Figura 11 ‐ The Innovative Care for Chronic Conditions Framework (ICCCF) (WHO, 2002)
2. M ODELOS E DIMENSÕES DE ANÁLISE , ACTUAÇÃO E AVALIAÇÃO EM
2.4 A integração de cuidados de saúde e os recursos humanos
A doença crónica introduz mais complexidade nos problemas de saúde e exige também, por isso, bastante mais dos prestadores de cuidados, organizações e profissionais, nomeadamente no que respeita às qualificações dos profissionais, aos modelos de organização e às suas actividades (Busse et al., 2010). E está perfeitamente identificado também na literatura a importância das opções que são feitas na área dos recursos humanos, no redesenho dos modelos de prestação de cuidados e na adequação das respostas às exigências da doença crónica. Existe, a este respeito, algum consenso em relação ao relevo que os profissionais dos CSP podem assumir, defendendo‐se que a constituição de equipas multidisciplinares neste nível de cuidados serão capazes de permitir obter respostas mais completas e mais coerentes com as novas necessidades em saúde, nomeadamente no que diz respeito à gestão da doença crónica. Concretamente, no âmbito do modelo de Gestão Integrada da Doença, os CSP assumem um lugar central, já que lhes cabe, em primeiro lugar, a responsabilidade da promoção da saúde e da prevenção da doença. E será também a equipa de medicina geral e familiar quem melhor conhecerá o potencial de risco familiar e a história clínica de cada doente, daí a importância destes profissionais como garante da continuidade na prestação de cuidados de saúde (Escoval et al., 2010).
Os critérios de referenciação dos doentes ao longo de todo o processo de prestação de cuidados, identificando‐se os profissionais que assumem a responsabilidade da gestão das transições dos doentes entre níveis de cuidados, dão‐nos também alguma informação sobre as práticas de coordenação de cuidados. Defende‐se, assim, que uma maior sofisticação no planeamento de altas e no acompanhamento dos doentes após a alta, bem como um maior envolvimento dos médicos nas transições entre níveis de cuidados, favorecerá a integração dos cuidados. Num estudo feito em países da OCDE (Hofmarcher et al., 2007), em mais de metade dos países analisados os médicos de família são vistos como importantes na coordenação de cuidados de saúde, mas os resultados também revelam que, assim que os doentes entram no hospital ou prosseguem para cuidados de longa duração, o papel destes profissionais de saúde na coordenação perde importância. Os resultados deste estudo demonstram também que, em praticamente todos os países alvo do estudo, existem actividades de coordenação de cuidados que, de alguma forma, guiam os utentes pelos sistemas de saúde. No entanto, o “coordenador de cuidados”, na maior parte das situações, difere em cada uma das transições entre níveis de cuidados.
Experiências levadas a cabo nos EUA (Hofmarcher et al., 2007) no âmbito da gestão da doença crónica, trazem também a debate questões como a importância da revisão dos perfis de competências dos profissionais de saúde o que pode no futuro resultar, nomeadamente, na especialização de alguns profissionais na coordenação de cuidados, bem como na gestão dos recursos disponíveis para a prestação integral de cuidados, de saúde e sociais. Importante será, também, avaliar as necessidades de formação destes profissionais, face às novas exigências da procura. Os médicos de família assumem um papel central
na orientação do doente através do sistema de saúde, daí ser fundamental este estar qualificado para coordenar actividades. No modelo integrado de cuidados, em que teoricamente o médico de família exerce o papel de prestador de primeira linha na prestação de cuidados médicos e as restantes especialidades médicas, em sede hospitalar, constituem uma segunda linha de intervenção, existirá eventualmente espaço para um gestor de caso que garanta a articulação interinstitucional e que seja também a pessoa de contacto com o utente e/ou respectiva família. Poderá também ser avaliada a necessidade de existir um gestor de caso intrainstitucional, concretamente, dentro do hospital, que garanta a articulação entre especialidades e que seja também a pessoa de contacto com o utente e a família. Outra discussão que importa fazer é a do tipo de especialidades que devem ser disponibilizadas aos utentes dos cuidados de saúde primários, nomeadamente avaliando‐se as possibilidades de colaboração de alguns especialistas com os médicos de família no acompanhamento de casos clínicos, sob a forma de consultoria técnica (Hofmarcher et al., 2007). Muitos países já reconheceram que as tradicionais fronteiras profissionais, particularmente as que separam os enfermeiros dos médicos não respondem também às necessidades actuais da procura, daí terem já dado início à redistribuição de responsabilidades. São disso exemplo as nurse practitioners (Reino Unido, Holanda, EUA, Canada, Austrália e Nova Zelândia) que, para além das tradicionais tarefas de enfermagem, têm poder para prescrever alguns medicamentos e assumir tratamentos de menor complexidade. A Alemanha adoptou já a profissão de enfermeira comunitária, que faz visitas domiciliárias e que se responsabiliza por cuidados primários básicos, o que tem vindo, por um lado, a garantir o acesso a cuidados básicos de saúde a doentes crónicos que vivem em zonais rurais e, por outro, a libertar tempo médico para outras tarefas. Outros exemplos são as liaison nurses, já introduzidas em muitos países europeus que, genericamente, seguem o doente após a alta hospitalar, nomeadamente monitorizando as tomas da medicação e educando o doente. Podem também assumir o papel de case managers, essencialmente uma função de coordenação, particularmente relevante e necessária para doentes que exigem cuidados de longa duração e/ou com necessidades sociais e de saúde de maior complexidade. Esta função abrange a assumpção de tarefas como a avaliação de necessidades, o desenvolvimento de planos de cuidados, o auxílio aos doentes no acesso a cuidados adequados, a monitorização da qualidade dos cuidados prestados, bem como a manutenção da ligação com o doente e a respectiva família. Também outros grupos profissionais, nomeadamente farmacêuticos e assistentes sociais, têm sido capazes, designadamente em Inglaterra, de assumir algumas destas tarefas (Busse et al., 2010).
Este tema tem sido, em Portugal, amplamente estudado por Dussault et al. (2014) que defendem a necessidade de passar a tratar a questão dos recursos humanos de forma proactiva, através de um compromisso verdadeiro dos dirigentes políticos na definição de uma estratégia global para a gestão dos recursos humanos. Fazem um conjunto de propostas concretas para Portugal, nomeadamente através da optimização da utilização dos actuais profissionais de saúde, dando‐lhes não só melhores condições de trabalho, mas também modelos organizativos e planos de formação mais adequados, para assim ser
possível obter ganhos de eficiência. Segundo estes autores, as tradicionais opções de divisão do trabalho não parecem estar a responder eficientemente às novas necessidades em saúde, recomendando por isso uma reflexão mais profunda sobre as futuras necessidades de recursos humanos, quer em termos de quantidade, quer em termos de competências mais adequadas aos novos perfis de saúde e às expectativas dos cidadãos. Propõem concretamente uma nova abordagem à organização do trabalho, através da promoção do trabalho em equipa e da “medicina colaborativa”, devendo a prestação de cuidados de saúde estar mais organizada em torno das necessidades dos doentes e menos nas necessidades das profissões de saúde. Os autores alertam ainda para os resultados negativos de uma ineficiente combinação das profissões médica e de enfermagem no desempenho do sistema de saúde português, enfatizando a importância do tema da expansão do papel dos enfermeiros e, concretamente da relevância que o enfermeiro de família poderia assumir nos CSP, um papel que, em Portugal, está ainda por definir. É ainda referido por estes autores que existe margem, em Portugal, para uma utilização mais racional de profissões como a de farmacêutico e dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, cujas competências consideram estar insuficientemente exploradas.
Santana e Vaz (2009) abordaram também esta questão, realçando aspectos como a importância da aposta, em Portugal, em cuidados de saúde baseados em médicos generalistas (e.g. medicina geral e familiar, pediatria e medicina interna) em articulação com outras especialidades; a necessidade da transferência de funções tradicionalmente assumidas por médicos, para outros profissionais (e.g. secretários clínicos, enfermeiros); a criação de novas funções, nomeadamente na interface entre as várias tipologias de cuidados (e.g. gestor de caso); bem como a integração de outras profissões em novas funções (e.g. psicólogos especialistas na gestão de comportamentos).
Também Barros (2011a) se dedicou a este tema, elaborando um estudo em que se focou na intensidade de utilização de médicos e enfermeiros em centros de saúde e hospitais portugueses, e relacionou‐a com o seu salário relativo. A principal conclusão do estudo é que, de facto, existe e é usada uma “margem de substituição”, no sentido em que nos centros de saúde a utilização mais intensiva de enfermeiros permitiu ter, para idênticos níveis de actividade, menores custos. Na gestão da doença crónica, sustenta‐se que existe, de facto, um espaço que pode ser ocupado por profissionais de saúde não médicos, inclusivamente por profissionais com menos educação formal e voluntários, com treino adequado. Reforça‐se ainda a necessidade de se investir mais no desenvolvimento de competências de comunicação, de educação do utente e de aconselhamento no acompanhamento dos doentes crónicos (WHO, 2002) .
Também as práticas profissionais estão já a sofrer alterações significativas em muitos países. Cada vez mais se defende que a prática individual na saúde é desadequada e a tendência tem sido a dos grupos de prática, que se defende serem mais orientadas para o doente e mais “custo‐efectivas”. No Canadá, por exemplo, tem havido um esforço no sentido de dispor de cuidados de saúde primários multidisciplinares, melhor coordenados e acessíveis 24 horas por dia, apostando‐se num modelo em que os médicos trabalham
inseridos numa equipa de enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, parteiras e fisioterapeutas. Também em muitos países, cujo sistema de prestação de cuidados de saúde assenta essencialmente nos cuidados primários (e.g. Reino Unido, Holanda e Escandinávia), a responsabilidade pela gestão da doença crónica como a diabetes, a hipertensão, a asma, a insuficiência cardíaca e a doença mental tem vindo a ser transferida para as denominadas nurse‐led clinics. Estas iniciativas têm também resultado da necessidade e da importância de criar novas oportunidades de carreira na enfermagem (Busse et al., 2010).