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3.5 LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS E APOLOGIA AO CRIME

3.5.3 O uso industrial do cânhamo

No município de São Leopoldo/RS, onde é hoje a Casa da Feitoria ou Casa do Imigrante, funcionou a Real Feitoria do Linho Cânhamo que fabricava velas e cordas para embarcações, além de tecidos grosseiros empregados na confecção de roupas e sacaria, de 1788 até o fim de março de 1824. “Cânhamo” é o nome comum

para cannabis sativa, planta herbácea que, segundo Szas (1992), produz fibra e uma droga narcótica. A palavra “cânhamo” surge como um anagrama ― transposição de letras de palavra ou frase para formar outra palavra ou frase diferente ― de maconha.

Para Szas (1992), o cânhamo é uma das plantas mais úteis conhecidas pelos homens. Durante o período em que as colônias americanas se converteram em Estados Unidos, o cânhamo foi amplamente utilizado para a fabricação de cordas, vestidos, papel54, fonte de azeite e de droga sedante. A planta é chamada de cânhamo industrial quando destinado ao uso industrial e alimentar, para distingui-la de outros usos e variedades da planta. Por exemplo, o termo maconha (ou

marijuana) é usado para descrever a planta cannabis sativa criada pelas suas

potentes glândulas resinosas, conhecidas como tricômonas que contém grandes quantidades de tetra-hidrocanabinol (THC) ― um canabinóide conhecido por suas propriedades psicoativas. Por outro lado, o cânhamo é utilizado para descrever a planta cannabis sativa que contém quantidades muito baixas e vestigiais de THC, não ultrapassando 1% da composição da resina, que devido à capacidade do corpo humano processar essa quantidade de canabinóide, antes mesmo de absorvê-lo, não gera efeitos psicoativos nem mesmo se consumido em altas doses. Assim, embora seja a mesma espécie, cânhamo e maconha são totalmente diferentes em caráter quando cultivadas para o consumo industrial ou para o consumo médico, recreativo ou social.

Logo, duas são as principais diferenças do cânhamo para a maconha: as técnicas de cultivo e a genética. As técnicas de cultivo podem garantir se a planta terá galhos e, consequentemente, flores, caso o foco do crescimento seja ou não o tronco para obtenção de fibras. Por sua vez, a seleção genética e o cruzamento de linhagens específicas garantem que as plantas tenham entre 0,2% e 1% de THC, dependendo da legislação do país em questão. Se o cânhamo é cultivado em proximidade a variedades destinadas à produção da maconha, existe o risco de polinização cruzada, o que pode gerar plantas mestiças de baixa qualidade e de pouco valor para ambas as destinações (industrial e recreativa). Dessa forma, é de se esperar que os produtores de cannabis não se dediquem ao cultivo de ambas as variedades – maconha e cânhamo –, num mesmo terreno.

54 Conforme Veríssimo (1996: 34), até 1883, 75% a 90% de todo o papel do mundo era feito a partir

Small (1979) desenhou uma linha arbitrária no continuum de tipos de

cannabis e decidiu que 0,3 por cento de THC, em um lote de peneirada de flores,

era a diferença entre cânhamo e maconha. Este índice é o também adotado pelo Regulamento de Cânhamo Industrial (Hemp) do Departamento Federal de Saúde do Canadá (Health Canada)55, que trata como “cânhamo industrial” as plantas de

cannabis e partes de plantas, de qualquer variedade que contém 0,3% de THC, ou

menos, nas folhas e inflorescências. Este país também estabeleceu um limite de dez partes por milhão (PPM) para resíduos de THC nos produtos alimentícios derivados do cânhamo, tais como farinha e óleo.

Segundo Jonhson (2015), o mercado global do cânhamo é dividido em nove segmentos: agrícola, têxtil, reciclagem, automotivo, moveleiro, alimentício, papel, construção civil e cosméticos/cuidados pessoais, que consiste em mais de 25 mil produtos. Aproximadamente três dezenas de países permitem fazendeiros plantarem o cânhamo. A China está entre os maiores produtores e exportadores de têxteis de cânhamo e derivados e estima-se que nos EUA, mesmo sem produção local, o mercado é estimado em meio bilhão de dólares anuais, totalmente abastecido por meio de importações (BRASIL, 2014). A União Europeia (UE) suspendeu o banimento ao cultivo do cânhamodurante a década de 1990 e existe um mercado ativo, especialmente na França, Reino Unido, Romênia e Hungria, sendo o interesse alemão atribuído a um forte movimento Verde.

Percebe-se que a coalizão em prol do cânhamo industrial se fortalece a cada dia, abrangendo agricultores, financistas, indústrias multinacionais e jovens empresários pois atualmente existem feiras de exposição para os produtos do cânhamo industrial, medicinal e recreativo em vários lugares do mundo. Entre elas cita-se, a título de exemplo:

a) Espanha: a,i) Spannabis, Barcelona/Madrid, desde 2002; a,ii) Expogrow, Irún, desde 2011; a.iii) Expocãnamo, Sevilla, desde 2015;

b) Checolosváquia: Cannafest, Praga, desde 2009; c) Chile: Expoweed, Santiago, desde 2012;

d) Uruguai: Expocannabis, Montevideo, desde 2014;

55Disponível em: http://www.hc-sc.gc.ca/hc-ps/substancontrol/hemp-chanvre/about-apropos/faq/index-

e) e outras: na Holanda: Amsterdam; e nos EUA: estados do Oregon, Califórnia e Flórida.

Deste modo, vê-se que em vários países do mundo diminui a oposição ao cultivo e exploração do cânhamo industrial. E, já existe o museu do cânhamo em Montevideo56 no Uruguai, em Amsterdam57, na Holanda e em Barcelona, na Espanha58.

Segundo Robinson (1999), o cânhamo foi proibido exatamente no momento em que a maquinaria estava prestes a introduzí-lo na era industrial. Assim, não existe maquinaria para fiar fibras longas como as do cânhamo, mas, este pode ser encurtado, como algodão para a maquinaria existente. Na década de 1990, os preços do papel de cânhamo foram bem mais altos do que os de polpa de celulose, mas comparáveis com os papéis feitos de outras fibras como o de algodão. Um dos maiores obstáculos à comercialização de produtos de sementes de cânhamo é a exigência legal de que as sementes sejam esterilizadas, pois isso reduz seu frescor e seu potencial nutritivo. Algumas pessoas criticam os produtos de cânhamo que estão no mercado como expressão de mero modismo, outros repreendem alguns membros da indústria de cânhamo por misturar a questão da planta com a da legalização da maconha, já que muitos dos produtos à venda têm estampada uma folha de cânhamo, imagem que a maioria das pessoas associa à maconha.

Para o Estudo 765, de 2014, do Senado Federal (BRASIL, 2014), pesquisadores de diversas instituições, inclusive do U.S. Department of Agriculture (USDA), mostraram otimismo com a indústria do cânhamo, citando a elevação da demanda por seus derivados. Para esses, os estados que suspendessem as proibições seriam economicamente beneficiados. Contudo, outros estudos, também com participação do USDA, chegaram a conclusões menos animadoras sobre o prognóstico do mercado de cânhamo naquele país. Para seus autores, o mercado de cânhamo tem pouco potencial de crescimento, permanecendo sempre pequeno, pois a cultura não conseguiria concorrer com outras bem estabelecidas e com produção e processamento industrial já consolidados.

56Museu del Cannabis de Montevideo. Disponível em:

http://www.museocannabis.uy/presentacion_02.php. Acesso em: 28 maio 2017.

57 Hash Marihuana & Hemp Museum. Disponível em: hashmuseum.com. Acesso em: 30 maio 2017. 58 Hash Marihuana & Hemp Museum. Disponível em: hashmuseum.com/en/barcelona. Acesso em: 30

Em 1997, o então deputado federal Fernando Gabeira tentou trazer sementes de cânhamo industrial do exterior para serem objeto de pesquisas aqui no Brasil, mas sua iniciativa foi rechaçada e as sementes foram destruídas. No portal e- cidadania do Senado federal tem um link chamado “Ideia Legislativa” pelo qual se pode propor e apoiar ideias legislativas que podem criar novas leis e alterar as que já existem. As ideias que registrarem 20 mil apoios são encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), onde receberão parecer dos senadores. Em 2014, foi apresentada uma proposta para regular o uso recreativo, medicinal e industrial da maconha que, por ter recebido 20 mil apoios, recebeu o nome de Sugestão nº 8, de 2014, tendo sido encaminhada ao senador Cristóvam Buarque para relatoria. Neste caso, apesar da Consultoria do Senado Federal no Estudo nº 765, de 2014, ter feito uma análise minuciosa do uso medicinal, recreativo e industrial da planta, e o relatório apresentado pelo Senado Cristóvam Buarque ter registrado que as “reuniões preparatórias e as manifestações de estudiosos apontaram para o fato de o uso industrial ser uma questão consensual e relativamente fácil em sua regulamentação”, e de ter recomendado a criação de uma subcomissão especial no âmbito da CDH para dar continuidade ao debate, e que essa fosse incumbida de apresentar as soluções legislativas para cada um dos aspectos envolvidos, o último andamento que se tem notícia é de que o relatório foi aprovado em 02.09.201559 e passou a constituir o Parecer da Comissão. Atualmente, existem alguns Projetos de Lei (PL) em tramitação no Congresso Nacional para aprovar o uso industrial, social e medicinal da cannabis: o PL 7210/2014 do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e o PL 10.549/2018 do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).