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A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA CONTRUÇÃO DE PROJECTOS VOCACIONAIS

2. As principais investigações da influência da família nos projectos vocacionais dos adolescentes, no âmbito das perspectivas contextualistas e desenvolvimentais

2.1. O desenvolvimento vocacional

O constructo desenvolvimento vocacional tem sido conceptualizado, ao longo do tempo, a partir de múltiplas abordagens teóricas, emergindo daí diversos pontos de vista

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sobre o problema, com incidências óbvias na delimitação do seu âmbito, bem como nas estratégias de intervenção para a promoção do mesmo.

O desenvolvimento vocacional sendo conceptualizado, desde o nosso ponto de vista, como a trajectória que cada sujeito constrói nos quotidianos das suas vidas pelos múltiplos papéis em que cada história se concretiza, poderá ser considerado como a dimensão de síntese, de integração de todas as dimensões da existência e, deste modo, a sua promoção é inseparável da promoção das múltiplas dimensões do desenvolvimento psicológico (Campos, 1980).

A partir deste conceito de desenvolvimento vocacional existe um consenso geral de que a escolha vocacional não é um acontecimento pontual circunscrito a uma etapa precisa do desenvolvimento – a adolescência, como concebiam as abordagens mais tradicionais do desenvolvimento vocacional – mas que se refere a uma tarefa que se vai construindo e reconstruindo ao longo do desenvolvimento, sendo a adolescência apenas uma das etapas críticas desse processo de desenvolvimento (Savickas, 2002b).

Referem-se, de seguida, uma série de estudos que se centram no modo como os pais intencionalmente pretendem influenciar e participar em acções intencionalizadas para promoverem o desenvolvimento vocacional dos seus filhos.

Young, Friesen e Pearson (1988), partindo de uma entrevista semi-estruturada de incidentes críticos, questionaram um grupo de pais de adolescentes do 3º ciclo e do Ensino Secundário para recordarem momentos específicos e intencionais em que tentaram apoiar e ser facilitadores dos seus filhos no desenvolvimento vocacional. Os pais eliciaram um conjunto diversificado de actividades através das quais pretendiam, no contexto de um clima de apoio e comunicação com os seus filhos, ser instrumentos intencionais de facilitação do desenvolvimento vocacional. Assim, mencionaram uma série de acções conjuntas (pais e filhos) de exploração vocacional (por exemplo, irem ver contextos de trabalhos que eram áreas de interesse profissionais iniciais dos seus filhos, visitando escolas de formação, campi universitários…); exploravam conjuntamente informação, em papel ou em suporte informático, sobre os sistemas de formação e profissional, e ainda, servindo de apoio no dia a dia para darem feedbacks sobre os projectos de formação e profissão em aberto, ajudando os filhos a lidarem com as seus múltiplos questionamentos acerca do seu projecto vocacional em configuração.

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Um outro resultado importante a salientar, confirmando investigações anteriores (Block, 1983; Marini, 1978; Weitz 1977), é que os pais interagiam de forma diferenciada com as suas filhas e os filhos, favorecendo os rapazes. Isto é, os pais proporcionavam mais informação, manifestavam maior envolvimento e estavam mais disponíveis para realizarem actividades de exploração vocacional com os filhos do que com as filhas (Fassinger, 1990; Manheim & Serger, 1993; O’Brien, 1996; O’Brien & Fassinger, 1993; O’Brien, Friedman, Tipton & Linn, 2000; Rainey & Borders, 1997).

Trusty, Watts e Erdman (1997), partindo do pressuposto que o envolvimento dos pais tinha um impacto importante no desenvolvimento vocacional, identificaram que o factor preditivo do contexto familiar que mais influenciava este desenvolvimento era o estatuto sócio-económico da família. Assim, constatam que as família de nível sócio- -económico mais baixo passam muito menos tempo do que as famílias de classe média no apoio aos seus filhos, não se envolvendo de forma intencional em actividades de desenvolvimento vocacional.

Young e Friesen (1992) analisam um conjunto de intenções por parte dos pais para facilitar o desenvolvimento vocacional dos filhos confirmando que os significativos tendem positivamente influenciar os projectos vocacionais no sentido de os apoiarem, embora respeitando e proporcionando o espaço próprio para realizarem as suas escolhas.

Young, Friesen, Turner e Johanna (1994) procurando investigar como as várias dimensões do contexto familiar, avaliadas pela Escala do Ambiente Familiar, – Family Environment Scale (Moos & Moos, 1986) –, podem interferir no desenvolvimento vocacional, em termos de facilitar ou não um clima favorável a oportunidades de exploração e investimento vocacional. Este estudo reitera a importância que o ambiente familiar tem no desenvolvimento vocacional dos adolescentes e jovens, enquanto contexto facilitador ou cerceador da exploração do investimento vocacional. Contudo esta influência não é no sentido unidireccional (pais para filhos) mas é co-construída nas dinâmicas inter-relacionadas que emergem no seio da família.

Young e seus colaboradores (1994) concluem, dos estudos que realizaram, que os contextos familiares que proporcionam um clima onde se alternam os momentos de apoio com os de desafio, onde se comunica abertamente os problemas emergentes do sistema familiar que rendibilizam intencionalmente os momentos comuns de encontro

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familiar, para atender às necessidades de cada um dos seus elementos e que garantem um suporte emocional seguro aos filhos –– nomeadamente nos momentos de moratória vocacional –– favorecem o desenvolvimento vocacional destes. Tais famílias oferecem múltiplas oportunidades de exploração vocacional aos seus filhos, permitindo-lhes que assumam as suas decisões, quer seja em relação à escolha profissional quer em relação ao projecto de formação; e, embora os acompanhem e os respeitem nesse processo, garantindo-lhes autonomia e protagonismo nas escolhas, não deixam, no entanto, de os questionar sobre o realismo das suas opções, antecipando-lhes as possíveis consequências das suas decisões.

Nestes contextos familiares, os pais sentem que têm um papel significativo no desenvolvimento vocacional dos seus filhos e não querem abdicar deste direito, antes pretendem assumi-lo com maior intencionalidade, não aceitando serem substituídos por outros, como a escola ou o grupo de pares (Palmer & Cochran, 1988). Inclusivamente, os pais poderão envolver-se em interacções intencionais com os seus filhos adolescentes, no sentido de promover experiências de exploração vocacional. Os pais podem encorajar, por exemplo, um adolescente a participar num clube desportivo para, intencionalmente, promover uma atitude de competição frente à vida, ou então levar uma filha adolescente a visitar um campus universitário para que esta possa considerar a possibilidade de investir num curso superior (Young, 1994; Young & Friesen, 1992; Young, Valach, Paseluikho, Dover, Matthes, Paproski & Sankey, 1997). Estas actividades conjuntas têm claramente uma intencionalidade, por parte dos pais, de apoiar e influenciar o desenvolvimento vocacional dos seus filhos. Saliente-se que este apoio não significa uma intrusão das figurais parentais nas decisões dos filhos, nem representa o assumir acriticamente os valores da família, mas é a garantia de uma base segura que facilite a autonomização dos jovens em ordem a proporcionar-lhes experiências novas e desafiantes de exploração do mundo no contexto de uma relação de apoio emocional seguro e, simultaneamente, de desafio.

Quanto à representação dos filhos em relação ao apoio garantido pelos pais, ao longo do seu percurso vocacional, é percepcionado pelos adolescentes e jovens como o mais importante e o mais seguro, sendo, por isso, muitas vezes, intencionalmente solicitado (Palmer & Cochran, 1988).

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Reschke e Knierim (1987), num estudo em que pretendiam avaliar a influência dos pais nas escolhas vocacionais, apresentavam as representações dos pais e dos filhos em relação ao sentido e ao conteúdo dessa influência. Os filhos reconheciam que a questão da escolha vocacional era importante para os seus pais, fazendo sentir a sua influência no encorajamento explícito para realizarem escolhas de formações e profissões com prestígio social. A ajuda que os filhos desejavam dos seus pais, mais do que se sentirem pressionados no decurso do processo, era a garantia de um apoio emocional, a transmissão de informação sobre o mundo profissional, o conhecimento de si próprios, as oportunidades de contacto com o mundo do trabalho e a motivação para realizarem os seus projectos vocacionais. Os pais, nas suas representações, manifestavam que tinham responsabilidades para garantir o encorajamento e o suporte moral aos seus filhos no desenvolvimento vocacional, através do apoio emocional e financeiro e no proporcionar de condições para fazerem uma opção consciente, através do recurso à informação, contactos e, inclusive, à ajuda de um profissional. Os Pais assumiam ter uma influência explícita na escolha vocacional dos seus filhos, mas sem os pressionarem, respeitando-os neste processo de tomada de decisão.

Segundo Palmer e Cochran (1988), os pais percepcionavam-se como figuras significativas no desenvolvimento vocacional, pretendendo, inclusive, desempenhar um papel mais activo nas tarefas vocacionais dos seus filhos. Além disso, os filhos consideravam que essa influência paterna é uma importante fonte de ajuda no planeamento vocacional, solicitando essa opinião e considerando-a como uma das mais decisivas nas suas escolhas vocacionais. Os pais eram percepcionados pelos filhos como fonte de apoio emocional e conselho nas várias problemáticas do seu desenvolvimento, nomeadamente na vocacional, permanecendo como as pessoas mais admiradas e dignas de confiança dos adolescente, aderindo às suas opiniões com maior convicção e impacte do que às veiculadas pelos seus amigos e professores (Middleton & Loughead, 1993; Otto & Call, 1985; Sebal, 1989; Trusty & Watts, 1996).

Em oposição, os ambientes familiares, cujo clima psicossocial se caracterizava por níveis de comunicação reduzidos, sendo notória a ausência de expressão de sentimentos e experiências, onde se registavam frequentes situações de violência física, psicológica, verbal ou até mesmo de abuso sexual (famílias rigidificadas, com fronteiras que não permitem a circulação da comunicação), eram limitadores do desenvolvimento

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vocacional. Estas famílias, não facilitadoras do desenvolvimento vocacional, em virtude da sua disfuncionalidade, tendiam a adoptar práticas educativas diferenciadas no que se refere à identidade sexual, interferindo e limitando os comportamentos exploratórios das raparigas, reforçando a desvalorização do papel feminino (Hoffman & Weiss, 1987; Kinnier, Brigman & Noble, 1990; O’Brien, Friedman, Tipton & Linn, 2000; Rainey & Borders, 1997).

Nestes contextos familiares, os filhos percepcionam como irrelevante a influência dos pais nos seus projectos vocacionais, valorizando, com maior acuidade, as influências dos pares, da escola e as experiências exploratórias realizadas fora do contexto familiar (Palmer & Cochran, 1988).

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