• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2- Enquadramento Teórico

3.2. Opções epistemológicas

Ao longo deste trabalho, houve a necessidade de cruzar duas metodologias: a qualitativa e quantitativa. No que concerne à introdução da metodologia qualitativa, esta esteve presente com o objetivo de compreender as experiências humanas, dos acontecimentos e interações entre os que laboravam no

V Digital

aquando do estágio (Coutinho, 2014, p.20). Mas considerou-se também importante optar-se por um enfoque quantitativo para contabilizar alguns dos indicadores, a fim de dotar a investigação de maior rigor, sustentabilidade e precisão analítica (Coutinho, 2014). Na análise qualitativa não se delineou uma amostra, tendo em conta que os dados analisados foram oriundos da observação contínua durante o estágio e alvo de um registo diário aberto ao inesperado. Já no que concerne à análise quantitativa, esta recaiu apenas sobre a minha rotina de produção durante o estágio. Recorde-se que, durante a experiência de estágio, tive de desempenhar tarefas diariamente, o que não permitiu registar dados quantitativos rigorosos acerca do trabalho dos meus colegas no que respeita, por exemplo, às fontes consultadas. Para evitar extrapolações indevidas, optou-se por centrar a análise quantitativa apenas nas notícias produzidas por mim e cruzar esta informação com a recolha feita a partir da observação participante, de modo a haver uma complementaridade entre metodologias e, assim, resultados mais sustentados. De notar que, no quarto capítulo, será explicado o percurso até chegar às conclusões. A intenção é que os resultados sejam articulados relativamente ao campo teórico comum, mas com diferentes perspetivas perante o mesmo fenómeno que, neste caso, são as rotinas de produção jornalística num meio online, o

V Digital.

“Analisar problemas sociais exige abordagens diversificadas que combinem o que de melhor tem para dar cada um dos paradigmas litigantes: combinar a ‘precisão’ analítica do paradigma quantitativo, com a ‘autenticidade’ das abordagens sistemáticas de cariz interpretativo é – e tomando as palavras de Salomon – ‘…uma combinação que está longe de ser um luxo; é antes uma necessidade (…)”. (Coutinho, 2014, p. 35)

Ao fazer-se uso destas duas metodologias (quantitativa e qualitativa) é importante ressalvar que houve consciência de que há posições epistemológicas em torno desta opção metodológica nas ciências sociais, nomeadamente o facto de que os paradigmas são diferentes e isso poder acarretar dificuldades para o investigador na implementação da metodologia. Isto porque, como há várias perspetivas de análise, torna-se mais difícil ter uma única perspetiva preliminar (Coutinho, 2014).

99

Importa também referir que se trata de um método de estudo de caso. Segundo Zainal (2007) este método é aplicado em casos em que se pretende um estudo aprofundado dentro de um contexto específico, sendo que o foco do estudo reside sobre um número limitado de sujeitos estudados. Posto isto, o grupo em estudo nesta investigação foi constituído pelos jornalistas que trabalharam no

V Digital

entre o dia 2 de julho de 2018 e 28 de setembro de 2018. Estudou-se os indivíduos e os seus comportamentos, ações e interações no contexto de trabalho. “No estudo de caso, tal como a expressão indica, examina-se o caso (ou um pequeno número de casos) em detalhe, em profundidade, no seu contexto natural, reconhecendo-se a sua complexidade e recorrendo-se, para isso, a todos os métodos que se revelem apropriados” (Coutinho & Chaves, 2002, p.223). Ou seja, este método permite observar fenómenos naturais através da recolha de dados, mas, a fim de serem examinados com precisão e detalhe, estes estudos centram-se num número limitado de indivíduos ou selecionam uma área geográfica a estudar (Zainal, 2007). As críticas a este método surgem pela sua falta de robustez, no que concerne à capacidade de generalização dos resultados, tendo em conta que alguns se baseiam em casos únicos (Zainal, 2007).

No entanto, Flyvbjerg (2006) afirma que estudos referentes ao comportamento humano raramente podem ser entendidos como universais, pois dependem sempre de cada indivíduo analisado e do contexto em que cada caso acontece. Mas acredita que isso torna os estudos de caso mais valiosos do que aqueles que buscam incessantemente generalizações, tendo em conta o nível de precisão e especificidade do caso estudado (Flyvbjerg, 2006).

3.2. O modelo de análise

Para obter as respostas à questão de partida indicada anteriormente, elaborou-se um modelo de análise que permitiu verificar algumas das práticas dos jornalistas no

V Digital.

Embora cada investigação possua o seu próprio caminho devido à sua especificidade, o certo é que é necessário delinear o percurso que será capaz de encaminhar o investigador aos melhores resultados possíveis (Quivy & Campenhoudt, 1992).

Analisar as rotinas de produção jornalística num canal online implicou rever algumas das características do webjornalismo de Canavilhas (2003). Mas houve necessidade de ter em conta outros conceitos. Primeiramente, importou definir de forma precisa, “rotina de produção”, dentro de um órgão de comunicação online. Os indicadores considerados visam descrever todo o processo de trabalho do jornalista, desde que entra na redação até que publica a informação no

100

site e o conteúdo fica disponível ao leitor. A intenção é descrever toda a rotina do jornalista, a fim de se perceber em que medida o meio online ajuda ou não o profissional no sucesso da sua tarefa: informar o cidadão.

Numa primeira fase, procedeu-se à observação assistemática prévia, ou seja, observação que não obedeceu a um guião previamente definido (Coutinho, 2014), para que fosse possível entender o meio (online) em que iria decorrer a investigação e permitiu levantar alguns indicadores. Depois destas duas semanas, criou-se um guião de observação (que será revelado mais à frente). Deve dizer-se que foi construído nas duas primeiras semanas de estágio, tendo por base perspetivas teóricas e a observação assistemática. Ambas contribuíram para a construção de um modelo de análise, cujos indicadores permitiram criar o guião de observação.

Para o conceito de rotinas de produção num meio online, foram consideradas as seguintes dimensões: primeiro, a “Organização de trabalho”, que contempla os agendamentos (as notícias que advêm das reuniões de planeamento e têm data para serem publicadas) e as notícias da atualidade, que surgem no dia a dia, entendidas como as “

fast news

” (Lorenz, 2014).

Considerou-se a dimensão “Construção noticiosa: As linguagem”, que teve duas componentes: por um lado, a visual e textual (as notícias que integravam imagens estáticas e texto para contar os factos); e por outro a hibridez das três linguagens (textual, sonora e visual), com o objetivo de colmatar as debilidades de cada uma e criar uma nova linguagem (Santaella, 2012).

Para a dimensão “Construção noticiosa: Agências de notícias”, onde foi feito um estudo às fontes utilizadas. Para tal, onde foi feita a categorização das mesmas perante a categorização pré- existente dos autores, como por exemplo: fontes oficiais (Machado, 2001), individuais (Ribeiro, 2006), documentais (Ribeiro, 2006), institucionais, oficiosas/agências de notícias (Schmitz, 2011), e ainda feito o levantamento isolado de quando houve o contacto direto com fontes de informação (Ribeiro, 2006). Com aparecimento das redes sociais os jornalistas passaram a incutir na sua rotina a consulta de fontes digitais, como as redes sociais, Google, entre outros (McGregor & Molyneux, 2018) e essas também foram tidas em conta nesta investigação.

Para tentar perceber o que influenciava as decisões dos jornalistas sobre aquilo que era ou não considerado notícia para o

V Digital

, tornou-se pertinente verificar a dimensão “Valores-notícia”, tendo por base as seguintes componentes: novidade, inesperado, proeminência, atualidade, instantaneidade (Traquina, 2005) e catástrofe (Traquina, 2005; Harcup & O’Neill, 2016).

101

Como o

V Digital

se apresentou como um meio online, e como me proponho estudar a rotina de produção dos jornalistas, as “Características do webjornalismo” foram alvo de estudo, tendo em conta a hipertextualidade dos conteúdos - conjunto de texto, escrito em blocos, ligado entre si, através de hiperligações, em que é o leitor que decide como lê a notícia (Canavilhas, 2014); a personalização/memória - contextualização dos fenómenos descritos através da ligação aos antecedentes descritos (Lorenz, 2014); a interatividade - possibilidade de interação direta com o produtor da notícia, através de comentários, assim como a participação, com passagem de informação para o jornalista (Deuze, 2017); a multimedialidade - combinação de várias linguagens e plataformas (Salaverría, 2014); e a ubiquidade - estar em todo o lado, em simultâneo (Pavlik, 2014).

Por fim, mas não menos importante, foi tida em conta a componente da “Participação das fontes nas notícias”, nomeadamente através do jornalismo cívico, ou seja, o cidadão produz conteúdo como se fosse jornalístico, mas não se trata de um profissional da área (Canavilhas, 2012; Jerónimo, 2015); do ciberjornalismo participativo, que é aquele que envolve a participação da audiência através de utilização das redes sociais (Machado, 2001; Jerónimo, 2015); do jornalismo de ecossistema, isto é, o que envolve vários agentes, grupos e plataformas, que fazem com que o conteúdo esteja em constante evolução (Jorgensen, 2014).

Conceito Dimensões Componentes Indicadores

Organização do trabalho

Agendamento Notícias que advêm das reuniões de planeamento e que possuem data marcada para a sua realização

Notícias de atualidade Notícias que surgem no dia, como Breaking News.

Construção noticiosa: a linguagem

Linguagem escrita e visual

Notícias que integram imagem estática e texto como forma de contar a notícia Hibridez das três

linguagens: textual, visual e sonora

Mestiçagem de várias linguagens, com o objetivo de colmatar as debilidades de cada uma e criar uma nova linguagem.

Tipo de contacto: direto ou indireto com fonte

Quando o jornalista contacta com fontes de informação a fim de obter a informação que lhe permite construir a narrativa.

102 Rotinas de produção num canal online de vídeo Tipologia fontes de informação Oficiosas/agências de notícias

Chama-se de informante “autorizado” ou “não autorizado” (também denominado de “fonte oficiosa”) quem substitui o porta-voz ou a própria fonte quando esta não pode - ou não deseja, ou ainda, desconhece, no caso de “não autorizado” - formalizar a informação ou a sua opinião, pessoalmente.

Oficial Presidente da República, primeiro-Ministro, membros do governo, membros partidários.

Populares Não estabelecem vínculos com o caso que está a ser tratado, mas podem ser testemunhas de casos, cidadãos comuns. Documental Relatórios; comunicados; decretos-lei;

Orçamento de Estado; estudos.

Institucionais Membros de instituições, Igreja, empresas, jornais, (…).

Empresariais Empresas que revelam informações. Especializadas São os peritos, especialistas, intelectuais

que, pela sua experiência ou profissão, revelam conhecimento importante na área. Redes sociais/ Motores

de busca

Facebook; Twitter, Instagram, entre outras, Google.

Valor- notícia

Novidade Factos pouco recorrentes na sociedade. Inesperado/ Surpresa Notícias que causem surpresa nas pessoas. Catástrofe Notícias relacionadas com catástrofes

naturais e humanas.

Proeminência Referente à pessoa de destaque ou personagem público.

Atualidade Acontecimentos referentes àquilo que está a acontecer no dia.

Instantaneidade Notícia do que acontece no momento; recurso ao direto.

Características do Ciberjornalismo

Hipertextualidade Conjunto de texto, escrito em blocos, ligado entre si através de hiperligações. É o leitor que decide como lê a notícia.

Personalização/ Memória

A possibilidade de ligar uma nova notícia aos seus antecedentes permite o enriquecimento do jornalismo graças à contextualização dos fenómenos.

Interatividade Possibilidade de interação direta com o produtor de notícias ou opiniões. Reação

103

pode ser imediata e contínua: Comentários; Fórum; contacto direto com o jornalista. Multimedialidade Combina várias linguagens que se

completam, está em múltiplas plataformas. Jornalista tem polivalência de temática, mediática e funcional.

Ubiquidade Estar em todo o lado, em simultâneo.

Instantaneidade Necessidade de dar a notícia em primeiro lugar.

Interatividade/participação dos cidadãos nas notícias

Jornalismo cívico O cidadão produz conteúdo como se fosse jornalístico, mas não se trata de um profissional da área.

Ciberjornalismo participativo

Envolve a participação da audiência, através da utilização dos smartphones e redes sociais.

Jornalismo ecossistema

Envolve variadas organizações, indivíduos, grupos, em lugares e plataformas variadas. Jornalismo em constante evolução.

Tabela 2: Guião de observação