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A INEFICÁCIA DA MULTA AMBIENTAL

No documento DIREITO DOS DESASTRES (páginas 195-200)

1 Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente (UnB), Bacharel em Direito (UniCEUB), Servidora do MPF e Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental do UniCEUB. Email: rca0406@gmail.com.

2 Professor Titular da Universidade de Brasília (UnB). Departamento de Economia. Email: jmn0702@unb.br

1 INTRODUÇÃO

A aplicação de sanções administrativas é considerada fundamental para a garantia da eficácia3 do exercício do poder de polícia pela administração pública para prevenir e reprimir ações lesivas ao interesse da sociedade. No que se refere às infrações administrativas ambientais, destaca-se a sanção da multa ambiental, apresentada como um instrumento de caráter preventivo e reparatório, em defesa do ambiente ecologicamente equilibrado. A multa ambiental é, assim, um dos instrumentos de sanções administrativas que, por sua vez, insere-se entre os mecanismos não jurisdicionais de tutela ambiental4. Tais mecanismos objetivam a reparação e a preservação do meio ambiente no âmbito5 civil e administrativo (PINHEIRO, 2017).

As sanções constituem punições ao infrator, pessoa física ou jurídica, derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, visando a recuperar o dano ocorrido e/ou ressarcir o lesado, conforme art. 225, § 3º, CF/1988. As sanções administrativas também são previstas nas Lei nº 6.938/81, Lei nº 9.605/98, arts. 72 a 76, e Lei nº 8.078/90, arts. 55 a 60. As infrações administrativas são punidas com sanções como multa simples ou diária, suspensão parcial/total ou interdição de atividades, embargo administrativo de obra/atividade, advertência e restrição de direitos, entre outras. A ação administrativa perante às atividades que envolvem o meio ambiente é mais preventiva que repressiva (DINIZ, 2002). Isso porque o Estado, em seu poder de polícia, deverá tutelar o meio ambiente via atividades fiscalizatórias6.

3 A eficácia se relaciona com a aplicabilidade (eficácia técnica ou jurídica) e com a executoriedade (efetividade ou eficácia social) da norma vigente (NOVELINO, 2008). Já na Economia, eficácia diz respeito à elevada probabilidade de alcançar o objetivo desejado pelo instrumento de política pública.

4 Outros mecanismos não jurisdicionais de tutela ambiental: a) estudo prévio de impacto ambiental; b) estudos ambientais; c) licenciamento ambiental; d) unidades de conservação; e) desapropriação direta e indireta de áreas de interesse ambiental; f) tombamento ambiental; g) zoneamento ambiental; e h) direito de antena.

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Destaca-se que as sanções penais ocorrem no âmbito processual.

A multa administrativa simples é uma das penalidades mais aplicadas pelas autoridades ambientais brasileiras7. De uma perspectiva jurídica, qualquer violação do Direito implica a sanção do responsável pela ruptura da ordem jurídica. Assim, a multa ambiental deve atender a dois aspectos inseparáveis na busca da prevenção e conservação do ambiente: o caráter exemplar da penalidade e a recuperação do “status” ambiental anterior ao dano (CAPELLARI; CAPELLARI, 2015).

Surgem, então, algumas questões motivadoras deste ensaio. Se as multas aplicadas em razão do poder de polícia ambiental representam importante meio de controle ambiental, elas estão sendo eficazes na garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado? Quais são as possíveis explicações para essa (in)eficácia à luz do Direito e da Economia Ambiental? Na busca de respostas para essas questões, partimos da hipótese de trabalho que a multa ambiental tem apresentado elevado grau de ineficácia na gestão ambiental brasileira.

Multas podem ser fixas (estabelecidas na legislação) ou variável, administrativa ou judicial. Este ensaio se concentra na multa administrativa variável cujo montante é determinado por uma autoridade do governo de acordo com um conjunto de fatores. Como será explicitado na primeira seção deste artigo, multa administrativa variável é a que apresenta maior potencial de ser eficaz, eficiente e equânime no combate ao crime/dano ambiental. Na seção seguinte apresenta-se uma breve contextualização da multa ambiental na realidade brasileira, com destaque para os instrumentos que a regulamentam e a regulam. Já a terceira seção é dedicada a apresentar evidências empíricas sobre a eficácia (ou não) da aplicação da multa ambiental no Brasil. A quarta e última seção versa questiona a validade dos argumentos da existência de uma “indústria” de multas ambientais no país. Argumentos finais compõem a Conclusão do capítulo.

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De acordo com Capellari e Capellari (2015), as sanções administrativas ambientais encontram previsão constitucional federal no art. 225, parágrafo 3º. No âmbito da legislação infraconstitucional, a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, norma geral que dispõe sobre as infrações administrativas lesivas ao ambiente, bem como a Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabelece a Política Nacional do Ambiente, recepcionadas pelo ordenamento constitucional vigente, preveem as espécies mais comuns de sanções administrativas ambientais. Entretanto, tal arcabouço legislativo não esgota o assunto, verificando-se outras previsões, em textos esparsos, que falam da matéria, tanto na esfera federal quanto na estadual.

2 AS CARACTERÍSTICAS CONCEITUAIS DA MULTA AMBIENTAL

NO DIREITO E NA ECONOMIA

2.1 No Direito

O Poder Público detém o poder de polícia ambiental. Isso possibilita a aplicação de sanções aos que causarem danos ao ambiente. Nesse sentido, é possível afirmar que a multa ambiental é um instrumento essencial para prevenir e reprimir as ações lesivas ao ambiente e tem a função de fazer com que o degradador responda por suas ações ou omissões em prejuízo do ambiente e/ou ao lesado. Forçar um transgressor a retornar à conformidade com o estabelecido na lei é objetivo relevante, mas não o único, de ações para fazer valer a exigência legal. Se a autoridade competente apenas restaurasse a conformidade toda vez que houvesse uma violação de requisitos legais, muitos transgressores prefeririam esperar para cumprir a regulações somente quando eles fossem pegos quando infringissem a lei (OECD, 2009).

É por isso que o governo deve impor sanções adequadas e proporcionais ao potencial dano para dissuadir o infrator e as entidades reguladas. Embora se considere, com frequência, que a multa ambiental tem a característica primordial de punição imposta ao degradador, há que se dar ênfase as suas características preventiva e reparatória, posto que o caráter pecuniário tem reflexo na conservação ou na reparação ambiental.

Nesse contexto, dois tipos de multas são usuais. A multa simples é a penalidade mais comum das penas administrativas e a mais utilizada na legislação ambiental. Tem natureza coercitiva, com o objetivo de punir o infrator e coagi-lo a não repetir a conduta lesiva. Entretanto, a sanção de multa simples não goza de auto-executoriedade, devendo sua cobrança ser feita perante o Poder Judiciário (FREITAS, 2010, p.154). Já a multa diária é a sanção mais indicada para as hipóteses das infrações que se prolongam com o tempo. A multa diária fará com que o infrator tome medidas rápidas e enérgicas para cessar a prática delituosa. Sendo

assim, a multa diária objetiva, além de punir, compelir o infrator a cessar a prática delituosa8.

Em termos de regulamentação no Brasil, estabelece o artigo 74 da Lei n° 9.605/98, que “a multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado” (BRASIL, 1998). No entanto, o artigo 8º, parágrafo único do Decreto n° 6.514/08, faculta órgão ou entidade ambiental especificar a unidade de medida aplicável para cada espécie de recurso ambiental objeto da infração. Assim, a Lei de Crimes Ambientais delega a fixação dos valores das multas ao Poder Executivo, no regulamento da Lei, devendo ser o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), conforme seu artigo 75.

Além disso, prevê o artigo 73 da Lei nº 9.605/98, que os valores arrecadados pelo pagamento das multas serão destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), ao Fundo Naval ou aos fundos estaduais ou municipais de meio ambiente, ou correlatos, conforme dispuser o órgão arrecadador (BRASIL, 1998). Os processos administrativos nas unidades da federação podem ocorrer paralelamente e, havendo o pagamento da multa em qualquer das unidades federadas sobre o mesmo fato incidente, o infrator fica desobrigado do pagamento da multa federal (MACHADO, 2014, p. 374). De acordo com o artigo 72, §4º da Lei n° 9.605/98, “a multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente” (BRASIL, 1998).

É relevante destacar que, em praticamente todas as sociedades contemporâneas, aquele que causa um dano ambiental está sujeito a multas e/ou custos de projetos de revitalização ambiental. Esse tipo de passivo pode variar desde valores modestos a grandes montantes. Geralmente, uma penalidade civil é estimada, pelo menos, em consonância com os custos equivalentes ao que o degradador deixou de investir em conformidades locais por ignorar determinadas leis. Por outro lado, as

8 O valor da multa-dia não pode ser inferior a R$ 50,00 (cinquenta reais) e nem superior a 10% do valor da multa simples cominada para a infração. O importante é que a quantia a ser fixada deve ser alta o suficiente para desestimular o infrator a persistir na infração, porém não deve ser tão elevada a fim de tornar inviável o seu cumprimento (FREITAS, 2010, p.158).

indenizações punitivas são pagamentos de multas por condutas negligentes que são impostas por lei.

Diferentemente do passivo de compensação, medir indenizações punitivas não é simples para danos prolongados. Indenizações punitivas são frequentemente mais elevadas do que os custos de compensação. Esses tendem a ser mais comuns em casos de obrigação judicial do infrator/fabricante, em função de danos que foram causados por problemas com seus produtos, do que os casos de passivos ambientais.

2.2 Na Economia

De uma perspectiva econômica, para ser um instrumento de aplicação eficaz, as multas administrativas devem ser projetadas seguindo uma série de princípios-chave: a) dissuadir futura não-conformidade com a regulamentação; b) eliminar qualquer ganho financeiro ou benefício da não-conformidade; c) ser proporcional à natureza da infração e aos prejuízos causados; e d) considerar o que é apropriado para o infrator à luz da questão regulamentada. Há inúmeros fundamentos teóricos para o desenho de multas ambientais que atendem a esses princípios.

O primeiro objetivo da multa é dissuadir pessoas físicas ou jurídicas de violar a lei. A penalidade deve convencer o infrator a tomar precauções para evitar um delito (dissuasão específica) e demover todos os demais de violar a lei (dissuasão geral). Uma dissuasão bem-sucedida é importante porque fornece a mais eficaz proteção para o meio ambiente. Além disso, reduz os recursos necessários para administrar as leis, abordando o descumprimento antes que ele ocorra.

A teoria da economia ambiental assume que entidades regulamentadas são racionais na tomada de decisões em relação à conformidade com a lei. Essas entidades (pessoa física ou jurídica) decidem pela conformidade ou não com base no cotejamento entre os custos esperados de conformidade (despesas com melhorias tecnológicas e de gestão para cumprir exigências ambientais) e os custos de

não-conformidade (valor de sanções monetárias, responsabilidade civil, penal, etc.). Em outras palavras, se for "de menor custo‟ violar uma exigência, uma pessoa ou uma empresa irá fazê-lo.

No documento DIREITO DOS DESASTRES (páginas 195-200)