• Nenhum resultado encontrado

C APÍTULO III 

3. A INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE E O SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS Este capítulo debruça‐se sobre o sistema de saúde português, com vista a elucidar sobre a questão da 

3.2 Os hospitais públicos em Portugal 

Os  modelos  de  hospitais  do  SNS  têm  vindo  a  sofrer  alterações  significativas,  resultado  da  sua  empresarialização e da fuga para o direito privado, o que aconteceu em momentos diferentes no tempo e  com  formatos  distintos  da  concepção  tradicional  da  administração  pública  da  saúde  (Simões,  2004),  com  tradução na adopção de diversos modelos jurídicos para o hospital público. O mesmo autor recordou que,  em  1994,  foi  celebrado,  pela  primeira  vez  em  Portugal,  um  contrato  de  gestão  de  um  hospital  do  SNS,  concretamente  o  hospital  Fernando  Fonseca,  por  uma  entidade  privada,  cujo  modelo  jurídico  adoptado  representou,  como  refere  “(...)  o  caso  singular  de  abandono  de  uma  concepção  de  responsabilidade  exclusiva  do  Estado  na  prestação  de  serviços  públicos”  (p.93).  Este  hospital  foi,  assim,  desde  o  início  de  1996, dirigido por uma empresa privada a quem o Estado delegou as operações de gestão e manutenção  desse serviço público. Tratava‐se, na altura, do único hospital do SNS com este modelo de gestão privada.  Um  outro  modelo,  caracterizado  por  uma  forma  mínima  de  privatização,  em  que  o  Estado  se  mantinha  responsável pela prestação do serviço público, mas submetendo o modelo a regras privadas, iniciou‐se em  1998  e  foi  aplicado  a  três  unidades  do  SNS  até  2002,  concretamente:  o  Hospital  de  São  Sebastião,  a  Unidade  Local  de  Saúde de Matosinhos  e o  Hospital  do Barlavento  Algarvio.  Relativamente  aos  restantes  hospitais do SNS, também em 2002, foi abandonada a figura de instituto público baseado no direito público  e no direito administrativo em particular, para cerca de um terço dos hospitais, que passaram a adoptar o  modelo de sociedade anónima de capital exclusivamente público. Os restantes mantiveram‐se, nessa data,  a funcionar de acordo com o modelo tradicional de administração pública da saúde. Em 2005, surgiram os  hospitais EPE, a substituir os Hospitais SA. No caso da transformação dos hospitais SA em hospitais EPE, Vaz  (2010)  considerava  que  a  justificação  teria  sido,  por  um  lado,  a  necessidade  de  garantir  uma  maior  participação da dupla tutela (Ministros das Finanças e Saúde) na definição da estratégia dos hospitais e, por  outro lado, para reforçar a natureza pública destas instituições. 

Maciel  et  al.  (2010),  no  seu  trabalho  no  âmbito  da  organização  interna  e  governação  dos  hospitais  em  Portugal,  enfatizam  a  complexidade  deste  tipo  de  organizações,  bem  como  a  obsolescência  do  modelo  vigente, considerando, concretamente, que a organização em serviços fragmenta a prestação de cuidados e  condiciona o desenvolvimento de práticas de gestão descentralizadas e participadas. Observam, ainda, que  a  designada  “empresarialização  dos  hospitais”  não  teve  alterações  de  peso  nem  na  sua  arquitetura 

organizacional  nem  nas  práticas  de  gestão,  reconhecendo  apenas  maior  flexibilidade  na  contratação  de  recursos humanos, bem como maior capacidade negocial nas aquisições e nos projectos de investimento.  “Os hospitais sempre foram, e provavelmente continuarão a ser, o pilar fundamental e mais dispendioso de  qualquer sistema de saúde (...)”(J. V. Fernandes, 2011, p.23), daí a necessidade de se encontrarem modelos  de organização alternativos aos existentes para garantir a sustentabilidade financeira do sistema de saúde  português  já  que,  segundo  este  autor,  a  situação  dos  hospitais  estava  longe  de  conseguir  responder  às  exigências da realidade, concretamente no que à eficiência dizia respeito. No entanto, estes eram também  vistos como “(...) organizações onde a introdução da mudança se afigura como especialmente difícil” (Vaz,  2010, p.350).  

Já  em  2007,  no  Relatório  produzido  pela  Comissão  para  a  Sustentabilidade  do  Financiamento  do  Serviço  Nacional  de  Saúde  (Simões  et  al.,  2007),  e  após  a  apreciação  de  várias  alternativas  de  financiamento  do  SNS, se faziam recomendações ao Governo, de onde se destacam: a adopção de medidas que garantissem  maior  eficiência  na  prestação  de  cuidados  de  saúde;  a  revisão  do  regime  vigente  de  isenções  das  taxas  moderadoras,  redefinindo‐as  com  base  em  dois  critérios  (capacidade  de  pagamento  e  necessidade  continuada  de  cuidados  de  saúde);  e  actualização  do  valor  das  taxas  moderadoras  como  medida  de  disciplina  da  utilização  excessiva  do  SNS,  de  valorização  dos  serviços  prestados  e  de  contributo  para  o  financiamento  do  SNS  (actualização,  pelo  menos,  ao  ritmo  da  inflacção  e,  caso  os  custos  unitários  de  prestação  de  cuidados  médicos  crescessem  muito  rapidamente,  esta  actualização  deveria  ser  superior  à  inflacção). 

Num  relatório  posterior,  apresentado  pela  Entidade  Reguladora  da  Saúde  (ERS)  no  âmbito  da  análise  da  sustentabilidade  financeira  do  SNS  (ERS,  2011a)  também  se  defendia  a  necessidade  de  executar  com  urgência  medidas  que  tinham  já  sido  identificadas  em  estudos  anteriores.  Foi  proposta,  novamente,  a  necessidade de rever as taxas moderadoras, quer reapreciando as categorias de isenção, quer aumentando  os  seus  valores,  ponderando‐se  também  sobre  a  necessidade de  garantir  a  sua  cobrança  atempada,  bem  como  de  diferenciar  os  valores  em  função  da  necessidade  de  acesso  do  utente  aos  cuidados  de  saúde.  Concretamente, propôs‐se que o valor a pagar de taxa moderadora estivesse directamente dependente da  cor atribuída ao utente no serviço de urgência (Triagem de Manchester) ou até de um sistema de triagem  prévio,  telefónico,  em  que  o  utente  poderia  beneficiar  de  uma  redução  do  valor  dessa  taxa  (excluindo  situações de emergência asseguradas pelo INEM) caso houvesse, por esta via, aconselhamento do utente  para deslocação ao serviço de urgência. Foi também, nesse estudo, analisada a possibilidade de redução do  nível  de  benefícios  fiscais  para  as  despesas  em  saúde,  assim  como  a  redução  do  custo  orçamental  dos  subsistemas  públicos  de  saúde,  requerendo‐se  a  sua  auto‐sustentabilidade  financeira.  Foram,  ainda,  ponderadas outras possibilidades como a da reorganização da rede hospitalar com financiamento público,  minimizando‐se  a  duplicação  de  estruturas,  desde  que  garantindo  o  acesso  dos  utentes  aos  cuidados  de 

saúde;  uma  combinação  mais  eficiente  das  profissões  na  área  da  saúde,  bem  como  das  formas  de  organização dos hospitais, aspectos que serão abordados com maior profundidade ao longo deste trabalho.  Dados  referentes  ao  período  2002‐2010  revelavam  que,  relativamente  à  aplicação  de  fundos  do  SNS,  o  valor das transferências para as Administrações Regionais de Saúde, Hospitais, Unidades Locais de Saúde,  Serviços Autónomos e outras despesas, apresentaram uma tendência de crescimento, aumentando nesse  período, em média, 6% ao ano, com um total de aplicação de fundos em 2010 de 9.154,2 milhões de Euros,  representando a despesa com os hospitais, em média, cerca de 50% do total (Tabela 3). No entanto, dados  relativos a 2011 (ACSS, 2011c), revelavam já uma inversão dessa tendência, tendo fechado o ano de 2011  com uma diminuição no valor destas transferências na ordem dos 7,1% (8.507,3 milhões de Euros em 2011  contra  9.154,2  milhões  de  Euros  em  2010),  mantendo‐se  ainda  assim  a  preponderância  dos  cuidados  hospitalares relativamente à distribuição de fundos. 

Tabela 3 ‐ Evolução da aplicação de fundos do SNS (GTRH, 2011) 

  Em 2011 os hospitais do sector público apresentavam um conjunto de problemas, nomeadamente, défices  de exploração e excessivo endividamento, colocando‐se em causa a sua sustentabilidade financeira futura,  bem  como  a  redução  do  leque  de  opções  para  o  desenvolvimento  estratégico  destas  instituições.  Os  hospitais EPE apresentaram em 2010 um resultado operacional negativo de 395,4 milhões de euros, para  proveitos  totais  de  5.185  milhões  de  euros  (4.781  correspondem  ao  montante  dos  contratos  programa),  correspondendo o Resultado Líquido apurado a ‐322,1 milhões de euros. Quanto ao passivo consolidado,  este atingiu o valor de 4.566 milhões de euros, traduzindo um agravamento de 26,7% face ao ano anterior.  Também  as  Dívidas  a  Terceiros  de  Curto  Prazo  atingiram  o    montante  de  3.839  milhões  de  euros  (2.862  milhões em 2009). É de salientar que o peso dos Custos com Pessoal na estrutura de custos dos hospitais  correspondia  em  2010  a  cerca  de  50%,  seguidos  dos  custos  com  consumos  (CMVMC),  com  um  peso  de 

cerca  de  27%  no  total  (os  medicamentos  representavam  63%  do  total  das  matérias  consumidas)  (GTRH,  2011). 

Neste  período,  foram  experimentados  novos  modelos  organizativos  envolvendo  os  hospitais  públicos,  na  procura de soluções para as debilidades do SNS em geral, e dos hospitais em particular, ou seja procurando  uma  maior  eficiência  na  utilização  dos  recursos  disponíveis.  Concretamente,  assistiu‐se  a    fenómenos  de  concentração  de  hospitais  em  centros  hospitalares,  bem  como  a  esforços  no  sentido  de  uma  maior  articulação  entre  diferentes  níveis  de  cuidados,  particularmente  dos  cuidados  primários  e  hospitalares,  designadamente  com  a  criação  de  unidades  locais  de  saúde.  O  Programa  das  Parcerias  Público/Privadas  (PPP) revela também um novo posicionamento em relação ao papel do sector privado na organização da  prestação  de  cuidados  de  saúde  no  âmbito  do  SNS  (Vaz,  2010).  Estas  experiências  de  criação  das  PPP,  originárias  de  Inglaterra,  serviram  para  a  construção  de  novos  hospitais  e  substituição  das  instalações  de  outros hospitais mais antigos (Barros, 2011b). 

Outra iniciativa importante, agora no que no que diz respeito à arquitetura interna dos hospitais, terá sido a  criação  da  figura  do  Centro  de  Responsabilidade  Integrado  (Decreto‐Lei  nº374/1999),  como  resultado  do  reconhecimento  do  aumento  da  dimensão  dos  hospitais  centrais,  com  consequências  nomeadamente  no  grau de complexidade da sua gestão. 

Tal como já foi referido, depois das experiências piloto de hospitais com gestão empresarial (e.g. Hospital  de São Sebastião) e da primeira experiência de criação de uma ULS, em Matosinhos, em 1999, seguiu‐se a  transformação  de  31  hospitais  em  Sociedades  Anónimas  (SA),  movimento  que  prosseguiu  nos  anos  seguintes com a alteração da maior parte dos hospitais do sector público administrativo para o modelo de  Entidade Pública Empresarial (EPE). Mais tarde, a partir de 2007 até 2011, foram criadas seis novas ULS e a  tendência tem sido também a de concentração de hospitais em Centros Hospitalares (21). Existiam, assim,  em Portugal, em 2011, 21 Centros Hospitalares, 22 Hospitais, três Institutos Oncológicos e sete Unidades  Locais de Saúde (Figura 27), oferta ainda complementada por dois hospitais em regime de PPP (Hospital de  Cascais e Hospital de Braga) aos quais se adicionaram dois novos hospitais, o hospital de Loures (abertura  em Janeiro de 2012) e o Hospital de Vila Franca de Xira (abertura em 2013). No âmbito das PPP importa  ainda  recordar  que,  em  Portugal,  o  primeiro  contrato  celebrado  em  regime  de  PPP  para  a  prestação  de  cuidados de saúde foi o que possibilitou a abertura do Centro de Medicina de Reabilitação do Sul, em Sao  Brás de Alportel. A merecer também referência é o contrato que também foi celebrado em regime de PPP,  e que conduziu à criação do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (CASNS). 

  Figura 27 ‐ Composição do parque hospitalar em 2011 (GTRH, 2011) 

A  Rede  Hospitalar  com  Financiamento  Público,  compreendendo  todos  os  hospitais  públicos,  gerais  ou  especializados, integrados ou não em centros hospitalares ou unidades locais de saúde e ainda as IPSS com  acordos celebrados com o SNS, contava em 2012 com um total de 113 hospitais, em que 95 eram hospitais  públicos, sendo 77 hospitais gerais e 18 especializados, e 18 hospitais pertencentes a IPSS (ERS, 2012).   O  movimento  de  empresarialização  dos  hospitais  do  sector  público  não  tem  deixado,  no  entanto,  de  encontrar resistências, muito pela diversidade cultural e intensidade emocional que carateriza o ambiente  deste tipo de organizações, o que terá vindo a interferir com outro tipo de objetivos, nomeadamente de  eficiência  na  prestação  de  cuidados  de  saúde  (J.  V.  Fernandes,  2011).  Também  Maciel  et  al.  (2010),  ao  recordarem a complexidade destas organizações, consideram que estas terão tido em Portugal um impacto  excessivo  na  prestação  de  cuidados  de  saúde,  com  consequências  muito  significativas  nos  domínios  económico  e  social.  Estes  autores  consideram,  inclusivamente,  que  os  aspectos  sociodemográficos  que  caracterizam  o  país  (e.g.  o  envelhecimento  da  população,  a  baixa  natalidade),  bem  como  a  elevada  prevalência de doenças crónicas, exigem que os hospitais evoluam no seu modelo de organização interna,  para que se consiga garantir a prestação dos cuidados necessários à população em tempo útil e cumprindo  objectivos de qualidade e de eficiência.  

A  empresarialização  dos  hospitais,  foi,  ainda  assim,  considerada  uma  das  razões  fundamentais  para  a  melhoria  da  qualidade  da  oferta,  das  condições  de  acesso  e  da  modernização  das  infraestruturas  disponíveis.  Considerou‐se,  por  isso,  que  o  nível  de  serviço  melhorou  muito  desde  2002,  ainda  que  a  sustentabilidade financeira dos hospitais não tivesse deixado de ser um tema sensível, em consequência da  sua grave situação financeira (GTRH, 2011). 

Barros  (2011b)  aprofunda  um  pouco  mais  a  discussão  em  torno  da  experiência  da  empresarialização  dos  hospitais  públicos  em  Portugal,  considerando  que  terá  sido  a  concessão  da  gestão  do  Hospital  Fernando  Fonseca à iniciativa privada a marcar, de facto, o início de um processo de mudança no sector que, na sua  opinião,  ainda  se  encontrava  a  meio  do  percurso.  Recorda,  nomeadamente  o  exemplo  da  introdução  da  Triagem de Manchester1 que, com início em Portugal em 2000, por iniciativa do Hospital Fernando Fonseca  (Lisboa)  e  do  Hospital  Geral  de  Santo  António  (Porto),  acabou  por  se  generalizar,  o  que  revela  o  papel  impulsionador destas primeiras iniciativas e reforça, na sua opinião, o argumento de que, mais importante  do que a gestão e/ou propriedade dos hospitais ser pública ou privada, terá sido a possibilidade de estarem  à disposição determinados instrumentos para a sua gestão. 

Outra questão importante também referida no que diz respeito à gestão dos hospitais em Portugal, é a da  introdução de inovações nestas instituições (e.g. fármacos; tecnologias), defendendo‐se que, para que esta  se  tornasse  mais  efectiva,  concretamente  no  que  aos  resultados  clínicos  dizia  respeito,  deveriam  ser  identificados  os  pontos  críticos  de  desperdício  nestas  instituições,  já  que  uma  utilização  menos  eficiente  destes  recursos  poderia  pôr  em  causa  a  sua  sustentabilidade  financeira  (J.  V.  Fernandes,  2011).  Também  Barros (2011b) considerava que os principais desafios no que dizia respeito à actividade hospitalar seriam,  para além dos desafios internos de organização e liderança dos hospitais, por um lado, o ritmo da inovação  tecnológica  e,  por  outro,  a  aumento  da  carga  da  doença  crónica.  Relativamente  à  doença  crónica,  considerava que havia que reorganizar a prestação de cuidados de saúde por forma a evitar a ocorrência de  episódios  agudos  nestes  doentes,  ou  seja,  revendo  as  opções  de  monitorização  e  tratamento  do  doente  crónico.  Relativamente  às  novas  tecnologias,  considerava  ser  fundamental  que  fosse  feita  uma  avaliação  muito rigorosa da sua adopção e da decisão relativamente à sua utilização em cada caso, o que já se fazia  na  área  do  medicamento,  mas  que  se  considerava  ser  uma  prática  que  deveria  ser  alargada  a  outros  campos. Tratava‐se, de acordo com o autor, de promover uma mudança de atitudes no sentido de serem  adoptadas apenas inovações em que os ganhos em saúde que daí decorressem compensassem os recursos  usados, recursos esses que passariam a estar indisponíveis para outras aplicações. 

Importante  seria  também  clarificar  que  a  prestação  de  cuidados  de  saúde  de  proximidade  não  era  uma  responsabilidade  dos  hospitais,  daí  a  necessidade  também  apontada  de  se  redefinir  a  sua  missão,  bem  como  as  formas  de  articulação  com  os  cuidados  de  saúde  primários  e  os  cuidados  continuados  (GTRH,         

   

1

 Triagem de Manchester ‐ procedimento de classificação dos doentes admitidos nos serviços de urgência, sendo‐lhes atribuída uma  determinada  prioridade  de  atendimento,  de  acordo  com  critérios  objetivos  de  gravidade.  Recorre‐se  a  um  código  de  cores  para  traduzir essa prioridade clínica (Barros, 2011b). 

2011). Também J.V. Fernandes (2011), seguindo a mesma linha de pensamento, considera que um maior  envolvimento entre o hospital e os cuidados primários de saúde poderia resultar numa redução de custos  na  saúde,  identificando  áreas  críticas  concretas,  nomeadamente  a  da  utilização  de  medicamentos  e  de  meios complementares de diagnóstico. Outra das áreas problemáticas identificadas por este último autor  foi  a  dos  serviços  de  urgência  hospitalar,  que  afirmou  serem  excessivamente  utilizados  por  doentes  com  patologias que não eram consideradas “urgentes”, o que considerava que teria tido consequências, não só  na  eficiência,  mas  também  na  qualidade  dos  cuidados  prestados.  No  sentido  de  eliminar  parte  do  problema, defendeu que deviam ser dadas aos cuidados primários as condições necessárias para que estes  assumissem, de facto, o seu papel de gatekeeper do sistema, evitando o acesso desnecessário às urgências  hospitalares.  E  que,  uma  maior  articulação  entre  os  dois  níveis  de  cuidados  poderia,  inclusivamente,  resultar  num  redimensionamento  das  urgências  hospitalares,  de  acordo  com  as  reais  necessidades  das  populações, um processo que defendeu que deveria ser iniciado nos grandes centros urbanos.  

A  descentralização  do  modelo  tem  sido,  assim,  entendida  como  uma  prioridade,  ou  seja,  a  exclusão  do  espaço  da  urgência  tradicional  dos  doentes  cuja  patologia  é  considerada  menos  grave,  encaminhando‐os  para espaços alternativos. Tem‐se defendido também que devem ser encontrados modelos alternativos de  colaboração entre profissionais de saúde dos cuidados primários e dos cuidados hospitalares, constituindo‐ se equipas conjuntas nas urgências hospitalares e reforçando‐se, no caso dos enfermeiros, as suas funções  assistenciais de proximidade. Outra prioridade reconhecida por J.V. Fernandes (2011) foi a necessidade de  rever  o  modelo  de  organização  do  hospital,  sob  dois  pontos  de  vista:  a  organização  assistencial  e  a  organização  da  produção.  Relativamente  à  primeira,  considerou  que  o  hospital  deveria  ser  organizado  segundo  uma  lógica  departamental,  integrando  especialidades  que  tivessem  um  grau  de  proximidade  ao  nível  das  patologias  (e.g.  departamento  materno‐infantil;  departamento  de  urgências),  com  uma  chefia  médica,  com  a  principal  vantagem  do  aproveitamento  das  sinergias  existentes  resultado  da  maior  comunicação entre especialidades próximas, o que sustentou que poderia ter resultados positivos, quer na  qualidade dos cuidados prestados, quer na utilização dos recursos disponíveis (e.g. camas). Paralelamente,  defendeu também um modelo de organização transversal, por linhas de produção (e.g. internamento, bloco  operatório, consultas externas), ou um modelo assente em patologias (e.g. oncologia, doenças respiratórias  cardíacas  crónicas),  permitindo  uma  maior  especialização  no  tratamento,  e  ganhos  na  qualidade  dos  cuidados  prestados.  Não  deixou  ainda  de  defender,  para  os  hospitais  do  SNS,  a  necessidade  do  aprofundamento dos modelos de contratualização, não só a externa, com a tutela, mas a contratualização  interna, que defendeu que deveria ser alargada aos vários níveis, ou seja, não só aos departamentos, mas  também às várias especialidades e aos próprios profissionais. 

Outros  autores  já  haviam  referido  ser  crucial  definir  uma  nova  matriz  organizacional  para  os  hospitais  portugueses, em resposta a um novo perfil de procura de cuidados hospitalares, que nem sempre terá sido  acompanhado de uma utilização mais responsável dos recursos disponíveis e que, no seguimento dos novos 

desenhos organizacionais, cada vez mais próximos da lógica empresarial, estivesse mais atenta à eficiência  da  organização.  A  este  nível,  propuseram‐se  mudanças  na  organização  clínica  dos  hospitais,  nomeadamente:  a  criação  de  um  novo  modelo  orgânico  para  a  gestão  clínica;  o  desenvolvimento  de  estruturas  técnicas  operacionais  com  uma  natureza  mais  matricial  (e.g.  Departamento/Centro  de  Responsabilidade)  e  a  criação  da  figura  de  gestor  do  doente,  particularmente  relevante  para  idosos  e  doentes  com  multi‐morbilidades  (Escoval  &  Matos,  2009).  Segundo  estes    mesmos  autores,  as  especialidades  hospitalares  deveriam  articular‐se  entre  si  horizontalmente  e  não  segundo  uma  lógica  vertical, devendo assim ser garantida uma assistência integrada, multidisciplinar e personalizada para cada  doente. 

Ainda relativamente à adequação da resposta na prestação de cuidados de saúde, e particularmente no que  diz  respeito  à  doença  crónica,  os  hospitais  do  SNS  apresentavam,  segundo  Guerra  (2009a)  falhas  na  coordenação do percurso dos doentes crónicos, tal como acontecia noutros países da Europa. Defendeu o  mesmo autor que a coordenação de cuidados não deveria ser apenas uma responsabilidade do médico de  família,  mas  também  do  hospital,  o  que  de  facto  não  terá  vindo  a  acontecer,  pela  falta,  no  SNS,  da  atribuição  dessa  função  específica,  particularmente  na  interface  hospital‐centros  de  saúde‐comunidade,  tendo  vindo  a  ser,  na  maior  parte  das  vezes,  o  próprio  utente  e  os  familiares  a  assumir  esse  papel.  Consequentemente, estas descontinuidades poderão, segundo o autor, ter conduzido ao agravamento das  condições de saúde dos doentes e terão tido um efeito significativo sobre a actividade não programada dos  hospitais  portugueses,  e  particularmente  sobre  a  utilização  dos  serviços  de  urgência.  O  mesmo  autor  considerou  ainda  que  o  sistema  de  financiamento  dos  hospitais  não  estava  orientado  para  a  doença  crónica, já que estava estruturado para a prestação de cuidados agudos, privilegiando casos com demoras  de internamento curtas, que garantissem economias de escala e casos com margens elevadas de reembolso  (cirurgias).  E  que  os  doentes  crónicos  põem  estes  pressupostos  em  causa,  já  que,  para  estes  casos,  as  demoras  médias  são,  previsivelmente,  superiores,  apresentam  múltiplas  patologias,  o  que  condiciona  a  resposta  padronizada  e,  frequentemente,  usam  a  urgência  como  ponto  de  acesso  aos  cuidados  hospitalares.  Daí  que  o  autor  tenha  afirmado  que  a  gestão  destes  doentes  de  forma  proactiva,  em  ambulatório, poderia resultar numa utilização mais eficiente dos recursos hospitalares, nomeadamente em 

Outline

Documentos relacionados