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Estudos sobre a influência da família no desenvolvimento vocacional através da narrativa

A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA CONTRUÇÃO DE PROJECTOS VOCACIONAIS

3. As principais investigações da influência da família nos projectos vocacionais dos adolescentes, no quadro da perspectiva construtivo-narrativa

3.1. Estudos sobre a influência da família no desenvolvimento vocacional através da narrativa

Young, Friesen e Borycki (1994) analisaram as influências dos pais, no desenvolvimento vocacional dos seus filhos, através das narrativas vocacionais evocadas retrospectivamente por cinquenta adolescentes e jovens. Nesta investigação identificaram cinco tipos de narrativas, sendo variantes das narrativas da tipologia de Gergen e Gergen (1986). Apresentam-se, brevemente, as narrativas tipo, encontradas na investigação de Young e colaboradores:

(a) narrativa progressiva com um momento dramático de viragem

Nesta narrativa é crucial o momento dramático de viragem10, uma vez que permite ao sujeito a mudança da orientação da sua história de vida, frequentemente no sentido do insucesso para o sucesso. As expectativas destes jovens são reduzidas desde a sua infância, porque sentem que a sua relação com as figuras parentais é pautada pela negligência, ausência, perdas e pela anestesia de afectos. Esta negligência, por vezes marcada por abusos físicos, continua através do desenvolvimento até atingir um ponto de ruptura que vai permitir o momento de viragem (turning point), através do recurso às redes sociais de apoio e à ajuda a profissionais especializados abrindo-lhes novas oportunidades para a reconstrução da sua narrativa vocacional. Neste momento, o jovem torna-se capaz de reconstruir a sua própria vida com maiores expectativas e atingir objectivos de sucesso, pela produção de narrativas alternativas.

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Designa o momento de máxima tensão no desenvolvimento de uma acção narrativa. Na tragédia grega era denominado por clímax, momento fulcral em que a narrativa após o seu desenvolvimento vai progredindo para uma situação de crise, em que o conflito atinge a sua culminância, após o que se sucede o seu desenlace.

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A estrutura familiar que predomina neste tipo de narrativa é caracterizada pelas rupturas sistemáticas, pela ausência de comunicação e expressão emocional e pela violência conjugal e familiar. A metáfora que melhor caracteriza as narrativas destes jovens é a aventura e a luta contra as figuras parentais inibidoras/castradoras.

(b) narrativa progressiva no quadro de uma avaliação positiva

Esta narrativa é tipificada pela percepção de sucesso que o jovem experiencia de forma continuada ao longo do seu desenvolvimento, através da acomodação/articulação dos seus projectos aos projectos das figuras significativas. Este tipo de narrativa parece estar determinada pela sorte e pelo optimismo, como se os acontecimentos de vida surgissem como que predestinados no sentido do sucesso do jovem. Nesta narrativa há uma ausência de tensão, isto é, uma história sem dramas. Os pais, os seus valores e os seus projectos de vida são percepcionados pelo sujeito como apropriados e até, muitas vezes, idealizados. Como consequência, todos os episódios da vida são narrados numa perspectiva de conciliação com as figuras paternas, assumindo os valores, tradições, mitos e expectativas dos pais e percepcionando essa influência como positiva. O contexto familiar é percebido como apoiante, compreensivo, caloroso e protector. A metáfora mais utilizada para caracterizar os autores desta narrativa é a sorte, o destino (fate) ou o optimismo.

Esta história vocacional é uma variante da narrativa estável de Gergen e Gergen (1986), em que o narrador não avalia os acontecimentos da vida nem como facilitadores nem como inibidores da realização das metas que se propõe. Não se registam mudanças acentuadas, caracterizando-se esta narrativa pela sua regularidade. Revê-se e assume a narrativa normativa, que geralmente reflecte especificações da cultura dominante, nas quais as pessoas se comparam e se reconhecem. Na narrativa estável, as pessoas, frequentemente, não têm oportunidade de questionar se estas narrativas lhes oferecerão desenlaces desejados ou preferidos, sendo a narrativa cultural dominante que determina como devem ser e quais os seus projectos vocacionais.

(c) narrativa progressiva com fases de avaliação negativa

Nesta narrativa tipo, o jovem faz uma avaliação positiva do seu projecto vocacional, apesar de considerar negativa a influência dos seus pais, distanciando-se dos

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seus valores e das suas referências. Avalia as acções promovidas pelos pais para o influenciarem no seu percurso vocacional, como não facilitadoras, mas antes inibidoras de comportamentos de exploração no sentido de alcançar os seus objectivos vocacionais. No entanto, à medida que vai se vai desenvolvendo, sente-se capaz de sair vencedor na luta travada com os seus pais. A representação que tem da influência dos pais é predominantemente negativa, não apoiante, desencorajadora; daí que atribua o sucesso a si próprio, levando de vencidos os seus adversários, não se revendo, mas distanciando-se dos projectos dos pais. O contexto destas famílias é caracterizado por um clima de superprotecção que não proporciona oportunidades de exploração nem de autonomia aos seus filhos, nomeadamente numa fase do desenvolvimento centrada na construção da identidade e na autonomização em relação às figuras significativas. A metáfora que melhor caracteriza este tipo de narrativa é a oposição/luta às figuras parentais.

Esta narrativa é uma variante da narrativa progressiva de Gergen e Gergen (1986), na qual o narrador surge como aquele que consegue articular os vários acontecimentos da vida (avaliados como positivos ou negativos) – no sentido da obtenção das suas metas –, sendo experienciados como facilitadores do desenvolvimento vocacional, uma vez que questiona a narrativa dominante da família, através de uma permanente negociação com os outros, dando origem a uma narrativa em co-autoria com os outros significativos, mas onde o sujeito é o principal protagonista.

(d) narrativa antecipada regressiva

O que caracteriza esta narrativa-tipo é o desencontro total entre a influência parental e o sujeito ao longo da vida. Esta narrativa é dimensionada por um destino fatalista, em que os sujeitos inicialmente depositam alguns desejos e sonhos, mas que, progressivamente, os conduzirá ao fracasso e à morte prematura de todas as possibilidades de sucesso vocacional. A narrativa destes sujeitos caracteriza-se por alguma ambivalência, porque, por um lado, recordam alguns momentos da vida onde surgiu o sucesso (os mais precoces) e outros onde predomina o insucesso. As mensagens que recebem dos pais são conotadas pela competição: o sucesso consegue-se através do esforço individual, do trabalho duro e da ambição desmesurada. Estes

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contextos familiares são caracterizados pela competição, exigência não negociada, ambivalência de mensagens e uma frequente desarticulação entre as práticas educativas dos pais, geralmente um muito permissivo e outro demasiado exigente. São famílias onde se constroem expectativas demasiado elevadas e inadequadas para os filhos, os quais, ao não conseguirem atingir os projectos que a família lhes prescreveu, se confrontam com a inevitável frustração, porque não são apoiados nos projectos pessoalmente viáveis.

(e) narrativa triste

Esta narrativa, em contraste com a anterior, tipifica uma dimensão contínua de insucesso em todos os objectivos de vida, ao longo do desenvolvimento. O narrador conta uma história sem objectivos e projectos de vida, com baixas expectativas e baixa auto-estima. Contudo, não é uma trágica história que termine com a derrota absoluta do narrador, porque este tenta reconstruir os sentidos possíveis para as suas experiências. O narrador avalia, retrospectivamente, a influência parental como negativa, não se sentindo apoiado nem encorajado pelos seus pais na realização dos seus projectos de vida. O contexto destas famílias é caracterizado como pouco estimulante, rígido, com ausência de expressão de sentimentos e baixos níveis de comunicação e partilha de experiências.

As duas últimas histórias vocacionais são uma variante da narrativa regressiva de Gergen e Gergen (1986), na qual o narrador experiencia os acontecimentos da vida como inibidores da realização dos seus projectos vocacionais, confrontando-se com frequentes retrocessos na consecução dos seus objectivos, vivendo como que aprisionado pelas narrativas que os outros significativos lhe impuseram, numa ausência de protagonismo pessoal, tendo efeitos restritivos sobre as suas vidas e sobre os seus projectos.

Concluindo, estes cinco estilos de narrativas, que foram encontrados nesta investigação, proporcionam um quadro conceptual útil para compreender o papel diferenciado da influência parental no desenvolvimento vocacional dos seus filhos, indicando-nos, simultaneamente, a forma como os adolescentes e jovens constroem e reconstroem as suas histórias vocacionais para conferirem sentido às suas trajectórias de

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vida na relação com a sua família de origem (Young, Friesen & Borycki, 1994). Estas

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