial por novo crime até cinco anos após a extinção da pena anterior.

18 A informação sobre raça, cor ou etnia da população estava disponível para 72% da população

prisional total.

levantamento, 18% da população total no Brasil. Sobre a escolaridade20, 75% da população prisional brasileira ainda não tinha acessado o ensino médio, tendo concluído, no máximo, o ensino fundamental. Desses, 24% se encontrava no ensino médio, tendo concluído, ou não, esta etapa da educação formal.

Por sua vez, Rodas (2017a) revela que a grande maioria das mulheres encarceradas como traficantes exercia papéis irrelevantes e subalternos na estrutura criminosa: eram pobres, possivelmente usuárias, e foram presas tentando entrar com drogas nos presídios ou transportando pequenas quantidades. Ou seja, não praticaram crime violento, mas estão encarceradas por longos anos. Por conseguinte, seus filhos acabam desamparados e se transformando em presas fáceis para o mundo do crime. Como exemplo, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ, 2019)21 revela que uma em cada quatro mulheres das que passaram pela Central de Audiência de Custódia de Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro, teve a prisão mantida apesar de ter cumprido todos os requisitos para obtenção da liberdade provisória ou da prisão domiciliar: ser gestante, lactante ou mãe de criança com deficiência ou até 12 anos de idade e não estar respondendo a crime violento nem tê-lo praticado sob forte ameaça. A maior parte delas havia sido presa por crimes relacionados à Lei de Drogas (38%) ou por furto (34,5%), sendo 84% rés primárias. No entanto, 28% do total foram mantidas presas preventivamente após a audiência de custódia e apenas 10% receberam a prisão domiciliar.

Noutra perspectiva, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (2017) destaca que 24,2% dos adolescentes cumprindo medida socioeducativa é por ato infracional análogo ao tráfico de drogas. Os dados oficiais publicados em 2017 com relação a 2014 demonstram que a internação é a regra, pois em 2014, dos 24.628 adolescentes privados ou restritos de liberdade, em todo Brasil, 81,8% foram internados, enquanto a semiliberdade totalizava apenas 10,5% das medidas de meio fechado.

Vale destacar, nesse cenário, que as péssimas condições carcerárias no Brasil permitem o aliciamento dos presos pelas facções criminosas que dominam os estabelecimentos prisionais ― o que engendra seu empoderamento. Conforme Sager (2017), jovens presos sofrem extorsão ou pressão violenta para fazerem

20 Foram obtidas informações acerca da escolaridade para 70% da população privada de liberdade do

Brasil.

atividades ilegais por parte das facções criminosas para manterem sua integridade física e moral, bem como os integrantes de suas famílias. Isto porque, no cárcere, as pessoas que, a princípio, não apresentavam periculosidade, se misturam com latrocidas e homicidas. Também, dentro das penitenciárias a grande proporção de presos por tráfico aumenta a presença de drogas e dívidas, e também a guerra interna entre facções. Consequentemente, essas pessoas quando saem da prisão se transformaram em criminosos perigosos devido ao aliciamento. Razão pela qual os integrantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) afirmam que “o PCC [Primeiro Comando da Capital] é subproduto do aprisionamento em massa em São Paulo, assim como o Comando Vermelho [CV] é fruto do inchaço das cadeias no Rio de Janeiro” (MARTINS, 2017).

Desse modo, se mostra relevante saber por que tantas pessoas são encarceradas no Brasil por tráfico de drogas, principalmente os jovens, negros, com baixa escolaridade, moradores de periferia. Isto é, como a “lógica da inimizade” poderia ajudar na compreensão destas situações que promovem encarceramento em massa e homicídios de jovens negros e de periferia?