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Quais as características do webjornalismo presentes nos conteúdos do V Digital ?

Capítulo 2- Enquadramento Teórico

4. Análise dos dados

4.1. Os dados da observação participante

4.1.5. Quais as características do webjornalismo presentes nos conteúdos do V Digital ?

V Digital

?

Ao analisarmos o

V Digital

e as rotinas de produção do jornalista, importa perceber que características apresentavam os conteúdos e em que nível é que os jornalistas interferiam na criação de conteúdos específicos para a web.

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O texto é, historicamente, uma forma de comunicar no jornalismo que transitou para o online. Neste espaço, muitos são os conteúdos que passaram, não só a ter texto, como hipertexto. Isto é, através de hiperligações, dois ou mais conteúdos ficam ligados entre si, à distância de um clique (Canavilhas, 2014). O hipertextualidade estava patente nos conteúdos do

V digital

que partiram de textos da

Lusa,

ou seja, sempre que não estava em vídeo. Mas mesmo em conteúdos oriundos desta agência, havia casos em que isso não acontecia e o texto era colocado sem qualquer hiperligação.

Figura 13: Notícias publicadas através da fonte Lusa sem hiperligações

No caso das notícias da

Lusa

, ou outras fontes que apenas permitiam uma notícia que aliasse texto em blocos com fotografia, era utilizada a técnica do

embed,

ou seja, com o post de Facebook, Twitter ou outras redes sociais no meio do texto, como forma de encaminhar o leitor para o conteúdo, dando-lhe a liberdade de definir o percurso que sente necessidade de seguir aquando da leitura do conteúdo.

Tendo em conta as decisões da nova direção do

V Digital

em reduzir, até erradicar, os conteúdos neste formato – texto e imagem – substituindo-os por vídeos, a característica da hipertextualidade foi decrescendo ao longo do período em análise, pois nos conteúdos de vídeo não existia hipertexto.

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Figura 14: Ausência de hipertexto nos conteúdos V Digital

O bloco textual que acompanhava as notícias poderá ajudar o leitor a contextualizar o tema sobre o qual a reportagem se debruça. Em todo o caso, nunca foi visualizada a colocação de hipertexto. Se muitos dos vídeos (como os programas) se dedicavam a explicar fenómenos da atualidade que outros órgãos do grupo já tinham antes noticiado, poderia haver uma articulação com a colocação de hipertexto nos blocos que serviam de legenda para o vídeo, como forma de ajudar o leitor a perceber o que já tinha sido dito sobre o tema. Esta talvez fosse também uma forma de criar deambulação de conteúdos entre o grupo, aumentando a interação, quer dos conteúdos

V Digital,

quer de notícias do

JN, Notícias Maganize, Revista Evasões

, entre outros. Com isto, talvez o canal de vídeo em estudo se tornasse num jornalismo de rede, com uma dose concentrada de notícias participativas e mais interativas (Marconi et al, 2017).

b) Personalização

Blogues, sites, redes sociais. São tantos os meios onde há informação a veicular, mesmo na Internet, que se torna difícil até ao cidadão escolher por qual deles vai consultar a informação. Tanto mais numa época em que muito do que vemos num meio de comunicação é o mesmo que está publicado nos demais, pois a sua fonte é a mesma: um

press release

. A grande questão que se coloca hoje em dia nem é tanto o que se publica, mas antes a forma como se apresentam os conteúdos jornalísticos aos leitores, que deve ser da forma mais relevante e atrativa possível (Lorenz, 2014). Depois, é a possibilidade de o próprio jornalista escolher o que quer ver: a personalização dos conteúdos. O

V Digital

colocava ao dispor do cidadão uma média de 13 notícias por dia. Ao contrário do que acontece quando assistimos ao noticiário do telejornal, aqui não era necessário ver todos os conteúdos. Cada leitor tinha liberdade para escolher o que queria ver e

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quando queria ver. Aliás, atualmente é possível procurar no site do

V Digital

artigos publicados em 2018. Ou seja, é uma escolha do leitor (Lorenz, 2014). Logo, o

V

obedecia à caraterística online de personalização.

Figura 15: Personalização nos conteúdos do V Digital

Embora esta seja entendida como uma vantagem do webjornalismo, o certo é que têm emergido problemas com a personalização. Repare-se que o site do

V Digital

, quando colocamos a reproduzir um conteúdo, tem a capacidade de nos recomendar muitos outros. Esses são combinações feitas através dos algoritmos que, ao analisarem os nossos hábitos de consumo no site, vão sugerir aquilo que acham que queremos ver. Ou seja, se ultimamente tenho dedicado mais tempo a explorar no site conteúdos começados por “A escorregar para o verão. As novidades dos parques aquáticos” será de esperar que a lógica desta máquina sugira temas relacionados com água e verão, dando informação personalizada, que limita a diversidade de conteúdo (Borgesius et al, 2016).

Há ainda outra questão relevante na personalização. Repare-se que a Internet é já acedida por 78% da população e o telemóvel é o meio por onde a maioria consulta as notícias (embora saibamos que a população portuguesa continua a dar primazia às televisões) (Digital News Report, 2019). Autores como Canavilhas (2012) defendem que os telemóveis podem ser o meio para oferecer conteúdos personalizados aos leitores, e é por essas informações – atualizadas e personalizadas – que os cidadãos mais afirmam ser capazes de pagar no online (Deuze, 2018).

c) Multimedialidade

Um conteúdo para ser multimédia tem de combinar, em si mesmo, polivalência, várias linguagens, e múltiplas plataformas (Salaverría, 2014). É assim que se consegue contar histórias de forma efetivamente atrativa e captar a atenção do leitor (Marques & Peixinho, 2016).

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As produções do

V Digital

eram publicadas em várias plataformas ao mesmo tempo: site, redes sociais e, dentro destes, não se ficavam apenas pelas redes criadas por si. Iam também até às páginas dos meios de comunicação do grupo, como o

JN, Notícias Magazine, TSF, Revista

Evasões

, e partilhavam lá também os conteúdos. Comprova-se assim que a primeira condição para que o conteúdo seja multimédia era cumprida na plenitude pelo

V Digital

. Mas vejamos as restantes.

Verificamos que o hipertexto não era uma característica tida em conta nas produções jornalísticas. Ora, para se alcançar a multimedialidade é necessário que, dentro de uma só narrativa, haja um mundo diegético (Salaverría, 2014), onde as ideias sejam encadeadas com hiperligações que ajudem o leitor a contactar com a informação disponível na Internet, a fim de sair mais clarificado ainda sobre o tema. Mas isso não se verificou em nenhum momento.

Houve sempre a preocupação de despertar o máximo de sentidos possíveis no leitor (Salaverría, 2014), em especial a visão, a audição e o tato. E isso fez-se através da exploração das três linguagens nas suas produções: textual, visual e sonora. Elas existiam de forma a completarem- se e a criarem um conteúdo capaz de ser visto em qualquer lugar, a qualquer hora, a partir de qualquer meio (Salaverría, 2014). E era precisamente por isso que, não só saía enriquecido o leitor, como também o jornalista. Com estas produções é cada vez mais relevante ter jornalistas dotados de capacidades e conhecedores de formas de tratamento da informação, capazes de encadear todo o material recolhido: texto, som e imagem. Embora não se tenha verificado um jornalismo

multitasking

, pois o jornalista não tinha de desempenhar todas estas funções sozinho, era preciso projetar como é que cada elemento se cruzava para criar um conteúdo sólido e claro para o leitor. Para tal, a redação tinha uma equipa coesa e dotada de elevados conhecimentos no que concerne ao tratamento de som e de vídeo, e ainda de criação de elementos multimédia.

d) Instantaneidade

Característica que advém da necessidade de publicar primeiro que os outros para que se alcance o maior número de visualizações possíveis, pois a população quer saber dos factos no momento em que estes ocorrem (Bradshaw, 2014). Já não se espera pelo dia seguinte para ler no jornal o que aconteceu ontem. Isso já se leu no online. O imediato tem, em muitos órgãos de comunicação, ditado a agenda do dia. Mas isso não foi o caso do

V Digital

. Tentaram sempre dar aos conteúdos mais informação, afastar-se de diretos e notícias atualizadas ao minuto. Explicar os factos do dia a dia era um dos seus princípios e havia vários programas dedicados a isso, como foi comprovado

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ao longo deste trabalho. O imediato nunca foi preocupação nesta redação. Para isso existiam outros meios de comunicação no grupo, como o

JN

. Por isso, esta característica não se verificou, mas poderá ser positivo. Se autores como Sky Schaudt e Serena Carpenter (2009), assim como Mark Deuze (2017) dizem que as notícias com mais rigor, verificação e explicação dos factos (que mais se afastam das notícias atualizadas ao minuto) vão ser a preferência dos leitores e as únicas no online pelas quais os cidadãos pagarão, então poderá ser esse o caminho a seguir.

e) Simultaneidade/ubiquidade

Estar em todo o lado, ao mesmo tempo. Esta talvez seja a característica que melhor define os conteúdos online. O facto de um conteúdo ser partilhado em várias plataformas ao mesmo tempo aumenta a possibilidade de chegar a um maior número de pessoas (Pavlik, 2014). Além a aceder às notícias, o leitor pode ainda interagir com elas.

Mas se tudo é acessível em todo o lado, significa que os conteúdos necessitam de ter características que permitam a sua adaptabilidade aos diferentes ecrãs. E isso acontecia nos conteúdos produzidos pelo

V Digital

. Aquando da entrada do novo diretor, passou-se a ter uma maior atenção a esta questão. Criou-se

teasers

, ou seja, um pequeno vídeo de apresentação de cerca de 30 segundos, com as dimensões adequadas ao Instagram, para atrair visualizações para o conteúdo no site; os vídeos para a plataforma, além de híbridos (como veremos de seguida), tinham as dimensões indicadas para tal meio; assim como para as demais redes sociais. No que concerne à qualidade dos vídeos, estes eram gravados em grande resolução pois a direção considerava a qualidade do vídeo como um fator distintivo no mercado, a par da linguagem utilizada. De destacar que estamos numa era em que há cada vez mais velocidade de navegação, o que aumenta a capacidade de a Internet albergar vídeos de qualidade sem interrupções (Pavlik, 2014). No entanto, constatou-se que, quando se acedia aos conteúdos via aplicação de telemóvel, era frequente que houvesse interrupções no vídeo.

Esta adaptabilidade torna-se muito importante pois 78% da população portuguesa, em 2019, já é usuária da Internet, mas, ainda assim, a população consulta as notícias na internet por diversos dispositivos. A maioria fá-lo por telemóvel (62%), seguido do computador (57%) e o tablet (17%) (Digital News Report, 2019).

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Os conteúdos produzidos pelo

V Digital

são partilhados no seu site, Facebook, YouTube, Instagram e Twitter. A partilha em várias plataformas aumenta a probabilidade de o conteúdo chegar ao leitor. No entanto, a análise revelou poucas visualizações, mesmo com este engajamento dos conteúdos por múltiplas plataformas e até canais com milhões de seguidores.

f) Interatividade

A interação do leitor com o conteúdo pode ser feita de diversas maneiras (Rost, 2014) desde logo escolhendo o percurso que deseja fazer pelo conteúdo. Mas isso também só era permitido fazer em certas notícias constituídas através de duas linguagens: texto e imagem (as tais vindas da agência

Lusa

) e, mesmo nesses, como o hipertexto era característica pouco comum, esta interação não era conseguida.

Figura 16: Exemplo de conteúdo para análise de caraterísticas online

Repare-se no caso da figura 17. É possível observar que o leitor pode aqui interagir com o conteúdo. Não através da hipertextualidade que ele apresenta – pois essa característica é ausente – mas antes porque pode marcá-lo como favorito, partilhando-o, ou comentando-o. Criam-se fóruns de discussão através da partilha dos conteúdos nas redes sociais, principalmente no Facebook, rede social mais utilizada em Portugal. Porém, esses fóruns são comuns no caso de outros meios de comunicação da

GMG,

como

o JN.

Na página de Facebook do

V

, por exemplo, são poucos os comentários que existem às publicações. Fora isso, o vídeo corre simplesmente. Como não há construção por blocos ou hipertexto, não dá possibilidade ao leitor navegar para outras páginas. Foi referido anteriormente que, como os conteúdos são ubíquos, acarretam interação em múltiplas plataformas, e podem ser acedidos através de diferentes meios. Para compreender melhor de

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onde vinha a maioria das interações dos leitores – e para que tipo de conteúdos –, sentiu-se necessidade de entrevistar quem lidava diariamente com a gestão de redes. Até porque o meu trabalho diário não englobava a gestão de conteúdos e a sua partilha nas plataformas nem tinha acesso aos números. Foi explicado pela entrevistada que a presença do canal nas redes não estava a ser feita em sintonia com os conhecimentos e devida consulta de ambas as pessoas contratadas para tal efeito: as gestoras de redes. Havia publicações que eram promovidas e, essas, não eram dadas a conhecer, na maioria das vezes, às gestoras. “Deveríamos ser consultadas sobre o planeamento das publicações a promover para evitar que artigos “menos trabalhados” se tornassem “cartão-de-visita” do

V

- mas não tem sido assim”, disse a entrevistada. E isso verificava- se em termos de visualizações. Muitos dos conteúdos mais populares não eram os mais trabalhosos, morosos e alvo de maior investimento financeiro e laboral, e isso passava, segundo a gestora, uma imagem contrária àquela a que o

V Digital

inicialmente se propôs a ser (explicar fenómenos com qualidade, através do vídeo, afastando-se assim da atualidade e, como vimos anteriormente, 75% do trabalho era feito através do

Wibbitz

). Por outro lado, observava-se desmotivação dos jornalistas sempre que isso acontecia. Repare-se nos seguintes gráficos:

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Se atendermos aos três casos anteriormente apresentados, percebemos que todos eles são conteúdos vindos de agências de notícias, mais especificamente o

Wibbitz,

e todos eles lideraram as audiências do dia, ficando à frente dos conteúdos originais do

V Digital.

O primeiro caso, referente ao dia 8 de setembro de 2019, teve 3.321 visualizações na página; o segundo caso ilustrado na figura 16, foi visto 2.400 vezes a partir do site; e, o último, publicado a 16 de setembro de 2019, reuniu 3.324 visualizações.

“O Wibbitz tem sido uma ferramenta bastante útil na produção em quantidade. No entanto, se o V continuar a querer manter a estratégia inicial de produção de conteúdos próprios que ‘acrescentam um novo olhar sobre o mundo’, o Wibbitz deixará de ser um recurso (muitas outras marcas, um pouco por todo o mundo, contam exatamente as mesmas histórias ‘pré feitas’ na plataforma)”. (entrevista pessoal, 11 de outubro de 2018)

Mas o objetivo principal da publicação destes conteúdos mais relacionados com

lifestyle

é criar interação. “Com poucos seguidores é difícil ‘gerir’ essa relação com o público e, além disso, as poucas publicações que têm sido promovidas (pelo departamento de Marketing do grupo) não fazem jus ao conceito do projeto (de “mostrar um novo olhar sobre o mundo)”, foi salientado pela entrevistada. Mas a predominância destes temas, e o investimento por parte do grupo neles, pode estar diretamente relacionado com os valores-notícia, e com a preferência do público, pois nem sempre o que os jornalistas querem fornecer aos leitores é por eles consumido.

Todo o projeto do

V Digital

foi sempre encarado como uma experiência. O plano inicial para a divulgação dos conteúdos nas redes foi “pensado de forma faseada e segundo objetivos” que, segundo divulgou a entrevistada, não estavam a conseguir alcançar. Prova disso era a falta de interação dos leitores. Por esse motivo, no fim de setembro, a gestora de redes sociais na redação do Porto salientava que estava na hora de “de afirmar uma posição no mercado da comunicação”.