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A omissão do Poder Público e o Projeto de Lei nº 3.729 de 2004

No documento DIREITO DOS DESASTRES (páginas 133-140)

4 A ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS DESASTRES DE MARIANA E BRUMADINHO

4.3 A omissão do Poder Público e o Projeto de Lei nº 3.729 de 2004

Diante do exposto até o momento, o que se nota é que o Poder Público falha na sua atuação de preservar e proteger o meio ambiente, uma verdadeira omissão perante suas obrigações constitucionais e legais. E essa situação de omissão pode se tornar ainda mais agravada com a existência do Projeto de Lei nº 3.729 de 2004.

Inicialmente discutido como uma possível nova lei que equilibra interesses tanto de proteção do meio ambiente quanto do agronegócio, visando o desenvolvimento sustentável, o Projeto de Lei nº 3.729 de 2004 sofreu alterações em seu texto original, de modo que passou a preocupar grupos ligados à preservação ambiental.

Parte das críticas feitas sobre o Projeto de Lei nº 3.729 de 2004 dizem respeito principalmente ao fato de que alguns instrumentos presentes atualmente no procedimento de licenciamento ambiental deixariam de ser competência da Administração Pública, o que pode tirar o equilíbrio da balança do desenvolvimento sustentável.

O projeto em questão busca alterar a forma como o licenciamento ambiental é promovido no país, flexibilizando as regras de licenciamento a um nível perigoso para a proteção e preservação do meio ambiente.

Alguns pontos levantaram preocupação. O primeiro diz respeito à possibilidade de dispensa do licenciamento ambiental para algumas atividades que, no momento, requerem obrigatoriamente tal mecanismo. Se o impacto ambiental for determinado como conhecido, bastaria ao dono do empreendimento promover uma licença ambiental por adesão e compromisso.

Essa possibilidade está sendo denominada popularmente de autolicenciamento, visto que retira da Administração Pública um controle preventivo direto sobre potenciais atividades lesivas ao meio ambiente.

O argumento de transferir os custos para o potencial poluidor, afastando a auditoria estatal, parte do pressuposto de que todos os responsáveis pelas atividades potencialmente poluidoras possuem genuína e exclusiva intenção de guardar as normas ambientais (HELLER, 2019). A possibilidade de autolicenciamento, confiando apenas na pretensa boa intenção do responsável pelo empreendimento, sem o correto controle prévio do Poder Público, seria risível se não fosse perigosa e irresponsável.

Assim, com a fragilização da fiscalização e controle, que são atividades típicas de Estado, bem como com a transferência do monitoramento para os próprios interessados, surge um ambiente institucional que permite que as empresas fraudem ou induzam a fraudes os laudos sobre os riscos das barragens (HELLER, 2019).

O segundo ponto de preocupação aponta para a possibilidade de conceder licenças sem a oitiva de órgãos da Administração Pública ligados à proteção e preservação ambiental, tais quais, o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio) ou mesmo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

O terceiro ponto de preocupação é no sentido de que as regras que definem quais os critérios para determinar o quão degradante ou poluidora uma atividade pode ser, deixarão de ser da competência do CONAMA para ser dos estados e dos municípios. Com isso, há o risco de que, com o intuito de atrair investimentos para seus estados e municípios, a questão ambiental seja deixada de lado.

Por fim, o quarto ponto é no sentido de tornar não obrigatórias as audiências públicas para consultas quanto aos estudos necessários aos licenciamentos ambientais.

Essas mudanças na atual legislação poderiam contribuir para situações desastrosas, como as que se viu em Minas Gerais. Percebe-se que não se trata de mera desburocratização da norma de licenciamento, mas sim de uma retirada perigosa do controle por parte da Administração Pública sobre a proteção e preservação ambiental.

Com base no texto atual, ainda em fase deliberativa, é possível afirmar que, se o referido projeto de lei se tornar norma jurídica, a redução do controle que a Administração Pública exerce sobre o licenciamento ambiental irá agravar substancialmente o problema da omissão do Poder Público perante as questões ambientais.

5 CONCLUSÃO

Diante dos acontecimentos ocorridos em Mariana e Brumadinho, é natural esperar que o Poder Público apresente respostas. Como visto, o meio ambiente é um tipo de direito especial mesmo entre os direitos já considerados especiais, visto sua importância não apenas para a qualidade de vida das pessoas, mas também para o futuro da humanidade no planeta.

Nesse sentido, é certa a necessidade de que a Administração Pública e o Poder Público como um todo possuam atuação incisiva sobre a proteção e a preservação do meio ambiente.

Como exposto, após o rompimento das barragens, a Administração Pública despendeu trabalho para contornar a situação. Além dos trabalhos de natureza mais técnica e científica, feitos em especial pelo IBAMA, novas legislações foram elaboradas, no intuito de evitar situações similares. Porém, esses foram apenas alguns passos dentre os muitos necessários para que se resolva o real problema da temática ambiental.

Foi apontado que reação do Poder Público não pode se limitar a simplesmente aplicar punições e a criar legislações, uma vez que tais punições raramente atingem seu propósito e as legislações acabam não sendo cumpridas.

O que se notou foi que a atuação da Administração Pública acabou por ser limitada diante de impasses como a impunidade na execução das penas aplicadas. Com o Projeto de Lei nº 3.729 de 2004, esse cenário pode se tornar ainda mais agravado, uma vez que a Administração Pública poderia ter menos controle sobre o licenciamento ambiental, importantíssimo mecanismo de proteção e preservação ambiental.

Desse panorama, conclui-se que a atuação do Poder Público diante da temática ambiental ainda está longe atingir níveis adequados de proteção e preservação do meio ambiente. Ao não alcançar esses níveis, caracteriza-se verdadeira omissão do Poder Público perante seu dever de guarda de um direito fundamental tão importante.

Em conjunto com as possíveis novas normas que afastam da Administração Pública uma substancial parte de seu poder fiscalizatório e preventivo, é possível afirmar que esse cenário omissivo tende a se tornar ainda mais presente no futuro.

E, como fora exposto, essa omissão ao dever de guarda e preservação do meio ambiente cobra seu preço em vidas e em danos ambientais incomensuráveis, assim como os que se viu em Mariana e Brumadinho.

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