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A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA CONTRUÇÃO DE PROJECTOS VOCACIONAIS

1. As principais investigações da influência da família nos projectos vocacionais dos adolescentes no quadro teórico das perspectivas clássicas: perspectiva

1.3. As dimensões processuais da família

Em termos dos processos da família, a revisão de Schulenberg e colegas menciona que a relação pais e filhos tem um impacte importante no desenvolvimento vocacional; contudo, o estatuto do emprego da figura paterna está mais fortemente correlacionado com as expectativas dos filhos, muito especialmente dos rapazes, tendendo estes a escolher uma profissão num domínio semelhante à dos seus pais (Kohn, 1977; Mortimer, 1974; 1976). Os autores sublinham que os filhos tendem a fazer opções em conformidade com os valores da família de origem, nomeadamente com o emprego do pai. Ou seja, os pais tendem a transmitir aos filhos as suas valorizações da realidade do mundo do trabalho, isto é, as dimensões que eles consideram importantes e nucleares para o sucesso profissional. Assim, por exemplo, pais de níveis socioeconómicos mais elevados, onde o sucesso profissional depende da capacidade de autodirecção, valorizam muito mais a autonomia dos filhos e proporcionam experiências exploratórias que vão no sentido da competitividade, independência, auto- suficiência e assertividade. Pelo contrário, os pais de níveis socioeconómicos mais desfavorecidos, onde o sucesso profissional depende da conformidade à autoridade, tendem a valorizar mais as atitudes de obediência na educação dos seus filhos, reduzindo assim as oportunidades de exploração vocacional e as suas expectativas de formação e sucesso profissional (Friesen, 1986; Hoffman, 1984; Kohn, 1977).

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Relativamente ao impacte do emprego do pai no desenvolvimento vocacional das filhas, os estudos parecem indicar que as atitudes da figura paterna relativamente ao emprego da mulher fora de casa têm uma influência importante nas expectativas das suas filhas. Assim, os pais que têm uma representação mais positiva do emprego das mulheres e menos positiva em relação ao trabalho doméstico promovem expectativas mais elevadas para as suas filhas, em termos de percursos de formação mais longos e da opção por projectos profissionais não tradicionais em relação ao estereótipo feminino das profissões (Oliver, 1975; Ridgeway, 1978).

Quanto à variável do emprego da figura materna no desenvolvimento vocacional dos filhos, os resultados sublinham que as mães que exercem uma profissão e experienciam um nível de satisfação com o seu trabalho em profissões de médio ou elevado prestígio social influenciam as percepções dos papéis sexuais e as aspirações profissionais, sendo tais influências mais óbvias nas filhas, sobretudo no que se refere às suas aspirações profissionais, relacionadas com as carreiras menos ligadas tradicionalmente ao género, porque a mãe vai desempenhar um papel de modelagem fundamental. Ou seja, se a mãe tem uma actividade profissional gratificante, a filha está exposta, ao longo do seu desenvolvimento, a um modelo que pode observar, captar e identificar-se com ele (Almquist & Angrist, 1970; Bacon & Lerner, 1975; Vogel, Broverman, Broverman, Clarkson & Rosenkrantz, 1970).

Assim, os filhos, cujas mães têm uma profissão, tendem a adoptar uma percepção menos estereotipada do papel do homem e da mulher; os rapazes percepcionam os homens como mais expressivos e as raparigas têm uma perspectiva das mulheres como mais competentes e para o desempenho de papéis mais instrumentais, em virtude dos pais partilharem, com maior frequência, as tarefas domésticas e parentais, assumindo atitudes mais igualitárias sobre os papéis sociais do homem e da mulher (Hoffman, 1980).

As práticas de socialização diferenciadas parecem ter um papel relevante no que diz respeito à construção de projectos vocacionais cujos conteúdos estejam conotados com a identidade sexual das profissões (Schulenberg et al., 1984). As investigações realizadas sobre o desenvolvimento vocacional das raparigas têm evidenciado a existência de diferenças nos padrões de socialização vivenciados no contexto familiar, constatando-se uma maior interacção e identificação com a figura significativa do

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mesmo género, tendo, como consequência, não só uma diferenciação de comportamentos entre rapazes e raparigas, mas também uma diferença no sentido das expectativas de formação e profissão, penalizando e reduzindo as oportunidades às raparigas, verificando-se, com maior consistência, em famílias com nível sócio-cultural mais baixo (Block, 1983; Marini, 1978; Weitz, 1977).

Tradicionalmente, os pais esperavam das suas filhas uma forma feminina de ser, evitando excessivas manifestações de características percebidas como masculinas, como a competição, independência, assertividade e competência. Esperava-se delas que se identificassem com papéis expressivos: “amáveis, afectivas, acolhedoras”. Estas práticas de socialização, sexualmente diferenciadas, acarretam nas raparigas custos em características como a instrumentalidade, a assertividade ou a auto-estima, que são consideradas determinantes para o sucesso no mundo do trabalho. Como consequência, as ocupações tradicionalmente femininas tendem a cristalizar-se no domínio dos serviços, como professor, assistente social, enfermeiro..., grupos profissionais que normalmente são considerados socialmente com estatutos menos elevados, com menores recompensas económicas e inferior posição na hierarquia organizacional e social. Por outro lado, dos rapazes espera-se perfis de independência, competitividade, auto-suficiência, autonomia, objectivos definidos, papéis de liderança e orientação para profissões de prestígio social tendencialmente mais forte (Hoffman, 1974; Witjting, Arnold & Conrad, 1977).

Segundo Block (1983), a diferenciação das práticas educativas é justificada pelo facto de as raparigas experienciarem um processo de socialização mais restritivo, sendo incentivadas, no contexto familiar, a imitar os comportamentos maternos, o que acaba por lhes limitar as possibilidades de experiências exploratórias fora de casa, enquanto que os rapazes são encorajados a desenvolver autonomamente estratégias exploratórias fora do ambiente familiar. A autora vê este distanciamento parental vantajoso para os rapazes e a proximidade/restrição como um factor inibidor para as raparigas em relação ao seu desenvolvimento vocacional.

Concluindo: esta síntese da revisão da investigação, realizada por Schulenberg, Vondracek e Crouter (1984), tem a virtualidade de alertar os investigadores e práticos da Psicologia e Orientação Vocacional para a influência da família nos projectos

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vocacionais de adolescentes e jovens estimulando-os a que em estudos posteriores e na intervenção não silenciem esta dimensão contextual do desenvolvimento humano, especificamente, o desenvolvimento vocacional. Também sinalizam as fragilidades dos estudos revistos: por um lado, apontando para a precariedade da investigação realizada neste domínio; por outro lado, salientando a fortes lacunas conceptuais e metodológicas dos estudos realizados até aos finais dos anos 70, a que esta revisão se refere.

2. As principais investigações da influência da família nos projectos vocacionais

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