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A influência da família no processo de tomada de decisão vocacional

A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA CONTRUÇÃO DE PROJECTOS VOCACIONAIS

2. As principais investigações da influência da família nos projectos vocacionais dos adolescentes, no âmbito das perspectivas contextualistas e desenvolvimentais

2.5. A influência da família no processo de tomada de decisão vocacional

O constructo tomada de decisão surge, frequentemente, na literatura sobre metodologias de intervenção na orientação vocacional com uma conotação predominantemente racionalista, centrada na transmissão de informação, reduzindo o

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problema da orientação a uma questão de informação e a escolha a uma questão de conhecimento. Em síntese, o problema da orientação circunscreve-se a uma lógica de programas de intervenção centrados na informação onde intervêm, quase exclusivamente, relações de conhecimento, organizados em três momentos sucessivos e relativamente independentes: conhecimento de si próprio, conhecimento do mundo das formações e das profissões e tomada de decisão. Esta perspectiva informativa/instrutiva tem subjacente uma ontologia dualista que introduz clivagens entre o sujeito e o mundo, entre o conhecer e o agir, entre cognição e afecto, como se o conhecimento e a tomada de decisão fossem puros actos de racionalidade desprovidos de emoções (Campos & Coimbra, 1991). No dizer de Campos (1991): “agem como ingénuos iluministas, ou então, maquiavélicos manipuladores, esquecendo, ou fingindo esquecer que o problema das escolhas não é prioritariamente uma questão de conhecimento mas de investimentos, mediados por relações de significado construídas nas interacções com o mundo e as pessoas significativas” ( p.137).

Desde o nosso ponto de vista, os limites desta conceptualização racionalista do desenvolvimento vocacional serão ultrapassados pelo assumir de uma perspectiva eminentemente psicológica que considera prioritariamente a relação do sujeito com o mundo, permitindo uma leitura integradora das várias dimensões do funcionamento psicológico que intervêm no processo das escolhas: a relação entre o sujeito e o mundo é simultaneamente afectiva, cognitiva e indissociável da acção (Campos & Coimbra, 1991).

Deste modo, a exploração e o investimento, como anteriormente foi referenciado, constituem-se como os dois processos psicológicos fundamentais para compreender de forma mais adequada a qualidade dos percursos vocacionais dos adolescentes e jovens. A tomada de decisão constitui-se como um dos momentos recorrente do processo de “exploração do investimento vocacional”8 que empurra o sujeito energeticamente para um novo investimento, após um processo de exploração e reconstrução do investimento actual.

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Frequentemente quando se referem estes dois processos psicológicos estão subjacentes as noções de independência e sequencialidade, pressupondo que a exploração precede o investimento, como se fossem dois processos separados temporalmente, daí a expressão exploração para o investimento. Por isso, opta-se pela expressão alternativa, exploração do investimento, para destacar a relação entre os investimentos actuais e futuros, sem colocar em causa o facto de a exploração vocacional poder e dever preparar e conduzir a novos investimentos. Assim, exploração e investimento não designam etapas sequenciais mas dimensões do mesmo processo de desenvolvimento vocacional (Campos & Coimbra, 1991).

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O constructo tomada de decisão também surge na literatura relacionado com variáveis familiares, procurando perceber como a família influencia a decisão e indecisão vocacionais, o investimento e a auto-eficácia nos processos de tomada de decisão.

Kotrlick e Harrison (1989) constataram que, na generalidade, os membros da família tinham um impacte substancial na tomada de decisão. Quando perguntavam a uma grande amostra de adolescentes do ensino secundário quem eram as principais fontes de influência na tomada de decisão, aqueles mencionavam, em primeiro lugar, os pais, avós e outras pessoas adultas que admiravam e, por fim, os irmãos. Apresentam-se, de seguida, os principais resultados de alguns estudos realizados no quadro das dinâmicas do sistema familiar para verificar como a família interfere nos processos de tomada de decisão.

Bratcher (1982), partindo da perspectiva sistémica da família, sublinhava que a família tinha um papel importante na decisão vocacional dos indivíduos, dependendo este da forma como se diferenciam os vários subsistemas nas dinâmicas intrassistémicas e do modo segundo o qual o sistema familiar regula as suas transacções com o exterior (dinâmicas intersistémicas). Isto é, a família pode ser promotora da tomada de decisão vocacional se permitir uma diferenciação de cada um dos seus elementos rumo à autonomia, através de uma delimitação/flexibilização das fronteiras entre os vários subsistemas. Além disso, é importante que a estrutura familiar facilite aos seus membros a exploração do mundo envolvente, através da negociação e discussão de regras que regulem as transacções do meio para o seio da família, permitindo a variabilidade de experiências e evitando a cadeia de reprodução rígida dos valores e tradições profissionais da família. Esta constatação foi desenvolvida posteriormente por Zingaro (1983), que afirma que famílias aglutinadas, com baixos níveis de diferenciação, dificultam o processo de tomada de decisão, porque os sujeitos têm dificuldades em diferenciar as suas expectativas vocacionais das expectativas das figuras parentais.

Lopez e Andrews (1987), na mesma linha, aludem a que a disfuncionalidade do sistema familiar (por exemplo, conflitos a nível conjugal, possíveis triangulações entre um dos elementos do casal e o(a) filho(a) ou famílias aglutinadas) pode interferir negativamente no processo de tomada de decisão e contribuir especificamente para a emergência da indecisão vocacional, tendendo a uma situação de difusão. Lopez (1989)

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constatou empiricamente que, nas situações de indecisão vocacional, os pais e filhos estão frequentemente envolvidos emocionalmente gerando-se, normalmente, um contexto de forte ansiedade que pode inviabilizar a separação psicológica dos adolescentes e jovens e impedir a construção de projectos de vida autónomos. Consistente com estes resultados, Larson e Wilson (1998) confirmam nos seus estudos que famílias fusionais e trianguladas transmitem níveis elevados de ambivalência emocional e ansiedade nos seus filhos, com problemas óbvios na decisão vocacional.

Eigen, Hartman e Hartman (1987), partindo do modelo circumplex da estrutura e do funcionamento familiar de Olson e colaboradores (1979)9 analisaram empiricamente a interacção familiar no processo de tomada de decisão. As principais conclusões orientavam-se neste sentido: famílias que evidenciavam um equilíbrio entre níveis de coesão e níveis de adaptação familiar promoviam, nos seus filhos adolescentes e jovens, maiores níveis de autonomia e investimento na formação em ordem à construção autónoma de um projecto de vida. No entanto, as famílias fortemente estruturadas (rigidificadas) e com marcas de fusão emocional (pouco diferenciadas ou aglutinadas/emaranhadas), bem como as famílias com ausência de estruturação (desagregadas) e com vínculos afectivos anestesiados (desligadas) tendiam a promover situações de indecisão vocacional crónica nos adolescentes e jovens e, inclusive, uma desmobilização no investimento em projectos de vida. Penick e Jepsen (1992), na mesma linha, constataram que sistemas familiares democráticos, diferenciados, auto- regulados, com níveis elevados de comunicação e partilha entre todos os elementos do sistema promoviam os processo de tomada de decisão, enquanto que sistemas familiares aglutinados, autoritários, com baixos níveis de comunicação e expressão emocional promoviam a indecisão vocacional, ou seja, sujeitos outorgados ou difusos.

Consistente com outros constructos do desenvolvimento vocacional, Scott e Church (2001) constataram que uma vinculação segura, que garante a separação psicológica das figuras parentais, estava positivamente relacionada com comportamentos de exploração e investimentos vocacionais e inversamente

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O modelo circumplex tenta classificar a estrutura e o funcionamento da família a partir de duas dimensões processuais: coesão e adaptabilidade/mudança. A coesão da família é definida como um vínculo emocional forte entre todos os membros do sistema, de modo a manter a unidade intra-sistémica e simultaneamente a individualidade/identidade de cada um dos seus elementos. A adaptabilidade/mudança é a capacidade do sistema mudar, de modo flexível, a sua estrutura de poder, os seus papéis, as regras relacionais, como resposta aos acontecimentos importantes internos e externos da vida familiar.

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correlacionada com uma tendência para assumir projectos vocacionais outorgados, independentemente do género. No mesmo estudo, os autores sublinharam que as variáveis da vinculação, da independência conflitual e da necessidade de os jovens se tornarem autónomos financeiramente em relação aos seus pais, nomeadamente nas famílias de divórcio favoreciam os processos de tomada de decisão nos jovens universitários. Os autores concluíram que os adolescentes e jovens, provenientes de famílias com grande estabilidade manifestavam maior capacidade de tomada de decisão do que os que provinham de famílias de divórcio (Scott & Church, 2001).

Felsman e Blustein (1999) sugeriam que a relação de vinculação mais facilitadora do desenvolvimento vocacional era aquela em que o adolescente sentia o apoio/desafio das figuras parentais e, simultaneamente, o seu espaço de autonomia, que lhe permitia explorar por si mesmo o mundo, sendo o principal protagonista da construção do seu projecto de vida. É este movimento progressivo e doseado de vinculação e individuação que vai proporcionar a construção de um self seguro que terá incidências incontornáveis no desenvolvimento vocacional, a nível da qualidade e quantidade de experiências de exploração em ordem à tomada de decisão e à realização de investimentos seguros.

Hargrove, Creagh e Burgess (2002) sublinhavam nos seus estudos a relevância de um conjunto de variáveis processuais do contexto familiar na auto-eficácia nos processos de tomada de decisão. Assim, o conflito familiar estava associado negativamente com a auto-eficácia nos processos de tomada de decisão, enquanto que a orientação da família para a realização escolar e profissional encorajava a exploração do mundo e promovia a tomada de decisão dos adolescentes. Whiston (1996), recorrendo às dimensões do contexto familiar propostas pela FES (Moos & Moss, 1986), para avaliar a auto-eficácia na tomada de decisão dos adolescentes, constatou que a orientação cultural e intelectual da família estava relacionada positivamente com a auto- -eficácia na tomada de decisão e, paradoxalmente, a orientação da família para a independência e para o sucesso estavam negativamente relacionados com a tomada de decisão.

Em resumo, os muitos estudos realizados sobre o impacte das variáveis familiares parecem indicar consistentemente que existem dimensões processuais, relacionais e estruturais da família nos processos de tomada de decisão: como a

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vinculação aos pais, a independência conflitual e os sistemas familiares que promovem a diferenciação sistémica. Contudo, os resultados entre os vários investigadores, por vezes, são inconsistentes, provavelmente pelas metodologias adoptadas e pelos modelos conceptuais donde partem, desafiando a comunidade científica a utilizar outras metodologias e a uma maior clarificação dos constructos em análise.

3. As principais investigações da influência da família nos projectos vocacionais

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