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As medidas reparatórias tomadas e o problema da impunidade na fase de execução das penas

No documento DIREITO DOS DESASTRES (páginas 130-133)

4 A ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS DESASTRES DE MARIANA E BRUMADINHO

4.2 As medidas reparatórias tomadas e o problema da impunidade na fase de execução das penas

Quando casos como Mariana e Brumadinho ocorrem, muito se discute sobre a criação de novas leis para proteção ambiental, mas nem sempre se discute sobre a execução das punições aplicadas. Em geral, parte do problema reside não na legislação atualmente existente, mas no modo como as punições não alcançam seu principal propósito.

Por óbvio, avanços como da Lei nº 23.291 de 2019 são mais do que bem-vindos, por trazerem diversas normas de condutas a serem adotadas. Todavia, o

problema da impunidade nos danos ambientais no país não reside exclusivamente na falta de legislações punitivas, mas também na falta de execução das punições aplicadas.

A produção normativa brasileira abarca diversos instrumentos que podem acarretar punições ao poluidor, como ações que compreendem as esferas administrativa, civil e criminal. Em termos quantitativos e, em alguns pontos até qualitativos, o país possui legislação para aplicar punições pelo menos no mínimo necessário.

Porém, é depois da aplicação da pena, já na fase de execução, que o problema se evidencia. A maior parte das multas aplicadas contra responsáveis por danos ambientais não é paga. Ou seja, o processo existe, é sentenciado, as multas são aplicadas, mas quase nunca são pagas pelos responsáveis.

Seja por motivos midiáticos ou eleitorais, parte da resposta estatal está na criação de novas leis, enquanto a verificação se elas estão ou não atingindo seu principal objetivo acaba ficando de lado.

Nota-se, portanto, que o poder-dever do Estado se concentra demasiadamente em uma incansável produção normativa, mas termina por negligenciar o seu principal escopo, que é a proteção eficiente do meio-ambiente (SOUZA, et al., 2015).

Um dos principais exemplos disso é justamente os casos de Minas Gerais. Em Mariana, a Samarco foi notificada 73 vezes pelo IBAMA e chegou a ser autuada pelo órgão 25 vezes apenas em 2015, somando mais de 350 milhões de reais em multas (IBAMA, 2015).

Todavia, anos após o rompimento da barragem, a Samarco pagou apenas 41 milhões de reais do total de multas que sofreu. Esse valor é equivalente a apenas 7% do total devido pela mineradora e isso após três anos do ocorrido (RODRIGUES, 2019).

Já em Brumadinho, o IBAMA autuou a Vale em 250 milhões de reais em multas. Apesar disso, na Justiça, a mineradora responde tanto na esfera estadual quanto na Justiça Trabalhista, de modo que soma o equivalente a 12,6 bilhões de

reais em bens bloqueados como garantia de reparação dos danos (G1, 2019). Mas, considerando a demora dos pagamentos feitos até agora no caso de Mariana, as compensações do caso de Brumadinho ainda podem levar muito tempo para serem levadas a cabo.

Esse cenário de impunidade possui ainda outro fator agravante. No que diz respeito às multas ambientais, segundo o artigo 17, caput e parágrafo 3º, da Lei Complementar nº 140 de 2011, nas hipóteses em que há atribuição comum de fiscalizar os empreendimentos, em havendo a aplicação de auto de infração por mais de um ente federativo, prevalecerá a punição que for aplicada pelo órgão diretamente responsável pelo licenciamento.

Portanto, em competência comum de fiscalização, mesmo se houver aplicação de multas por parte de órgãos federais, prevalecerá aquelas que forem aplicadas pelos órgãos estaduais que concederam a licença ao empreendimento, se esse for o caso.

É o que ocorreu, por exemplo, em Mariana, visto que o órgão responsável pelo licenciamento foi a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (SEMAD). Desse modo, mesmo havendo a aplicação de autos de infração tanto por parte do IBAMA quanto por parte do SEMAD, os autos deste irão prevalecer sobre os autos daquele. Em regra, as punições não se acumulam, mas se sobrepõem, reduzindo o valor pecuniário punitivo total.

Em suma, do montante de multas aplicadas por órgãos federais e estaduais, apenas a parte aplicada pelo órgão estadual responsável pelo licenciamento poderá ser, de fato, exigível. Salvo algumas circunstâncias em que o desastre atingiu bens da União, como o Rio Doce, as multas aplicadas pelo IBAMA que se confrontarem com as multas aplicadas pelos órgãos estaduais acabam não sendo pagas.

Em pesquisas das condições em que os licenciamentos ambientais eram feitos, constatou-se também falhas na qualidade técnica na elaboração dos estudos ambientais necessários à fase de pré-aprovação dos licenciamentos, de modo que se verificou um nível protecionista do estado de Minas Gerais inferior em relação à União (SILVA JUNIOR, 2018).

Nota-se, portanto, que as multas aplicadas pelos órgãos estaduais terão como base licenciamentos de qualidade técnica reduzidos em relação a órgãos federais, fragilizando todo o processo punitivo.

Além das multas que raramente atingem seu propósito, os órgãos de fiscalização e proteção ambiental também encontram obstáculos em outros fatores de impunidade comuns a outros órgãos do Poder Público. Trata-se do conflito entre o tempo médio que os processos de infração levam para serem julgados e o prazo prescricional.

Em levantamento de dados feitos pelo IBAMA, feito durante o período que divide os casos de Mariana e Brumadinho, o tempo médio que o órgão levava para apreciar as infrações era de três a seis meses (IBAMA, 2017).

Os processos que alcançam os três anos em tramitação acabam atingindo a prescrição intercorrente, conforme o art. 21, §2º, do Decreto nº 6.514/08. Apesar de aparentar, esse tempo não é suficiente para muitos processos e, ao tempo do referido levantamento de dados, existem aproximadamente 450 processos a ponto de atingirem prescrição (IBAMA, 2017). Isso, somado ao exaurimento de todos os recursos possíveis por parte dos réus, acaba por levar a prescrições e, consequentemente, impunidade.

No documento DIREITO DOS DESASTRES (páginas 130-133)