Figura 11 ‐ The Innovative Care for Chronic Conditions Framework (ICCCF) (WHO, 2002)
2. M ODELOS E DIMENSÕES DE ANÁLISE , ACTUAÇÃO E AVALIAÇÃO EM
2.7 A organização da integração dos cuidados de saúde primários e hospitalares: potencialidades e constrangimentos da integração hospitalares: potencialidades e constrangimentos da integração
vertical
Relativamente ao grau de integração que é desejável entre organizações, este pode variar entre a separação completa, em que não há qualquer tipo de formalização da integração, sendo estas completamente autónomas e independentes; passando pela interligação, caracterizada por uma comunicação fluida entre profissionais de diferentes instituições e uma adequada referenciação de doentes, geralmente apoiados por critérios bem definidos; até à integração completa, em que existe uma só unidade responsável pela gestão dos recursos, que se traduz na criação de uma nova organização, não se podendo ainda concluir se existe um nível óptimo de integração (Santana & Costa, 2008).
O processo de integração pode ser classificado como horizontal, ou seja, dentro do mesmo nível de cuidados, ou vertical, implicando a ligação entre os vários níveis, primários e secundários (Leichsenring, 2003). Existe integração horizontal quando uma única entidade se responsabiliza pela gestão de organizações que se encontram no mesmo nível de cuidados. O objectivo é, fundamentalmente gerar economias de escala e poder de mercado, nas compras, junto dos fornecedores e com clientes, através da melhoria dos níveis de serviço. Já a integração vertical, conceito confundido com o conceito genérico de cuidados integrados, resulta na criação de uma única entidade que gere duas ou mais entidades em diferentes níveis de cuidados de saúde, tendo como objectivo a melhoria do estado geral da população de uma determinada região. Em Portugal, o exemplo mais próximo deste conceito genérico é o de unidade local de saúde, ao qual se apontam algumas potencialidades (Santana & Costa, 2008):
Poder de mercado: estrutura ampliada com mais poder no mercado, concretamente maior poder de negociação junto dos fornecedores;
Qualidade assistencial: a procura de soluções para os problemas de saúde de forma integral, coordenada e inter e multidisciplinar, com partilha permanente de conhecimento entre profissionais de diferentes níveis de cuidados e a utilização de protocolos, o que poderá reduzir os erros médicos e melhorar a qualidade assistencial;
A focalização no utente: processo mais centrado nas necessidades específicas do utente e menos no prestador (especialidades e conveniência dos serviços de saúde); deve também ser garantida facilidade de acesso do utente a uma única entidade, garantindo desta forma maior satisfação dos utentes;
Promoção do bem‐estar: o objectivo não é apenas o tratamento episódico da doença, mas a manutenção do estado de saúde global do indivíduo;
A diversificação do risco do negócio: a possibilidade de sustentar actividades menos eficientes com outras mais eficientes;
A redução dos custos de transação: menor esforço na comunicação externa de cada nível de produção e diminuição ou eliminação de etapas entre níveis de cuidados;
A redução de actos e procedimentos desnecessários: minimização da duplicação de actos já realizados, nomeadamente através de registos históricos integrados;
Redução de actividades mais dispendiosas: ou através da opção ambulatório, apoiado por coordenação de actividades entre níveis, ou através do processo de produção centrado nos cuidados primários, de forma a garantir mais racionalidade na utilização dos cuidados de saúde, incorporando critérios de “custo‐efectividade” na abordagem à doença. Trata‐se de procurar utilizar menos intensivamente os recursos para tratamento de doentes agudos investindo mais no ambulatório e na prevenção da doença e promoção da saúde; Minimização de conflitos: através da gestão conjunta da produção, financiamento ou avaliação de desempenho, poderá conseguir‐se um maior alinhamento estratégico entre níveis de prestação de cuidados.
As experiências de integração de cuidados são, ainda assim, relativamente recentes e, apesar da abordagem apresentar potencialidades, estudos apresentados sobre os resultados da integração de cuidados, maioritariamente nos EUA, são inconclusivos. Existem algumas barreiras à integração de cuidados de saúde, que merecem ser destacadas. As unidades a integrar têm, geralmente, diferentes culturas organizacionais, que terão que se adaptar ao novo modelo, sendo este um dos aspectos mais difíceis de mudar. A própria lógica de proximidade geográfica entre as organizações a integrar, habituadas a concorrer entre si por recursos humanos, materiais e financeiros, bem como a desconfiança ou a dificuldade em partilhar informação “privilegiada” sobre cada uma das realidades são igualmente aspectos que podem dificultar a integração. Outra dificuldade identificada diz respeito à diferente dimensão das estruturas a integrar. As estruturas de menor dimensão receiam, neste processo, a perda de protagonismo na gestão e desvantagens orçamentais (Santana & Costa, 2008).
Ainda no que respeita à estrutura adequada à integração de cuidados, importa discutir a necessidade da formalização da integração das diversas estruturas envolvidas. Tal como já foi referido, a prestação de cuidados de saúde exige uma cada vez maior articulação entre as partes, nomeadamente com o aparecimento de estruturas mais matriciais, onde a coordenação de processos assume particular importância. Os problemas de coordenação na prestação de cuidados surgem particularmente nas ligações entre níveis de cuidados, entre instituições e profissionais, tornando prioritária a minimização das barreiras administrativas e outras que dificultem as transições dos doentes entre níveis de cuidados. Existirá, por isso, ainda espaço para o aparecimento de novos modelos de prestação de cuidados, nomeadamente resultantes da integração vertical de serviços. Outro aspecto particularmente importante na integração de cuidados, e concretamente no que se refere à doença crónica, onde os efeitos da fragmentação são mais sentidos, é a existência, ou não, de programas nacionais para a gestão da doença crónica que ultrapassem as fronteiras das instituições e as suas formas tradicionais de organização. Trata‐se de uma abordagem trans‐sectorial, que inclui a promoção da saúde, a prevenção da doença e a gestão da doença, dirigida a toda a população, aos indivíduos de alto risco e aos que têm doença precoce ou já estabelecida, integrando acções efectivas de controlo dos factores de risco. Experiências de outros países que, assumindo como uma necessidade estratégica a gestão da doença crónica, têm revelado uma aposta na reconfiguração dos seus modelos de prestação de cuidados, inspirando‐se na filosofia e princípios metodológicos da Gestão da Doença, nomeadamente (Guerra, 2009b): 1. Utilização de sistemas de informação para acesso a dados chave dos indivíduos e populações com a doença em causa (Patient Registry); 2. Identificação dos indivíduos com a/s doença/s crónicas/s; 3. Estratificação dos doentes por categorias de risco; 4. Envolvimento dos doentes nos seus próprios cuidados (Patient empowerment); 5. Coordenação efectiva dos cuidados (Disease managers/Case managers); 6. Utilização de equipas multidisciplinares; 7. Integração dos cuidados através das fronteiras sectoriais do sistema de prestação de cuidados; 8. Integração da experiência de especialistas hospitalares e dos CSP; 9. Provisão de cuidados num contexto menos intensivo; 10. Ter como objectivo evitar consultas e internamentos desnecessários.
Vários países têm levado a cabo algumas destas iniciativas, por forma a minimizar o impacto social, de saúde e financeiro das doenças crónicas. No entanto, parece ser que iniciativas isoladas têm um impacto
limitado no longo prazo, daí a importância do desenvolvimento de novas infraestruturas para a gestão da doença crónica “que não se compadece com acrescentos ‘on demand’ ao modelo de cuidados existente, estigmatizado por um viés estrutural para optimizar as respostas à doença aguda, hoje anacrónico para resolver os problemas complexos da doença crónica” (Guerra, 2009b, p.8).
Relativamente às várias possibilidades de coordenação entre níveis de prestação de cuidados para resolver problemas complexos como a satisfação das necessidades individuais dos utentes, a uniformização de procedimentos poderá, segundo Wadman et al. (2009) contribuir favoravelmente mas, ainda assim, ser insuficiente para assegurar a coordenação dos processos. Estes mecanismos de coordenação podem ser de carácter mais formal ou mais pessoal e os métodos de coordenação de carácter mais formal não parecem ser os que asseguram uma coordenação mais eficaz numa rede de grande complexidade, uma vez que tendem a não tratar as excepções, aumentam a distância entre as partes, e possivelmente, diminuem a sua disponibilidade e vontade para colaborar. Ainda assim, a uniformização de procedimentos é importante para garantir a coerência do sistema, pelo que será importante manter uma estrutura formal, uniformizada, nomeadamente através de alguns procedimentos normalizados, como suporte à estrutura informal (Wadmann et al., 2009).
A compreensão do processo de desenvolvimento inerente à integração de cuidados é, tal como já foi referido, fundamental na avaliação destas experiências. A este respeito, foi proposto por Minkman, Ahaus, & Huijsman (2009) um modelo para a compreensão do processo de integração de cuidados, que consiste em quatro fases de desenvolvimento: fase de desenho; fase experimental e de execução; fase de expansão e de monitorização; e a fase de consolidação e de transformação. Em cada uma destas fases de desenvolvimento os autores deste trabalho identificaram também diferentes elementos relevantes para a integração de cuidados. Este tipo de instrumentos poderão ser de bastante utilidade para reflectir sobre as práticas actuais e para identificar áreas de melhoria. De acordo com os autores, a fase de desenho corresponde ao início do processo e resulta do reconhecimento da existência de um problema comum ou de alguma colaboração já existente entre profissionais. O grupo‐alvo de utentes, a cadeia de cuidados, o processo de prestação de cuidados, bem como as necessidades dos utentes e de todas as partes envolvidas são definidos. Uma equipa multidisciplinar desenha a experiência, com vista à operacionalização das ideias. Na fase experimental ou de execução, os objectivos, papéis e tarefas a desempenhar por cada uma das partes são clarificados e escritos em protocolos e descrições de percursos clínicos. Nesta fase existe já coordenação através da figura de um coordenador ou da existência de reuniões. Existe partilha de informação sobre os grupos de utentes, procedimentos de trabalho e partilha de conhecimento entre os profissionais. Desenvolvem‐se experiências no seio dessa colaboração e avaliam‐se os resultados. A fase de expansão e monitorização corresponde à fase de formalização. Os projectos ganham dimensão ou são integrados em programas de integração de cuidados. Os acordos relativamente às tarefas e papéis a desempenhar por todos são clarificados e formalizados. Existe uma monitorização sistemática dos
resultados e são identificadas áreas de melhoria. Surgem novas iniciativas de colaboração. Na fase de consolidação e de transformação, a integração de cuidados é a regra. A informação é partilhada, existe uma monitorização sistemática dos resultados, e do grau de satisfação das necessidades dos utentes, identificando‐se áreas de melhoria. Há lugar a transformações nas estruturas organizacionais existentes ou a criação de novas estruturas para o programa de integração de cuidados. São feitos acordos no que respeita ao financiamento e procuram‐se novas parcerias na envolvente externa. De acordo com os autores, este modelo é importante para caracterizar, não para prescrever ou prever, e menos ainda para julgar qual será a melhor fase. Importa ainda referir que a construção deste modelo é influenciada por factores de contexto como o sistema de saúde em causa, os valores sociais dominantes, as reformas na saúde e as politicas da qualidade em vigor. Os autores deste trabalho propõem este modelo para o sistema de saúde holandês, considerando no entanto que este poderá ser uma importante ferramenta de avaliação e discussão noutros países.
Não se pode deixar também de recordar o trabalho desenvolvido por Leutz (1999) e, concretamente, a sua “primeira lei da integração”: “É possível integrar todos os serviços para algumas pessoas, alguns serviços para todas as pessoas, mas não é possível integrar todos os serviços para todas as pessoas” (p.83). Para este autor, o que determina o grau de integração da oferta e a respectiva configuração serão, por um lado os aspectos operacionais inerentes aos sistemas de prestação de cuidados e, por outro lado, as características da procura, no que diz respeito às suas necessidades. Relativamente à dimensão “necessidade”, haverá que considerar, nomeadamente, o grau de severidade das doenças, a urgência das intervenções e a autonomia dos doentes e/ou cuidadores informais. Já no que respeita à dimensão mais operacional, a integração de cuidados pode ser construída em torno de determinadas práticas clínicas adequadas às diversas necessidades dos utentes, da gestão das transições dos doentes entre níveis de cuidados e entre instituições, da partilha de informação, da gestão de casos e/ou da gestão integrada de recursos (e.g. financeiros) oriundos de diversas fontes. E, no seguimento deste preceito, este autor propõe três configurações possíveis, no que diz respeito ao grau/possibilidades de integração: articulação, coordenação e integração plena.
Em sistemas articulados, é possível responder eficazmente a situações de pequena e média severidade no que diz respeito às necessidades de saúde das populações. A “articulação” começa com um rastreio à população com o objectivo de identificar necessidades emergentes. Posteriormente, os médicos que acompanham estes doentes são instruídos no sentido de compreenderem as necessidades básicas dos diferentes grupos identificados e garante‐se a comunicação entre os vários profissionais que acompanham os doentes, pessoal médico e não médico, dentro e entre diferentes instituições. Devem ser criadas as condições para que estes profissionais forneçam e obtenham a informação necessária à prestação de cuidados, para benefício do doente. No nível “coordenação” existem já algumas estruturas mais explícitas, e até gestores de caso, mas ainda assim não há interferência com as estruturas existentes. O foco são
pessoas que são alvo de intervenções de diferentes estruturas e/ou profissionais, com doenças que podem ir de moderadas a severas, estáveis e a necessitar de intervenções relativamente rotineiras, sendo algumas das tarefas principais a coordenação da utilização dos serviços, a gestão das transições e a partilha de informação clínica. Um exemplo pode ser uma equipa de gestão de altas num hospital, que planeia a alta de determinados doentes desde o momento da sua admissão. Após a alta hospitalar e, existindo necessidade de encaminhamento dos doentes para cuidados continuados, a gestão da transição destes doentes para este tipo de cuidados é garantida. A coordenação materializa‐se assim na identificação de pontos de fricção e de descontinuidade entre níveis e/ou instituições e na criação de estruturas e processos que as atenuem e/ou resolvam. Na “integração plena” existe já lugar à criação de uma estrutura, que pode ser um programa, ao qual recursos de diferentes fontes são afectos. Será mais adequada a doentes com patologias que podem ser classificadas, no que diz respeito ao grau de severidade, como moderadas a severas, tratando‐se de doentes mais instáveis e, frequentemente, a necessitar de intervenções urgentes. Pode compreender a criação de equipas multidisciplinares e/ou equipas ou gestores de caso que gerem todo o plano de cuidados dos doentes.