• Nenhum resultado encontrado

5 DIREITO A CIDADES SUSTENTÁVEIS

No documento DIREITO DOS DESASTRES (páginas 171-178)

Na esfera constitucional, a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput). Para a propriedade urbana, o cumprimento de sua função social tem como requisitos: a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186, II e IV). Consta no texto constitucional ainda que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput).

O Estatuto da Cidade trata da regulação do uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (art. 1º, parágrafo único), em sintonia com as disposições constitucionais pertinentes. A citada lei federal prevê também a necessidade de adequar os objetivos do desenvolvimento urbano para privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral (art. 2 §, inciso X) e a atribuição da União de legislar

com vistas à cooperação dos entes federados em matéria urbana, para o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (art. 3º, inciso II).

O direito a cidades sustentáveis é assegurado pela legislação brasileira e também em documentos e manifestos internacionais. Ordem urbanística no Estatuto da Cidade tem o sentido de ordenamento – conjunto de imposições vinculantes de ordem pública – e de estado de equilíbrio a ser alcançado e preservado por todos os agentes envolvidos, com um espectro totalizante, em oposição ao individualismo do direito civil2. O objetivo da política urbana é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade mediante a garantia do direito a cidades sustentáveis, assegurando os direitos subjetivos (diretos coletivos de fruição individual) à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, como resultado do equilíbrio sistêmico da cidade sustentável (SUNDFELD, 2010).

No âmbito internacional, a Carta Europeia dos Direitos Humanos nas Cidades e a Carta Mundial do Direito à Cidade, são documentos referenciais e que contemplam as bases do direito à cidade sustentável e defesa dos interesses e necessidades dos seus habitantes, com destaque para o equilíbrio entre o interesse público e o social, de modo a garantir um uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do território (SAULE JR, 2014). A referida Carta Mundial do Direito à Cidade define o direito coletivo à cidade como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social, especialmente pelos grupos vulneráveis e desfavorecidos.

Mas qual a efetividade do direito urbanístico frente a acidentes como os desastres de Mariana e Brumadinho? O rompimento da barragem de Mariana em 2015, um dos maiores desastres ambientais da história, gerou uma onda de lama que

2

“Ao assentar suas diretrizes gerais, o Estatuto expressa a convicção de que, nas cidades, o equilíbrio é possível – e, por isso, necessário. Deve-se buscar o equilíbrio das várias funções entre si (moradia, trabalho, lazer, circulação, etc.), bem como entre a realização do presente e a preservação do futuro (art. 2º, I); entre o estatal e o não-estatal (incisos III e XVI); entre o rural e o urbano (inciso VII); entre a oferta de bens urbanos e a necessidade dos habitantes (inciso V); entre o emprego do solo e a infra-estrutura existente (inciso VI); entre os interesses do Município e os dos territórios sob sua influência (incisos IV e VIII). O crescimento não é um objetivo; o equilíbrio sim; por isso o crescimento deverá respeitar os limites da sustentabilidade, seja quanto aos padrões de produção e consumo, seja quanto à expansão urbana (inciso VIII). Toda intervenção individual potencialmente desequilibradora deve ser

atingiu diversas cidades dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, como Santa Cruz do Escalvado, Governador Valadares, Regência, Linhares e Colatina.

O que dizer então do município de Paracatu em Minas Gerais, onde está atualmente instalada uma das maiores barragens de rejeitos do país? Além de conviverem com o temor frequente de rompimento das barragens, pesquisas recentes demonstram que o acúmulo de arsênio tem aumentado na região de Paracatu, assim como o número de pacientes com câncer tem crescido acima da média nacional e regional nos últimos anos. A imagem abaixo demonstra a precária – pra não dizer preocupante – interação entre a zona industrial e urbana.

Fonte: Google maps.

Para Beck (2011), a maior catástrofe industrial da história foi o acidente tóxico na cidade indiana de Bhopal , em dezembro de 1984, quando vazaram toneladas de um gás tóxico usado na fabricação de pesticidas pela empresa americana Union Carbide, causando a morte direta de 3.000 pessoas e afetando a saúde de dezenas de milhares de indianos. A cidade tinha uma população de 900.000 habitantes e sofre até hoje com as contaminações derivadas do acidente e pelo sentimento de injustiça pela não punição dos responsáveis.

Fonte: Wikipedia.

Tragédias resultantes da precária interação entre zona residencial urbana e indústrias de alto risco não faltam para servir de exemplo. O direito à cidade inclui o direito a um meio ambiente sadio, ao desenvolvimento, à preservação e uso sustentável dos recursos naturais e à participação popular no planejamento e gestão urbanos. A construção de um modelo sustentável de sociedade e vida urbana impõe que todos os agentes envolvidos tenham uma conduta responsável quanto à utilização e preservação dos bens comuns naturais, como a água, e dos bens culturais, de modo a preservá-los para a presente e para as futuras gerações (SAULE JR, 2014).

Para o manejo dos bens comuns naturais, patrimoniais e energéticos da cidade e entorno rural é imprescindível a construção de uma política pública responsável sobre a água e o meio ambiente, sem privatização ou destruição indiscriminada das fontes geradoras desses bens. O planejamento urbano e sua regulação jurídica devem, para serem efetivos e concretizarem o direito a cidades sustentáveis, contemplar a integração e a mitigação do impacto negativo da zona rural/industrial no ambiente urbano.

6 CONCLUSÃO

Um dos traços marcantes da sociedade de risco é a globalização das ameaças e o aumento de sua escala, com o risco oculto de catástrofes urbanas concretas, sem

aviso prévio e sem distinção de classe social, uma vez que ricos e pobres se sujeitam às mesmas consequências nas tragédias. É inegável a necessidade de atuação do Poder Público para assegurar o bem estar de seus cidadãos em face à sociedade de risco, com destaque para a busca do equilíbrio necessário entre desenvolvimento econômico e o dever estatal de assegurar cidades sustentáveis.

Assim, o direito coletivo à cidade sustentável deve ser alcançado dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social, e inclui o direito a um meio ambiente sadio, ao desenvolvimento, à preservação e uso sustentável dos recursos naturais e à participação popular no planejamento e gestão urbanos. Para conseguir alcançar esses objetivos e mitigar os riscos da modernidade, o urbanismo desponta como importante técnica de criação, desenvolvimento e reforma das cidades, havendo uma nítida coincidência entre o Direito Urbanístico e a função pública do urbanismo, com o fito de controlar o desenvolvimento urbano e promover a gestão da cidade de modo sustentável.

REFERÊNCIAS

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.

BRASIL, Luciano de Faria. O Direito Urbanístico na sociedade de risco. Revista Brasileira de Direito Urbanístico – RBDU. Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 39-63, jan./jul. 2016.

CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador : Juspodivm, 2015.

CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Qualidade de vida e princípios do direito urbanístico. Paulo Afonso Cavichioli Carmona e Lilian Rose Lemos Rocha (coords.). Urbanismo e saúde ambiental. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015. CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010.

CORDEIRO, António. A protecção de terceiros em face de decisões urbanísticas. Coimbra: Almedina, 1995.

CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2001.

FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. Revista Magister de Direito Imobiliário, Registral, Urbanístico e Ambiental, n. 2, out-nov 2005.

FIGUEIREDO, Diogo de. Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Forense, 1975.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Título original: The consequences of modernity.Tradução Raul Fiker. São Paulo: Unesp, 1991.

HERMITTE, Marie-Angèle. Os fundamentos jurídicos da sociedade de risco – uma análise de U. Beck. In: VARELLA, Marcelo Dias (org.). Governo dos Riscos.

Brasília: Rede Latino-Americana-Europeia sobre Governo dos Riscos, 2005, p. 11-40.

MAZZILLO, Sergio. Proteção jurídica do meio ambiente. Álvaro Pessoa (coord.).

Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1981.

MCELDOWNEY, John F.; MCELDOWNEY, Sharron. Environmental law and regulation. London: Blackstone Press, 2001.

MUKAI, Toshio. Direito urbano-ambiental brasileiro. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2002.

Organização Mundial de Saúde. Health effects of the chernobyl accident and special health care programmes: report of the un chernobyl forum health expert group. Burton Bennett, Michael Repacholi e Zhanat Carr (editores). Organização Mundial de Saúde: Genebra, 2006. Disponível em: <www.who.int/ionizing_radiation>. Acesso em: 26 fev 2018.

OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

MUCHLINSKI, Peter. The right to development and the industrialisation of less developed countries: the case of compensation for major industrial accidents involving foreign-owned corporations. PELLET, Alain et SOREL, Jean-Marc (orgs.). Le droit international du developpement social et culturel. Paris: L´Hermès, 1997.

ROSSITER C., Davi Beltrão de. A relação entre direito urbanístico, prevenção de tragédias e preservação dos recursos naturais. Revista PUB Diálogos

Interdisciplinares. Disponível em: https://www.revista-pub.org/post/a-relação-entre-direito-urbanístico-prevenção-de-tragédias-e-preservação-dos-recursos-naturais. Acesso em: 10 mar 2019.

SAULE JR, Nelson. Direito à cidade: paradigma para a existência de cidades democráticas, justas e sustentáveis. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 13, n. 77, p. 51-60, set./out. 2014.

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano no direito ambiental brasileiro. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.

SUNDFELD, Carlos Ari. O estatuto da cidade e suas diretrizes gerais. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz (coords.). Estatuto da cidade: comentários à lei federal 10.257/2011. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010

VARELLA, Marcelo Dias. A dinâmica e a percepção pública de riscos e as respostas do direito internacional econômico. In: VARELLA, Marcelo Dias (org.). Governo dos Riscos. Brasília: Rede Latino-Americana-Europeia sobre Governo dos Riscos, 2005, p. 135-162.

VARELLA, Marcelo Dias. O tratamento jurídico-político dos OGM no Brasil. In:

VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs.). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 3-60.

No documento DIREITO DOS DESASTRES (páginas 171-178)