C APÍTULO III
3. A INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE E O SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS Este capítulo debruça‐se sobre o sistema de saúde português, com vista a elucidar sobre a questão da
3.2 Os hospitais públicos em Portugal
Os modelos de hospitais do SNS têm vindo a sofrer alterações significativas, resultado da sua empresarialização e da fuga para o direito privado, o que aconteceu em momentos diferentes no tempo e com formatos distintos da concepção tradicional da administração pública da saúde (Simões, 2004), com tradução na adopção de diversos modelos jurídicos para o hospital público. O mesmo autor recordou que, em 1994, foi celebrado, pela primeira vez em Portugal, um contrato de gestão de um hospital do SNS, concretamente o hospital Fernando Fonseca, por uma entidade privada, cujo modelo jurídico adoptado representou, como refere “(...) o caso singular de abandono de uma concepção de responsabilidade exclusiva do Estado na prestação de serviços públicos” (p.93). Este hospital foi, assim, desde o início de 1996, dirigido por uma empresa privada a quem o Estado delegou as operações de gestão e manutenção desse serviço público. Tratava‐se, na altura, do único hospital do SNS com este modelo de gestão privada. Um outro modelo, caracterizado por uma forma mínima de privatização, em que o Estado se mantinha responsável pela prestação do serviço público, mas submetendo o modelo a regras privadas, iniciou‐se em 1998 e foi aplicado a três unidades do SNS até 2002, concretamente: o Hospital de São Sebastião, a Unidade Local de Saúde de Matosinhos e o Hospital do Barlavento Algarvio. Relativamente aos restantes hospitais do SNS, também em 2002, foi abandonada a figura de instituto público baseado no direito público e no direito administrativo em particular, para cerca de um terço dos hospitais, que passaram a adoptar o modelo de sociedade anónima de capital exclusivamente público. Os restantes mantiveram‐se, nessa data, a funcionar de acordo com o modelo tradicional de administração pública da saúde. Em 2005, surgiram os hospitais EPE, a substituir os Hospitais SA. No caso da transformação dos hospitais SA em hospitais EPE, Vaz (2010) considerava que a justificação teria sido, por um lado, a necessidade de garantir uma maior participação da dupla tutela (Ministros das Finanças e Saúde) na definição da estratégia dos hospitais e, por outro lado, para reforçar a natureza pública destas instituições.
Maciel et al. (2010), no seu trabalho no âmbito da organização interna e governação dos hospitais em Portugal, enfatizam a complexidade deste tipo de organizações, bem como a obsolescência do modelo vigente, considerando, concretamente, que a organização em serviços fragmenta a prestação de cuidados e condiciona o desenvolvimento de práticas de gestão descentralizadas e participadas. Observam, ainda, que a designada “empresarialização dos hospitais” não teve alterações de peso nem na sua arquitetura
organizacional nem nas práticas de gestão, reconhecendo apenas maior flexibilidade na contratação de recursos humanos, bem como maior capacidade negocial nas aquisições e nos projectos de investimento. “Os hospitais sempre foram, e provavelmente continuarão a ser, o pilar fundamental e mais dispendioso de qualquer sistema de saúde (...)”(J. V. Fernandes, 2011, p.23), daí a necessidade de se encontrarem modelos de organização alternativos aos existentes para garantir a sustentabilidade financeira do sistema de saúde português já que, segundo este autor, a situação dos hospitais estava longe de conseguir responder às exigências da realidade, concretamente no que à eficiência dizia respeito. No entanto, estes eram também vistos como “(...) organizações onde a introdução da mudança se afigura como especialmente difícil” (Vaz, 2010, p.350).
Já em 2007, no Relatório produzido pela Comissão para a Sustentabilidade do Financiamento do Serviço Nacional de Saúde (Simões et al., 2007), e após a apreciação de várias alternativas de financiamento do SNS, se faziam recomendações ao Governo, de onde se destacam: a adopção de medidas que garantissem maior eficiência na prestação de cuidados de saúde; a revisão do regime vigente de isenções das taxas moderadoras, redefinindo‐as com base em dois critérios (capacidade de pagamento e necessidade continuada de cuidados de saúde); e actualização do valor das taxas moderadoras como medida de disciplina da utilização excessiva do SNS, de valorização dos serviços prestados e de contributo para o financiamento do SNS (actualização, pelo menos, ao ritmo da inflacção e, caso os custos unitários de prestação de cuidados médicos crescessem muito rapidamente, esta actualização deveria ser superior à inflacção).
Num relatório posterior, apresentado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) no âmbito da análise da sustentabilidade financeira do SNS (ERS, 2011a) também se defendia a necessidade de executar com urgência medidas que tinham já sido identificadas em estudos anteriores. Foi proposta, novamente, a necessidade de rever as taxas moderadoras, quer reapreciando as categorias de isenção, quer aumentando os seus valores, ponderando‐se também sobre a necessidade de garantir a sua cobrança atempada, bem como de diferenciar os valores em função da necessidade de acesso do utente aos cuidados de saúde. Concretamente, propôs‐se que o valor a pagar de taxa moderadora estivesse directamente dependente da cor atribuída ao utente no serviço de urgência (Triagem de Manchester) ou até de um sistema de triagem prévio, telefónico, em que o utente poderia beneficiar de uma redução do valor dessa taxa (excluindo situações de emergência asseguradas pelo INEM) caso houvesse, por esta via, aconselhamento do utente para deslocação ao serviço de urgência. Foi também, nesse estudo, analisada a possibilidade de redução do nível de benefícios fiscais para as despesas em saúde, assim como a redução do custo orçamental dos subsistemas públicos de saúde, requerendo‐se a sua auto‐sustentabilidade financeira. Foram, ainda, ponderadas outras possibilidades como a da reorganização da rede hospitalar com financiamento público, minimizando‐se a duplicação de estruturas, desde que garantindo o acesso dos utentes aos cuidados de
saúde; uma combinação mais eficiente das profissões na área da saúde, bem como das formas de organização dos hospitais, aspectos que serão abordados com maior profundidade ao longo deste trabalho. Dados referentes ao período 2002‐2010 revelavam que, relativamente à aplicação de fundos do SNS, o valor das transferências para as Administrações Regionais de Saúde, Hospitais, Unidades Locais de Saúde, Serviços Autónomos e outras despesas, apresentaram uma tendência de crescimento, aumentando nesse período, em média, 6% ao ano, com um total de aplicação de fundos em 2010 de 9.154,2 milhões de Euros, representando a despesa com os hospitais, em média, cerca de 50% do total (Tabela 3). No entanto, dados relativos a 2011 (ACSS, 2011c), revelavam já uma inversão dessa tendência, tendo fechado o ano de 2011 com uma diminuição no valor destas transferências na ordem dos 7,1% (8.507,3 milhões de Euros em 2011 contra 9.154,2 milhões de Euros em 2010), mantendo‐se ainda assim a preponderância dos cuidados hospitalares relativamente à distribuição de fundos.
Tabela 3 ‐ Evolução da aplicação de fundos do SNS (GTRH, 2011)
Em 2011 os hospitais do sector público apresentavam um conjunto de problemas, nomeadamente, défices de exploração e excessivo endividamento, colocando‐se em causa a sua sustentabilidade financeira futura, bem como a redução do leque de opções para o desenvolvimento estratégico destas instituições. Os hospitais EPE apresentaram em 2010 um resultado operacional negativo de 395,4 milhões de euros, para proveitos totais de 5.185 milhões de euros (4.781 correspondem ao montante dos contratos programa), correspondendo o Resultado Líquido apurado a ‐322,1 milhões de euros. Quanto ao passivo consolidado, este atingiu o valor de 4.566 milhões de euros, traduzindo um agravamento de 26,7% face ao ano anterior. Também as Dívidas a Terceiros de Curto Prazo atingiram o montante de 3.839 milhões de euros (2.862 milhões em 2009). É de salientar que o peso dos Custos com Pessoal na estrutura de custos dos hospitais correspondia em 2010 a cerca de 50%, seguidos dos custos com consumos (CMVMC), com um peso de
cerca de 27% no total (os medicamentos representavam 63% do total das matérias consumidas) (GTRH, 2011).
Neste período, foram experimentados novos modelos organizativos envolvendo os hospitais públicos, na procura de soluções para as debilidades do SNS em geral, e dos hospitais em particular, ou seja procurando uma maior eficiência na utilização dos recursos disponíveis. Concretamente, assistiu‐se a fenómenos de concentração de hospitais em centros hospitalares, bem como a esforços no sentido de uma maior articulação entre diferentes níveis de cuidados, particularmente dos cuidados primários e hospitalares, designadamente com a criação de unidades locais de saúde. O Programa das Parcerias Público/Privadas (PPP) revela também um novo posicionamento em relação ao papel do sector privado na organização da prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS (Vaz, 2010). Estas experiências de criação das PPP, originárias de Inglaterra, serviram para a construção de novos hospitais e substituição das instalações de outros hospitais mais antigos (Barros, 2011b).
Outra iniciativa importante, agora no que no que diz respeito à arquitetura interna dos hospitais, terá sido a criação da figura do Centro de Responsabilidade Integrado (Decreto‐Lei nº374/1999), como resultado do reconhecimento do aumento da dimensão dos hospitais centrais, com consequências nomeadamente no grau de complexidade da sua gestão.
Tal como já foi referido, depois das experiências piloto de hospitais com gestão empresarial (e.g. Hospital de São Sebastião) e da primeira experiência de criação de uma ULS, em Matosinhos, em 1999, seguiu‐se a transformação de 31 hospitais em Sociedades Anónimas (SA), movimento que prosseguiu nos anos seguintes com a alteração da maior parte dos hospitais do sector público administrativo para o modelo de Entidade Pública Empresarial (EPE). Mais tarde, a partir de 2007 até 2011, foram criadas seis novas ULS e a tendência tem sido também a de concentração de hospitais em Centros Hospitalares (21). Existiam, assim, em Portugal, em 2011, 21 Centros Hospitalares, 22 Hospitais, três Institutos Oncológicos e sete Unidades Locais de Saúde (Figura 27), oferta ainda complementada por dois hospitais em regime de PPP (Hospital de Cascais e Hospital de Braga) aos quais se adicionaram dois novos hospitais, o hospital de Loures (abertura em Janeiro de 2012) e o Hospital de Vila Franca de Xira (abertura em 2013). No âmbito das PPP importa ainda recordar que, em Portugal, o primeiro contrato celebrado em regime de PPP para a prestação de cuidados de saúde foi o que possibilitou a abertura do Centro de Medicina de Reabilitação do Sul, em Sao Brás de Alportel. A merecer também referência é o contrato que também foi celebrado em regime de PPP, e que conduziu à criação do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (CASNS).
Figura 27 ‐ Composição do parque hospitalar em 2011 (GTRH, 2011)
A Rede Hospitalar com Financiamento Público, compreendendo todos os hospitais públicos, gerais ou especializados, integrados ou não em centros hospitalares ou unidades locais de saúde e ainda as IPSS com acordos celebrados com o SNS, contava em 2012 com um total de 113 hospitais, em que 95 eram hospitais públicos, sendo 77 hospitais gerais e 18 especializados, e 18 hospitais pertencentes a IPSS (ERS, 2012). O movimento de empresarialização dos hospitais do sector público não tem deixado, no entanto, de encontrar resistências, muito pela diversidade cultural e intensidade emocional que carateriza o ambiente deste tipo de organizações, o que terá vindo a interferir com outro tipo de objetivos, nomeadamente de eficiência na prestação de cuidados de saúde (J. V. Fernandes, 2011). Também Maciel et al. (2010), ao recordarem a complexidade destas organizações, consideram que estas terão tido em Portugal um impacto excessivo na prestação de cuidados de saúde, com consequências muito significativas nos domínios económico e social. Estes autores consideram, inclusivamente, que os aspectos sociodemográficos que caracterizam o país (e.g. o envelhecimento da população, a baixa natalidade), bem como a elevada prevalência de doenças crónicas, exigem que os hospitais evoluam no seu modelo de organização interna, para que se consiga garantir a prestação dos cuidados necessários à população em tempo útil e cumprindo objectivos de qualidade e de eficiência.
A empresarialização dos hospitais, foi, ainda assim, considerada uma das razões fundamentais para a melhoria da qualidade da oferta, das condições de acesso e da modernização das infraestruturas disponíveis. Considerou‐se, por isso, que o nível de serviço melhorou muito desde 2002, ainda que a sustentabilidade financeira dos hospitais não tivesse deixado de ser um tema sensível, em consequência da sua grave situação financeira (GTRH, 2011).
Barros (2011b) aprofunda um pouco mais a discussão em torno da experiência da empresarialização dos hospitais públicos em Portugal, considerando que terá sido a concessão da gestão do Hospital Fernando Fonseca à iniciativa privada a marcar, de facto, o início de um processo de mudança no sector que, na sua opinião, ainda se encontrava a meio do percurso. Recorda, nomeadamente o exemplo da introdução da Triagem de Manchester1 que, com início em Portugal em 2000, por iniciativa do Hospital Fernando Fonseca (Lisboa) e do Hospital Geral de Santo António (Porto), acabou por se generalizar, o que revela o papel impulsionador destas primeiras iniciativas e reforça, na sua opinião, o argumento de que, mais importante do que a gestão e/ou propriedade dos hospitais ser pública ou privada, terá sido a possibilidade de estarem à disposição determinados instrumentos para a sua gestão.
Outra questão importante também referida no que diz respeito à gestão dos hospitais em Portugal, é a da introdução de inovações nestas instituições (e.g. fármacos; tecnologias), defendendo‐se que, para que esta se tornasse mais efectiva, concretamente no que aos resultados clínicos dizia respeito, deveriam ser identificados os pontos críticos de desperdício nestas instituições, já que uma utilização menos eficiente destes recursos poderia pôr em causa a sua sustentabilidade financeira (J. V. Fernandes, 2011). Também Barros (2011b) considerava que os principais desafios no que dizia respeito à actividade hospitalar seriam, para além dos desafios internos de organização e liderança dos hospitais, por um lado, o ritmo da inovação tecnológica e, por outro, a aumento da carga da doença crónica. Relativamente à doença crónica, considerava que havia que reorganizar a prestação de cuidados de saúde por forma a evitar a ocorrência de episódios agudos nestes doentes, ou seja, revendo as opções de monitorização e tratamento do doente crónico. Relativamente às novas tecnologias, considerava ser fundamental que fosse feita uma avaliação muito rigorosa da sua adopção e da decisão relativamente à sua utilização em cada caso, o que já se fazia na área do medicamento, mas que se considerava ser uma prática que deveria ser alargada a outros campos. Tratava‐se, de acordo com o autor, de promover uma mudança de atitudes no sentido de serem adoptadas apenas inovações em que os ganhos em saúde que daí decorressem compensassem os recursos usados, recursos esses que passariam a estar indisponíveis para outras aplicações.
Importante seria também clarificar que a prestação de cuidados de saúde de proximidade não era uma responsabilidade dos hospitais, daí a necessidade também apontada de se redefinir a sua missão, bem como as formas de articulação com os cuidados de saúde primários e os cuidados continuados (GTRH,
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Triagem de Manchester ‐ procedimento de classificação dos doentes admitidos nos serviços de urgência, sendo‐lhes atribuída uma determinada prioridade de atendimento, de acordo com critérios objetivos de gravidade. Recorre‐se a um código de cores para traduzir essa prioridade clínica (Barros, 2011b).
2011). Também J.V. Fernandes (2011), seguindo a mesma linha de pensamento, considera que um maior envolvimento entre o hospital e os cuidados primários de saúde poderia resultar numa redução de custos na saúde, identificando áreas críticas concretas, nomeadamente a da utilização de medicamentos e de meios complementares de diagnóstico. Outra das áreas problemáticas identificadas por este último autor foi a dos serviços de urgência hospitalar, que afirmou serem excessivamente utilizados por doentes com patologias que não eram consideradas “urgentes”, o que considerava que teria tido consequências, não só na eficiência, mas também na qualidade dos cuidados prestados. No sentido de eliminar parte do problema, defendeu que deviam ser dadas aos cuidados primários as condições necessárias para que estes assumissem, de facto, o seu papel de gatekeeper do sistema, evitando o acesso desnecessário às urgências hospitalares. E que, uma maior articulação entre os dois níveis de cuidados poderia, inclusivamente, resultar num redimensionamento das urgências hospitalares, de acordo com as reais necessidades das populações, um processo que defendeu que deveria ser iniciado nos grandes centros urbanos.
A descentralização do modelo tem sido, assim, entendida como uma prioridade, ou seja, a exclusão do espaço da urgência tradicional dos doentes cuja patologia é considerada menos grave, encaminhando‐os para espaços alternativos. Tem‐se defendido também que devem ser encontrados modelos alternativos de colaboração entre profissionais de saúde dos cuidados primários e dos cuidados hospitalares, constituindo‐ se equipas conjuntas nas urgências hospitalares e reforçando‐se, no caso dos enfermeiros, as suas funções assistenciais de proximidade. Outra prioridade reconhecida por J.V. Fernandes (2011) foi a necessidade de rever o modelo de organização do hospital, sob dois pontos de vista: a organização assistencial e a organização da produção. Relativamente à primeira, considerou que o hospital deveria ser organizado segundo uma lógica departamental, integrando especialidades que tivessem um grau de proximidade ao nível das patologias (e.g. departamento materno‐infantil; departamento de urgências), com uma chefia médica, com a principal vantagem do aproveitamento das sinergias existentes resultado da maior comunicação entre especialidades próximas, o que sustentou que poderia ter resultados positivos, quer na qualidade dos cuidados prestados, quer na utilização dos recursos disponíveis (e.g. camas). Paralelamente, defendeu também um modelo de organização transversal, por linhas de produção (e.g. internamento, bloco operatório, consultas externas), ou um modelo assente em patologias (e.g. oncologia, doenças respiratórias cardíacas crónicas), permitindo uma maior especialização no tratamento, e ganhos na qualidade dos cuidados prestados. Não deixou ainda de defender, para os hospitais do SNS, a necessidade do aprofundamento dos modelos de contratualização, não só a externa, com a tutela, mas a contratualização interna, que defendeu que deveria ser alargada aos vários níveis, ou seja, não só aos departamentos, mas também às várias especialidades e aos próprios profissionais.
Outros autores já haviam referido ser crucial definir uma nova matriz organizacional para os hospitais portugueses, em resposta a um novo perfil de procura de cuidados hospitalares, que nem sempre terá sido acompanhado de uma utilização mais responsável dos recursos disponíveis e que, no seguimento dos novos
desenhos organizacionais, cada vez mais próximos da lógica empresarial, estivesse mais atenta à eficiência da organização. A este nível, propuseram‐se mudanças na organização clínica dos hospitais, nomeadamente: a criação de um novo modelo orgânico para a gestão clínica; o desenvolvimento de estruturas técnicas operacionais com uma natureza mais matricial (e.g. Departamento/Centro de Responsabilidade) e a criação da figura de gestor do doente, particularmente relevante para idosos e doentes com multi‐morbilidades (Escoval & Matos, 2009). Segundo estes mesmos autores, as especialidades hospitalares deveriam articular‐se entre si horizontalmente e não segundo uma lógica vertical, devendo assim ser garantida uma assistência integrada, multidisciplinar e personalizada para cada doente.
Ainda relativamente à adequação da resposta na prestação de cuidados de saúde, e particularmente no que diz respeito à doença crónica, os hospitais do SNS apresentavam, segundo Guerra (2009a) falhas na coordenação do percurso dos doentes crónicos, tal como acontecia noutros países da Europa. Defendeu o mesmo autor que a coordenação de cuidados não deveria ser apenas uma responsabilidade do médico de família, mas também do hospital, o que de facto não terá vindo a acontecer, pela falta, no SNS, da atribuição dessa função específica, particularmente na interface hospital‐centros de saúde‐comunidade, tendo vindo a ser, na maior parte das vezes, o próprio utente e os familiares a assumir esse papel. Consequentemente, estas descontinuidades poderão, segundo o autor, ter conduzido ao agravamento das condições de saúde dos doentes e terão tido um efeito significativo sobre a actividade não programada dos hospitais portugueses, e particularmente sobre a utilização dos serviços de urgência. O mesmo autor considerou ainda que o sistema de financiamento dos hospitais não estava orientado para a doença crónica, já que estava estruturado para a prestação de cuidados agudos, privilegiando casos com demoras de internamento curtas, que garantissem economias de escala e casos com margens elevadas de reembolso (cirurgias). E que os doentes crónicos põem estes pressupostos em causa, já que, para estes casos, as demoras médias são, previsivelmente, superiores, apresentam múltiplas patologias, o que condiciona a resposta padronizada e, frequentemente, usam a urgência como ponto de acesso aos cuidados hospitalares. Daí que o autor tenha afirmado que a gestão destes doentes de forma proactiva, em ambulatório, poderia resultar numa utilização mais eficiente dos recursos hospitalares, nomeadamente em